As comédias românticas sempre tiveram um espaço forte no cinema. Com grandes histórias que marcaram gerações, este subgênero conseguiu alavancar as bilheterias do cinema sem preocupações. Mas, com a era dos streamings e com roteiros superficiais, o gênero começou a desaparecer, fazendo com que muitas pessoas se questionassem se esses filmes mereciam um ressurgimento ou não.
Sempre houve debates se comédias românticas são filmes bons ou não, e de certa forma, as pessoas que debatiam contra tinham argumentos válidos. Como se mudar para outro país por conta de um cara ou sua vida melhorar só porque conheceu um homem meio rabugento e você não consegue esquecê-lo. E isso cria no imaginário dos telespectadores, principalmente nas mulheres, uma idealização de histórias que não aconteceriam no dia a dia, como, por exemplo, pensar que uma pessoa se apaixonaria pelo seu colega de trabalho que tanto odeia.
Entretanto, se as comédias românticas são tão clichês e algumas vezes tão retrógradas, a ponto de desaparecerem no cenário de Hollywood por um tempo, por que existe nas pessoas um sentimento de saudade? Por mais que haja estereótipos, é igualmente irônico e contraditório pensar que são justamente esses filmes que são os mais mundanos, que retratam o cotidiano de forma mais verossímil. Em uma era de filmes de super-herói, de terror, suspense, as comédias românticas podem ser um sopro de ar fresco.
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O ordinário nas comédias românticas mostra os altos e baixos do ser humano, são esses filmes que trazem a representação mais fiel dos sentimentos, das atitudes. Ao longo da história do cinema, são os graus de emoções, como gentileza, arrogância, inocência, solidão e atração que moldam o enredo dos filmes, fazendo com que as pessoas encontrem algo divertido em temas que poderiam ser pesados. Além disso, há sempre uma identificação, seja nos personagens ou nos temas, então as comédias românticas sempre vão mostrar histórias que geram nossa simpatia.
Vale ressaltar que as comédias românticas vêm muito antes de Hollywood. Shakespeare e Jane Austen, por exemplo, já escreviam sobre casais que não se conheciam e com o tempo criavam laços mais íntimos, antes que houvesse a denominação “comédia romântica”. Quem nunca suspirou pela história de um dos casais mais famosos da literatura e do cinema, Mr. Darcy e Elizabeth Bennet (Orgulho e Preconceito). Duas pessoas que se conheceram em circunstâncias que ambos não queriam e ao longo dos encontros e desencontros criam uma intimidade no qual acabam nos braços um do outro
O nascimento das comédias românticas
Em Hollywood, esse gênero chegou com uma bela entrada. Um dos primeiros filmes foi It Happened One Night com Claudette Colbert e Clark Gable em 1934, sobre a história de uma mulher que foge do seu pai, quando este nega o seu casamento com um bad boy da época. Elle Andrews (Colbert) e Peter Warne (Gable) se conhecem dentro de um ônibus a caminho de Nova Iorque e com isso muitas aventuras juntos, que resultam no casal apaixonado.
Entre os anos 30 e 40, o cinema viveu de comédias românticas com grandes atores fazendo par romântico, como Spencer Tracy com Katharine Herpburn, Katharine Hepburn com Cary Grant, e entre outros icônicos casais.
Quando traziam para o cinema esses filmes, houve a tentativa de radicalizar ao mostrar a “guerra dos sexos”, no qual tentavam equilibrar a história entre a mulher e o homem, tornando a mulher alguém que não deixava para lá certas atitudes e falas do seu parceiro, trazendo uma vivacidade e certo heroísmo nas personagens femininas. Tratando buscar uma paridade tanto na trama quanto no relacionamento.
Mas, ao chegar na década de 50, os filmes americanos começaram a tratar de temas que eram tabus, como o sexo, e com isso veio a sexualização das personagens femininas e das atrizes em Hollywood. O que antes muitos aplaudiam em relação a mulher ter uma voz mais ativa, agora eles colocavam em um lugar mais sexual, que trouxesse certo apelo para que os homens consumissem esse gênero. É só ver como ficou a imagem de Marilyn Monroe e Jane Russell ou até mesmo Doris Gray.
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Nos anos 60 e 70, houve um declínio da comédia romântica, pois a era dos blockbusters começou forte com Star Wars, Indiana Jones, Star Trek, Batman, e o gênero de fantasia e de super-heróis ganhou destaque com a popularização das HQ e dos efeitos especiais. Agora, o romance no cinema estava incluso nos filmes de aventura, sempre havendo uma protagonista feminina para fazer par romântico. Mulheres fortes, mas que de alguma forma foram inclusas só para ser o amor do personagem masculino.
