Em janeiro, a quinta temporada de Grace and Frankie chegou ao conforto de nossos celulares ou televisões. Embora pareça brega, é um momento para agradecermos por uma série dessa importância, com protagonistas na terceira idade e abordando temas desse universo, permanecer no catálogo da Netflix.
Sabemos como a plataforma pode ser cruel: ela já cancelou séries na primeira temporada como Gypsy. Mas um dos motivos para o sucesso de Grace and Frankie reside no fato de ser sido recebida de braços abertos pela geração mais jovem. Como Martha Kauffman, uma das criadoras da série, declarou nesta entrevista: “É fascinante, temos uma audiência muito mais jovem do que inicialmente pensamos. Jessica Biel acabou de postar uma foto amamentando seu bebê e assistindo à Grace and Frankie. Miley Cyrus gosta da série.” Ou seja, uma geração de mulheres mais jovens começa a encarar a velhice de uma maneira menos cruel por causa da série. Porém, apesar de as discussões sobre idade continuarem na série, sentimos que Grace and Frankie acabou se perdendo um pouco nesta quinta temporada.
AVISO: Este texto contém muitos spoilers da série!
A série começa com o gancho deixado na temporada anterior: a fuga de Grace (Jane Fonda) e Frankie (Lily Tomlin) do asilo e a constatação de que seus filhos colocaram a casa delas à venda. E como dissemos na crítica da última temporada, as protagonistas começam a ser punidas por estarem envelhecendo, coisa que não acontece aos outros idosos, Robert (Martin Sheen) e Sol (Sam Waterston), na série. Já os trailers da quinta temporada enfatizaram muito a expressão “Fuck it” (Foda-se, em português), ou seja, os indícios eram de que nossas protagonistas iriam tocar o foda-se para tudo o que seus filhos e ex-maridos estavam tentando fazer com elas.
O primeiro ato de rebeldia das duas é ocupar a antiga casa onde moravam, já que os filhos venderam-na sem a permissão delas. Apesar de a ocupação durar dois ou três episódios, ela já mostra que essa temporada será bastante diferente da anterior, ou seja, elas não aceitarão ser passadas para trás. Cada episódio mostra uma forma diferente de as duas não se deixarem ser passadas para trás. No episódio The Pharmacy, por exemplo, Frankie não aceita a fila na farmácia, como se aquilo fosse um indício de que ela estava perdendo tempo — e tempo, na idade dela, é dinheiro, como diz o ditado.
Voltando à ocupação, ela é uma forma de defesa do comportamento etarista dos filhos. Boa parte disso vem pelo fato de as duas serem duas mulheres solteiras, logo, sozinhas. Enquanto elas estão lutando pela posse da casa, Sol e Robert estão tendo que lidar com o amigo de Sol, Roy (Mark Deklin), na casa do casal. Em momentos como esse, fica bastante evidente o quanto a série trata a velhice de maneiras diferentes, como ela é uma questão de gênero. Isso porque a grande questão de Sol e Robert, até aquele momento, é se partem, ou não, para um relacionamento aberto.
A partir do momento em que saem do armário, o casal pode viver uma vida em comum como sempre sonhou. A liberdade da qual eles gozam é radicalmente diferente daquela de suas ex-mulheres. Até na velhice os homens gozam de mais liberdade que as mulheres. Além disso, eles continuam viris, ou seja, é aí que começamos a usar frases como “Fulano é como vinho” para sinalizar o quanto os homens envelhecem bem. Já no cinema, a velhice masculina sempre foi exaltada, basta pensarmos na insistência de Hollywood de formar pares de jovenzinhas com coroas. As protagonistas dos filmes, como Audrey Hepburn, eram seduzidas pela maturidade dos galãs como Cary Grant.
Uma frase do filme “O Clube das Desquitadas“ (The First Wives Club), dita pela personagem de Goldie Hawn, uma atriz que enfrenta o fato de só quererem escalá-la para ser a mãe em filmes, resume essa problemática: “Veja o Sean Connery. Ele tem trezentos anos e continua um galã. (…) Maurice, você acha que este é o rosto de uma mãe?”
Às mulheres, como sempre, sobravam os restos, ou seja, os papéis de mãe, uma clara demonstração do que a sociedade espera de nós. Em Grace and Frankie, o fato de a reinvenção das duas protagonistas se dar através da amizade e da criação de uma empresa de vibradores é muito empoderadora. Significa que elas se recusam a ser apenas mães e avós. Por isso, o “Fuck It” é tão importante nesta temporada. A todo momento Grace e Frankie são desafiadas a mostrar que podem viver a velhice de maneira livre e confortável, assim como seus ex-maridos. Vemos nisso como mais uma forma sutil de retratar que as mulheres precisam estar se provando capazes de algo enquanto os homens podem viver normalmente.
