“Anxiety core” e as novas vozes do cinema

“Anxiety core” e as novas vozes do cinema

Um título alternativo para este texto também poderia ser: “Filmes para não seguir se tiver ansiedade, mas descobrir que você não está sozinho”, ou anxiety core. Esse parece ser um recorte muito específico, mas que representa uma tendência nas produções audiovisuais que retratam as dores do crescimento.

O que é anxiety core?

Filmes como os que serão citados aqui remetem os gatilhos que a sociedade a nossa volta nos impele. A ansiedade de crescer durante o ápice da revolução tecnológica – pelo menos até agora – e da informação. Mas assim o fazem de maneira cômica, deixando de lado a ideia de tragédia, mas reconhecendo que tal situação é de alguma forma incontornável. Ainda assim é possível tirar o melhor dessa experiência. 

Aqui, os arquétipos que estávamos acostumados nas produções dentro do gênero do coming of age, ou seja, aquelas histórias sobre o amadurecimento de uma personagem em uma fase específica da vida, mas que são mais comumente associadas e representadas pela fase da adolescência e o momento de passagem para a vida adulta, são reinterpretados. 

Esse tema, marca as produções dessa onda que poderia ser chamada anxiety core, histórias em que as personagens muitas vezes não apresentam uma motivação dramática clara, onde o caráter destas é revelado aos poucos para o espectador, no qual o fim em si não importa, mas as transformações que ocorrem ao longo da jornada

Ir ao baile da escola, entrar na faculdade dos sonhos, chamar a atenção do crush, são vistos quase como acidentes de percurso, já que nestes filmes as ações das personagens pouco importam, mas sim, o processo que as levaram a tomar essas decisões. 

Dos filmes que podem representar essas produções que vem ganhando força e tratam sobre o momento da juventude de maneira crua, cômica, desafiando os arquétipos clássicos dos filmes e séries de coming of age, destacam-se alguns. Estas produções são estreias de uma nova geração de realizadores do cinema de Hollywood. Entregam produções magnéticas sobre as desventuras dos momentos transicionais da vida.

Leia também >> Coming of age e o amadurecimento como narrativa

Quebra de expectativas: o anxiety core na adaptação a um novo mundo

1) Oitava Série (2018, Bo Burnham)

Oitava série, dirigido por Bo Burnham | Imagem: Reprodução

O longa Oitava série, de 2018 (disponível para alugar no Prime Video) foi a estreia na direção do comediante Bo Burnham, que em 2021 ficou conhecido pelo seu especial na Netflix, Inside, uma reflexão sobre o isolamento social durante a pandemia de Covid-19. 

O filme conta a história de Kayla (Elsie Fisher), uma pré-adolescente de 13 anos que está no último ano da escola elementar, antes de ir para o Ensino Médio e deve enfrentar a ansiedade que o desejo de ser aceita, ser popular, ou simplesmente fazer parte de um grupo podem causar a pessoas nessa mesma fase da vida. 

Kayla passa por diversas situações que podemos reconhecer em nossa própria experiência. O que torna o filme de certa forma, desconfortável para quem assiste, por nos remeter às mesmas sensações de ansiedade pelas quais a personagem passa. A protagonista não esconde o sentimento de inadequação que sente e deixa clara a sua vontade de ser como as “meninas populares”.

Leia também >> Linda Linda Linda: Uma história que cresce com amizade e música 

O corpo em transformação da personagem também reflete essa inadequação. Que não obedece aos seus desejos, tornando-a ainda mais frustrada em relação ao seu lugar naquela micro comunidade. Como representado brilhantemente na sequência em que Kayla vai para uma festa na piscina de uma das colegas de classe.

O choque de gerações e o peso que as redes sociais causam em Kayla é explorado através da relação da personagem com o seu pai (Josh Hamilton), que demonstra se esforçar, mas não consegue acessar os meios de confortar a filha. A interação com jovens mais velhos também explora a forma como as novas gerações possuem uma relação mais intensa com a tecnologia. 

O espectador reconhece as inseguranças de uma menina de 13 anos da nova geração e lembra das próprias naquela idade e em qualquer outra. A produção não apresenta uma resolução específica, o filme escolhe explorar a necessidade de novas alternativas para encarar os desafios enfrentados pelos jovens de hoje.

2) O Calouro (2020, Cooper Raiff)

O Calouro, dirigido por Cooper Raiff | Imagem: Reprodução

Enquanto isso, temos o longa O calouro (que está na HBO Max), de 2020. Dirigido, produzido, escrito e estrelado por Cooper Raiff, que tinha apenas 22 anos quando o filme foi lançado e serviu para colocá-lo no radar dos cinéfilos como uma promessa do cinema para a década. 

A produção apresenta uma trajetória que se passa em uma única noite, seguindo Alex (Raiff), um calouro na universidade, enquanto ele tenta se realocar no espaço novo e estranho que a faculdade representa para ele. Em uma festa, ele encontra Maggie (Dylan Gelula), com quem parte em uma espécie de aventura sem rumo pelo campus, desafiando um ao outro, com ações, mas também reflexões sobre o futuro, o passado e o que fazer com o presente. 

Assim como todos os protagonistas desta lista, ele sente como se não pertencesse a comunidade onde se encontra. Mas é quando permite olhar para si mesmo a partir do ponto de vista de outras pessoas, que percebe não serem as diferenças daqueles à sua volta que o impedia de se encontrar em seu caminho, mas o fato de ter se fechado para essas pessoas. Dessa maneira, ele se torna inacessível para quem está de fora e sua experiência passa a ser ainda mais solitária. 