O romance até pode ter sido inserido em outros gêneros cinematográficos, porém ainda tinha um grande apelo em filmes solos. Nos anos 80, começaram a inserir mulheres no ambiente de trabalho, tentando ganhar a vida e subir de carreira em lugares de protagonismo masculino, como Working Girl (1988), Baby Boom (1987). Mas, também começaram a produzir filmes que se passam no colégio, faculdade, para alcançar um público mais jovem, gerando alguns clássicos como Sixteen Candles (1984), Can’t Buy Me Love (1987).
E esses espaços e enredos para alcançar novos públicos e renovar o gênero deu tão certo que houve duas comédias românticas indicadas ao Oscar nessa década, Broadcast News e Moonstruck (Cher ganhou o Oscar de melhor atriz), ambos de 1988.
O declínio e o ressurgimento do gênero
Em 1989, para dar novos rumos as comédias românticas e se instaurar como um clássico desse gênero, estreou When Harry Met Sally, no qual duas pessoas que não tinham intimidade são postas juntas e com isso criam um vínculo de anos. Com idas e vindas na amizade e nos sentimentos que nutriam um pelo outro, o filme que foi roteirizado por Nora Ephron, dirigido por Rob Reiner e protagonizado por Billy Crystal e Meg Ryan, consolidando o romance slow burn, quando o casal ou demora para ficar juntos ou grande parte do filme não se encontram.
O slow burn explodiu a ponto de gerar outros filmes nos anos 90, que também se consolidaram como clássicos, como é o caso de Sleepless in Seattle, que os protagonistas só se encontram nos últimos 10 minutos do filme, While You Were Sleeping (1993), Four Wedding and a Funeral (1994), You’ve Got Mail (1998), Notting Hill (1999) e entre outros.
Além do slow burn, aos poucos foi instaurado o enemies to lovers e o faking dating em que duas pessoas se odeiam ou tem que fingir um namoro, mas ao longo do tempo se apaixonam, como é no caso de 10 Things I Hate About You (1999), The Princess Diaries 2: The Royal Engagement (2004), How To Lose a Guy in 10 Days (2003). Vale ressaltar que esses termos, chamados de trope, são usado na modernidade, antigamente não havia essa denominação de categoria para os romances, seja em livros ou em filmes.
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Mesmo se renovando em alguns filmes, as comedias românticas não deixaram de sofrer pelo declínio. Nos anos 2000 estrearam filmes divertidíssimos, porém com as mulheres se opondo mais, lendo mais críticas feministas, tendo mais consciência do seu corpo e do seu espaço pessoal. As pessoas, portanto, perceberam como esses filmes são datados em algum aspecto, principalmente quando se trata do romance.
Por exemplo, temos The Proposal (2009), um filme no qual Sandra Bullock é a chefe de uma editora de livros, porém ela é descrita como arrogante, cheia de si, mal-amada e só quando começa a se apaixonar pelo seu assistente, interpretado por Ryan Reynolds, que sua personalidade vai “amolecendo”. É cabível as críticas em relação as comédias românticas nessa década e até hoje o gênero tem certa dificuldade em relacionar os enredos propostos com a nova realidade, por isso o seu declínio em Hollywood.
Mas até que ponto deveriam ter deixado esse declínio acontecer? Porque é possível entrelaçar comédias românticas com a realidade sem parecer clichê, brega ou antiquada. Mesmo saindo de cenário e sendo engolida pelos blockbusters da Marvel e da DC, as comédias românticas merecem um renascimento igual aos filmes de terror.
Atualmente temos filmes como Set It Up (2018), Always Be My Maybe (2019), Love, Weddind and Repeat (2020), The Half of It (2020), Happiest Season (2020), The Broken Hearts Gallery (2020), Resort To Love (2021), Wedding Season (2022), Look Both Ways (2022), que dão espaço para novos enredos sem abandonar o gênero e dando protagonismo para as comunidades asiáticas, latinas, indianas, LBTQIA+, pretas, etc.
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Aos poucos estamos percebendo um pedido de desculpa do cinema para esse gênero. Em um mundo cheio de ceticismo, é preciso entregar comédias e romances para instaurar entretenimento e uma coisa não anula a outra, pode sim tratar de temas mais pesados, mas com tons mais divertidos. Talvez seja hora do ressurgimento das comédias românticas.
Finalizando com a frase de Ted Lasso: “I believe in communism. Rom-communism, that is. Rom-communism is all about believing everything’s gonna work out in the end.” (“Eu acredito no comunismo. Rom-comunismo, quero dizer. Rom-comunismo é acreditar que tudo vai dar certo no final.”)