Dito isso, por conta da diferença de gênero, as tramas de Sol e Robert parecem muitas vezes vazias se comparadas às de suas ex-esposas. Isso deu uma boa mudada na quinta temporada, pois finalmente um conflito de fato foi inserido na série: o impacto de ser LGBTQ+ na terceira idade.
Robert: o que significa ser gay na terceira idade?
Uma das paixões de Robert são os musicais. Na temporada anterior, ele chegou a ganhar um prêmio por sua atuação. Nessa temporada ele participa de um grupo teatral liderado por Peter (Tim Bagley), o diretor. Peter é intragável e sempre está colocando os integrantes de sua companhia para baixo. Ninguém é bom o bastante para ele. Sempre há um comentário venenoso em sua boca. Porém, como ele coordena o teatro, as pessoas sempre baixam a cabeça para ele, o que perpetua os abusos de poder dele. No momento em que é expulso de casa pelo companheiro por conta de uma traição, Peter acaba indo passar uns tempos na casa de Robert e Sol. É a oportunidade que Robert vê para convencer o diretor a encenarem “Don Quixote de La Mancha”, musical cuja versão brasileira já teve Bibi Ferreira no elenco.
Todas as circunstâncias de Robert o fazem perfeito para ser o Quixote: ele é mais velho, sábio e tem o ar sonhador de que o personagem precisa. Porém, por pura e simples implicância, Peter acaba escolhendo um homem mais jovem para interpretar o protagonista. Robert fica com o papel de Sancho Pança, amigo de Quixote. E com esse fato aparentemente inofensivo, Grace and Frankie começa a delinear o que é ser um homem gay idoso em uma sociedade que idolatra a juventude. O calvário de Robert está apenas começando.
A entrada do novo Quixote, interpretado por Oliver (Scott Evans), faz com que a única distração de Robert torne-se um fardo para ele. A humilhação acontece não só apenas porque ele foi relegado ao coadjuvante, mas também porque Oliver é a constante lembrança de uma juventude há muito tempo perdida pelo personagem. Robert é um homem gay idoso que viveu a juventude durante os anos 50 e 60. Naquela época, os ícones eram Rock Hudson, Tyrone Power (ambos eram LGBT+s dentro do armário) e James Dean. Esses caras ditavam o que era masculinidade e faziam homens e mulheres suspirarem.
A masculinidade dos anos 50 não era muito diferente da de hoje. Os carros ou motos eram sinônimo de virilidade, basta lembrarmos da famosa cena do racha em “Juventude Transviada“. Qualquer manifestação de sensibilidade era mal vista. Nos filmes, tais momentos eram relegados aos gays, retratados como afeminados. É claro que ser gay nesse tempo era um tormento ainda maior que nos dias de hoje. Além de serem retratados sempre da mesma forma caricata, os estúdios de cinema colocavam uma mortalha nos atores queer.
Um caso triste e curioso é o de Tab Hunter, ator do mesmo calibre de Dean, e que teve a carreira devastada porque uma revista de fofocas, a Confidential, descobriu que ele saía com homens. O estúdio comprou a revista para que ela ficasse quieta, pois a orientação sexual de Hunter era um “problema”, já que ele tinha um séquito de mulheres apaixonadas por ele. Tab foi excluído do cinema e só voltaria mais tarde, nos anos 80, nos filmes de John Waters que por sinal também é gay.
Dessa forma, para Robert, a saída do armário ainda é uma questão. O personagem acreditava que precisava emular uma masculinidade para não ser taxado de afeminado. Tendo vivido uma juventude em uma época tão opressiva para os LGBT+s, é claro que Robert teria dificuldades para se adaptar à nossa sociedade.
Esta reportagem do jornal Zero Hora sobre casais LGBT+s na terceira idade mostra como a homossexualidade na terceira idade é uma questão muito forte. Isso porque muitos idosos recusaram-se a dar entrevista para o jornal sem usar pseudônimos. Uma declaração de um senhor sobre o assunto resume o abismo entre nossa geração de LGBT+s e a deles:
Não é questão de se esconder, de ser enrustido, o que não sou, mas expor minha vida em jornal não faz minha cabeça — desculpou-se um terceiro, de 68 anos. — Somos pessoas que pertencem a uma geração muito reprimida. Na época de juventude, éramos vistos como coisa demoníaca, um pecado, um insulto a Deus, uma aberração. Fomos achatados por uma cultura religiosa, educacional e familiar, o que é bem diferente da gurizada de hoje, muito mais livre, solta, natural nos seus gestos e atitudes, que teve pais que não a sufocou com conceitos retrógrados e pobres.