Leia também >> A Pior Pessoa do Mundo: A vulnerabilidade em uma vida adulta

A comédia alterna entre os momentos de descontração e de conversas profundas que permeiam toda a noite de Alex e Maggie. Mais uma vez não há um objetivo claro, ou um plano de ação para as personagens. Seus devaneios os levarão, não a um ponto específico, mas a realização de que há experiências na vida pelas quais é preciso passar para poder crescer.

No anxiety core, “o inferno são os outros” – aprendendo a lidar com a família

1) Quase 18 (2017, Kelly Fremon)

Quase 18, dirigido por Kelly Fremon | Imagem: Reprodução

Em Quase 18 (disponível na Netflix), filme lançado em 2017 no Brasil e dirigido por Kelly Fremon, responsável pela recente adaptação aclamada de Are you there God? It’s me, Margaret (2023), é estrelado por Hailee Steinfeld no papel de Nadine, uma protagonista cheia de falhas. 

O longa conta com um ponto de vista em primeira pessoa, em que a própria Nadine é quem narra sua história ao espectador. Sendo assim, ela se coloca como alguém que não se encaixa em meio aos seus pares por não ver importância nos mesmos aspectos da vida que eles, a não ser, é claro, por sua melhor amiga, Krista (Haley Lu Richardson). 

O desafio que surge e retira Nadine de sua zona de conforto é o momento em que Krista e o irmão mais velho de Nadine, Darien (Blake Jenner), engatam em um relacionamento. Nadine deixa claro que não tem uma boa relação com o irmão, quem ela considera perfeito. Quase uma personificação de tudo o que ela não é, tentando lutar contra o ciúmes, ela menospreza tudo o que o irmão faz. 

Nadine acredita ser diferente de todos a sua volta, mas percebe que isso não é verdade, ela também opera a partir do medo. Há o medo da rejeição, da solidão e principalmente o medo de não fazer jus às expectativas sobre a pessoa que ela esperava se tornar.

Leia também >> “Eu Nunca…” e a nova onda de narrativas adolescentes

O personagem de Darien representa alternativas à ideia do aluno popular e bem sucedido. Durante todo o filme, Nadine afirma que o irmão só liga para si mesmo, porém Darien, enfim, expõe o que realmente sente. Ele revela para Nadine os medos e as responsabilidades que ele carrega, sem reclamar a todo tempo, como ela faz.

Nadine nos desafia a gostar e em alguns momentos até mesmo sentir empatia por ela. Uma protagonista que testa a paciência até mesmo do espectador, mas que representa as inseguranças que todos conhecemos bem. E além de tudo, que nunca é tarde para pedir desculpas. 

2) Shiva Baby (2020, Emma Seligman)

Shiva Baby, dirigido por Emma Seligman | Imagem: Reprodução

Por fim, há mais uma grande promessa para o cinema americano, Emma Seligman que estreou em 2020 com o seu longa-metragem Shiva Baby (disponível na Mubi e Prime Video). Shiva Baby é um dos exemplos dessa comunicação visceral que explora a ansiedade social, marca das gerações nascidas nos anos 1990 e 2000, e sua relação com os laços que fazem e as situações mundanas que servem de gatilho tanto para os momentos de crise quanto para catarse. 

Através de um humor ácido, como a melhor forma de contar a história dessas personagens, Shiva Baby segue Danielle (Rachel Sennott), uma garota de família judia que encontra o seu “sugar daddy” no funeral de um amigo da família. 

A personagem tem que navegar a situação embaraçosa de lidar com as perguntas e julgamentos da família sobre as suas escolhas na vida. Como também descobrir que o homem com quem vinha se envolvendo têm uma família, incluindo uma esposa aparentemente perfeita e um bebê igualmente lindo. 

Shiva Baby descasca essas camadas da ansiedade e insegurança que persiste nas novas gerações enquanto tentam conquistar o mundo adulto. Além disso, ainda se torna um marco da representação bissexual no cinema, com a relação entre a protagonista e sua amiga de infância (Molly Gordon), que a todo tempo divergem entre a atração que sentem uma pela outra e a tensão de assuntos não resolvidos. 

Leia também >> Orgulho LGBTQIA+ e o atual cancelamento massivo de séries sáficas

O filme de Seligman revela de forma exagerada, mas eficaz, o confronto entre os objetivos pessoais e as expectativas que as famílias colocam sobre seus membros mais novos. Também comunica que o “agir como adulto” não está ligado à idade, mas às escolhas que fazemos. Sempre há tempo para mudar de ideia e seguir o próprio fluxo, o limite está em não causar dor a quem está à nossa volta. 

Essa é apenas uma amostra do que vem sendo explorado pelos cineastas estreantes a respeito das inseguranças que assolam as gerações atuais. Enquanto marcam o cinema com seus estilos e vozes próprias.

Colagem em destaque: Isabelle Simões para o Delirium Nerd.

Escrito por:

11 Textos

Historiadora e mestranda em Cinema e Audiovisual, com pesquisas voltadas para as relações entre os lugares ocupados por mulheres no cinema brasileiro. Apaixonada por arte, cinema e educação.
Veja todos os textos
Follow Me :