Dez anos. Esse é o período que separa “Homem de Ferro”, primeiro filme do MCU – sigla para Universo Cinematográfico da Marvel – de Vingadores: Guerra Infinita. Foi uma década inteira apresentando personagens, desenvolvendo tramas, errando, acertando e, acima de tudo, amadurecendo. Mesmo que frequentemente trabalhando uma fórmula quase engessada, é notória a evolução dos filmes da Casa das Ideias: as produções mais simplórias dos últimos anos são muitas vezes mais coesas que os blockbusters que fizeram muitos fãs enlouquecerem no início dessa trilha.
Uma trilha mais do que necessária para que chegássemos até o grande evento que já se consolidou como a maior bilheteria de estreia de todos os tempos.
Vingadores – Guerra Infinita: um novo tipo de grandiloquência
Antes de mais nada, tiremos uma questão do caminho: Guerra Infinita não pode ser encarado como, por exemplo, Pantera Negra, Mulher-Maravilha ou mesmo Capitão América: Soldado Invernal; filmes que carregam bandeiras ou um comentário político mais que necessários em meio a tramas heroicas. Aqui, há personagens demais, tramas demais, riscos demais em jogo para permitir uma discussão mais aprofundada de temas que exigem cuidado. Com as proporções desse enorme crossover, o que o público recebe é pura catarse. Ao longo de quase três horas de projeção, somos guiadas em uma montanha-russa emocional, conduzida pelo personagem mais improvável: um certo gigante roxo ao qual fomos apresentadas há algum tempo, mas que só teve chance de se mostrar como personagem efetivo agora.
No ano passado, Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, já havia comentado que Thanos poderia até ser considerado o personagem principal de Guerra Infinita. Hoje sabemos que não foi um exagero.
Um novo tipo de vilão
Não é novidade que um dos calcanhares de Aquiles da Marvel ao longo de todos esses anos foram seus vilões. Muitas vezes rasos, maniqueístas, sem grande personalidade ou motivação, serviam mais como uma desculpa para que heróis fizessem seu papel. Loki não serve como parâmetro, tendo deixado o posto há tempos; o maior acerto do estúdio até o presente havia sido Killmonger, em Pantera Negra.
Thanos, contudo, pode vir a se tornar um dos personagens mais memoráveis dessa fase do MCU. Seria fácil errar a mão na apresentação e construção de uma entidade tão poderosa, mas o equilíbrio entre um roteiro afiado e uma interpretação de primeira, oferecida por Josh Brolin, nos entregam um guerreiro que não se deleita na crueldade de seus atos. Pelo contrário: Thanos enxerga a missão da qual se incumbiu com uma clareza impressionante e realmente acredita estar fazendo a coisa certa – e quando avaliamos suas ações por sua perspectiva, é bem possível entendê-lo.
Esse destaque dado a Thanos lança uma nova luz sobre uma velha conhecida do público: Gamora (Zoe Saldana), integrante dos Guardiões da Galáxia. A filha adotiva de Thanos, que aprendeu a arte da guerra com o pai, cresce como poucos no filme. Essa conflituosa relação nos permite ver outras facetas da relação de Gamora com Peter Quill (Chris Pratt), aprofundar seu relacionamento com a irmã Nebula (Karen Gillan) e, por fim, enxergar uma heroína completa, disposta a encarar o maior dos sacrifícios tantas vezes quanto necessário.
Um novo tipo de dinâmica
Não é apenas a relação entre Gamora e Thanos que nos é apresentada com nervos expostos, fraturada. Tampouco é à toa que muitos espectadores venham deixando as salas de cinema em estupor, sem reação. O desgaste emocional, muito mais do que o físico, dá o tom de todo o filme, mostrando heróis que já lutaram demais, sacrificaram demais, e em alguns casos, estariam prontos para abandonar tudo isso em prol de uma vida normal – vida essa, contudo, que jamais seria possível com uma ameaça como Thanos pairando sobre todo o universo.
O sentimento de perda e cansaço persegue a todos, de uma forma ou de outra, criando uma unidade impressionante, dada a diferença de tons entre determinadas obras do MCU. Se antes parecia impossível termos os Guardiões dividindo tempo de cena com o Capitão América (Chris Evans), Guerra Infinita nos mostra como é fácil migrar da melancolia ao riso e então de volta à primeira.
A maturidade do estúdio também alcança seus personagens – alguns, mais do que outros. Thor (Chris Hemsworth) é um grande exemplo: se as duas primeiras tramas do deus do trovão foram algo irregulares, o tom encontrado em Thor: Ragnarok foi adotado de vez, ainda que devidamente ajustado à paleta de Guerra Infinita. E não deixa de haver certa ironia no fato de que o viajante de Bifrost, a ponte arco-íris, sirva justamente como o elo entre Vingadores e Guardiões – ou que ainda seja dele uma das cenas mais emblemáticas no que diz respeito a unir riso e tristeza, quando o deus tenta sorrir malgrado suas perdas.
Outro que assume um papel fundamental na trama é o Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch). Visivelmente mais poderoso que em seu filme solo – o período passado na dobra temporal com Dormammu trouxe consigo um grande aprendizado –, Strange conduz a ação em alguns momentos e planta algumas pistas valiosas sobre o que está por vir. Mas acima de tudo, cabe ao mago uma decisão central que não apenas atesta sua humanidade, como mostra a importância de se saber perder uma batalha para vencer a guerra.
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Um novo tipo de parceria
Se falamos em perdas, contudo, é impossível não mencionar Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen). A jovem Feiticeira Escarlate perdeu seu irmão gêmeo em Vingadores 2: Era de Ultron, filme em que ambos foram devidamente apresentados. Com o tempo, encontrou em Visão (Paul Bettany) uma nova constante, apenas para viver sob a constante ameaça de perdê-lo de forma definitiva.
A relação dos dois é uma grata surpresa. Não pelo fato de existir – o romance já vem desde os quadrinhos –, e sim pela forma como foi conduzida. Mesmo que nenhum dos dois tenha tido grande destaque nos filmes dos quais participaram, o relacionamento não soa gratuito, um romance protocolar. Talvez inclusive por ser focado muito mais no carinho e cuidado que um tem com o outro do que em uma paixão arrebatadora. É fácil percebê-los e aceitá-los como parceiros. Mas mesmo quando Wanda se vê separada do androide, ela não está sozinha.
Os momentos em que os heróis se unem em combate são exemplo do melhor que o cinema-pipoca tem a oferecer: relações e personalidades já estabelecidas, é possível concentrar as cenas no que cada um pode oferecer no campo de batalha. Ainda assim, há um gosto especial em se ver a Viúva Negra (Scarlett Johansson), por tanto tempo a única heroína de destaque no MCU, erguer-se junto a Okoye (Danai Gurira) para enfrentar Próxima Meia-Noite (Carrie Coon). A cena, já tão próxima ao dramático e inesperado desfecho, deixa heróis e heroínas em pé de igualdade, reforçando o comprometimento de cada grupo com o destino do universo.
E se tudo parece absolutamente incerto quando os letreiros finais sobem, a cena pós-créditos, estrelada por Maria Hill (Cobie Smulders) e Nick Fury (Samuel L. Jackson), dá a entender que a esperança de salvação repousa nos ombros de uma mulher: a Capitã Marvel (Brie Larson), cujo filme de origem será lançado no próximo ano, possivelmente trazendo algumas pistas sobre como ela pode atuar na próxima trama dos Vingadores.
Até lá, o que nos resta é conviver com o vazio deixado pelo poder de Thanos. Tanto no Universo Marvel quanto no público.