Em Grace and Frankie, o choque entre duas gerações de LGBT+s acontece quando os integrantes da companhia trocam uma noite de drinques na casa de Robert por uma noitada em um clube, só para terem a chance de assistir à cantora Ke$ha. Durante a cena, você percebe o desconforto de Robert, pois ele não sabe de quem se trata. Um dos colegas de teatro desdenha o convite do personagem, afinal, quem é que quer tomar drinques quando se pode ver a Ke$ha? De uma forma sutil ou não ele chama Robert de velho e ultrapassado.
Para tentar ficar bem na foto com os colegas, ele acaba aceitando o convite. Ao chegar na boate, ele simplesmente percebe que aquele mundo não é o dele. Então Robert acaba indo parar em um bar voltado para LGBT+s mais velho, e lá sente-se entendido. A velhice ainda é um tabu dentro da comunidade LGBT+. Ao mostrar esse drama particular de Robert, a série está apontando uma flecha para essa questão, mostrando que muitas vezes nos falta mecanismos para entender e abraçar essas pessoas.
De acordo com o sociólogo Murilo Peixoto da Costa, existe um duplo estigma envolvendo os idosos LGBT+: além das questões atreladas ao enfrentamento da orientação sexual, eles sofrem com o desprezo pelos mais jovens. Dessa forma, muitas vezes existe um movimento de recuo, uma volta ao armário para se preservar.
À princípio, o deslocamento de Robert pode causar motivos de riso, mas depois percebemos que não é engraçado. Os colegas não tentam enturmá-lo. Inclusive, Robert é censurado por Peter, também mais velho, ao falar sobre Fernando Rivas, ator mexicano dos anos 50. Peter nega conhecer Rivas para mostrar que Robert é velho e antiquado. O diretor está sempre tentando parecer jovem. Sendo assim, a primeira trama de verdade envolvendo os ex-maridos é fantástica, dando margem para uma série de reflexões. A série estava demorando demais para tratar sobre esses temas!
É queerbaiting ou não?
Um dos temas mais polêmicos da quinta temporada é a existência (ou não) de queerbaiting entre as personagens principais. Mas afinal, o que é isso? E por que isso ficou tão evidente na quinta temporada?
O queerbaiting é uma tática usada pelas produtoras de séries e filmes para atrair a audiência LGBT+ através de iscas, mas sem ferir o público heterossexual ou conservador. A isca, no caso, são dois personagens que protagonizam situações ambíguas, geralmente um certo tipo de tensão sexual, da qual você jamais tem certeza. E como foi já foi discutido por aqui, o queerbaiting é uma promessa que jamais se cumpre. Na hora do vamos ver, de mostrar um casal LGBT+, os roteiristas recuam. Dessa forma, eles mexem com uma audiência que anseia por representatividade. É como aquelas empresas que adoram dizer que amam minorias, mas ao olhar para o quadro de funcionários delas, não há nenhuma minoria empregada.
O caso do queerbaiting em Grace and Frankie é interessante porque ele aconteceu por acaso. Nós já tínhamos um casal LGBT+ na série, Robert e Sol. Porém, o apelo que eles têm com a fanbase é mínimo se comparado ao de Grace e Frankie. Essa situação se dá muito por causa da química entre Jane Fonda e Lily Tomlin. Se você assiste a qualquer entrevista delas, é fácil perceber o poder de entrosamento entre elas. Isso é antigo e vem da época de “Como eliminar seu chefe“, filme que elas protagonizaram juntas em 1980.
Nas entrevistas com elas, há sempre muito material para que os fãs romantizem um relacionamento entre as personagens. Em uma delas, para o Jimmy Kimmel Live, há um momento em que Jane começa a distrair Lily simulando beijar sua nuca, dando um “cheiro” nela. Os fãs, mais especificamente as fãs lésbicas e bissexuais, foram à loucura. Então, por que não agradar a fanbase inserindo situações ambíguas, como a famosa cena em que elas estão no chão, uma em cima da outra, na terceira temporada?
“Eu não costumo dizer isso com frequência, mas você é linda”, diz Frankie a Grace. Ou então a conversa em que Grace confessa que gosta de estar com Frankie, até demais. A sensação que você tem com Grace and Frankie é a de estar assistindo a um filme da antiga Hollywood, no qual você tem certeza de que existe um subtexto LGBT+ na trama, mas ao mesmo tempo não tem. E isso acontece o tempo inteiro.
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A terceira temporada foi cheia desses momentos à la Hollywood antiga. Além das duas cenas citadas, tivemos aquela season finale, com direito a balão com as cores da bandeira LGBT+ e todo o diálogo sobre mudança e estar juntas. Elas se abraçam, o balão levanta voo, sobem os créditos e fica aquele gosto de ambiguidade no ar: Será que elas são?
Na época da terceira temporada, temos um texto levantando a ideia de queerbaiting, mas ele não foi muito bem recebido. Durante muito tempo, pensamos se a nossa leitura não estava equivocada, especialmente porque veio a quarta temporada e a questão entre elas parece ter sido esquecida. Frankie envolveu-se com Jacob (Ernie Hudson) e Grace com Nick (Peter Gallagher). Elas não têm nada, foi impressão nossa. Nós que não entendemos as artimanhas do fanservice, ou seja, da ciência de agradar os fãs.
A questão do queerbaiting voltou com tudo nesta última temporada. Dessa vez não houve sutileza, os roteiristas colocaram os dois pés na porta mesmo. A situação toda desenvolve-se no episódio intitulado The Retreat. Nele, as personagens vão para um retiro espiritual em busca de um pouco de paz. Grace quer esquecer Nick, já Frankie deseja reconectar-se com seu antigo ser.
Na metade desse episódio, Grace tem uma visão depois de tomar rum de origem obscura. Babe (Estelle Parsons), amiga das protagonistas que faleceu na segunda temporada, aparece para a personagem. É interessante trazer Babe de volta, especialmente em uma virada de cena tão importante quanto essa. É como se alguém de fora precisasse dizer para Grace o que ela já sabe: existe um sentimento além de amizade por Frankie, algo que está nascendo, e ela não entende e nem consegue lidar.
A voz da sabedoria fica ressoando nos ouvidos de Grace até o dia seguinte, quando as duas vão embora. No carro, a caminho de casa, há outra cena emblemática de queerbaiting. Grace liga o celular, depois de ter ficado dias desconectada por causa do retiro, e recebe uma mensagem de Nick. E ao invés de ficar feliz por ele ter retornado, especialmente porque o clima entre eles está péssimo, Grace parece visivelmente incomodada. Frankie começa a falar, toda feliz, sobre Nick ter retornado a mensagem, mas a outra mulher parece distante. É claro que ela está se lembrando do que Babe falou.
Grace and Frankie sempre se distancia da ideia de queerbaiting e de envolvimento amoroso entre as protagonistas colocando um interesse masculino entre elas. Tivemos Jacob, ex-namorado de Frankie, a quem ela abandonou por não conseguir ficar longe da família e de Grace, e agora temos Nick. O namorado de Grace é um homem cheio de dinheiro, mas que não consegue satisfazê-la, pois a personagem mudou. Quando ele contrata uma equipe de chefs para preparar o café da manhã para eles, Grace parece muito incomodada. Ela já não é mais a mesma mulher da primeira temporada.
A diferença da quinta temporada para as anteriores em relação ao interesse amoroso masculino é que agora Grace casou-se com Nick. O negócio ficou sério. Na season finale, as duas correm uma em direção a outra e confessam que não conseguem viver sem a outra. A sensação que você tem é de que elas vão se beijar a qualquer momento. O queerbaiting é real demais.
Em fóruns como TV Time, observamos várias pessoas perguntando-se se Grace não estaria apaixonada por Frankie. Muitos vibraram com a cena na floresta, ou seja, com o diálogo entre Babe e Grace. Abaixo elencamos alguns comentários:
A quinta temporada de Grace and Frankie foi bastante morna se comparada às outras. Parece que os roteiristas se perderam e só estão enchendo linguiça. Isso fica evidente no último episódio, ambientado em uma realidade paralela na qual as protagonistas imaginam como seria a vida se cada uma tivesse ido para um lado. E mais uma vez a série realiza o queerbaiting, de maneira intencional ou não, de forma a nos deixar sempre chupando o dedo. É o fanservice mais sujo já feito, porque cria expectativas falsas.
É sempre um prazer rever Jane Fonda e Lily Tomlin em cena, mas esse não pode se tornar o único motivo para assistirmos a série. Se Grace and Frankie quiser se reinventar, terá que dar um ultimato em relação à questão do queerbaiting, além de tornar a trama dos personagens secundários, os filhos, mais interessante. Eles apenas gravitam ao redor de suas mães, fazendo com que a gente simplesmente os odeie. Está na hora de repensar algumas coisas, Martha Kauffmann.