Neste 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, ainda precisamos falar sobre o que representa esse “orgulho”. Afinal, é o mês em que o arco-íris, pode ser visto em muitos lugares. Em quase todos os lugares. Menos onde é mandado retirar ou onde o conservadorismo impede de ser colocado, afinal, representa o orgulho dessas pessoas ou o apoio à essa causa.
Mas orgulho pra quem? Se no ano de 2022 foram registrados 228 assassinatos de pessoas LGBTQIA+? Ou, além disso, qual apoio? Se no censo demográfico mais recente feito no país, também em 2022, não tinha nenhuma pergunta sobre identidade de gênero e orientação sexual, o que dificulta a criação de políticas públicas voltadas para essa população.
Tá, tudo bem. A parada LGBTQIA+ de São Paulo, que já entrou no Guinness Book, o livro dos recordes, como a maior do mundo, reuniu em 2023 cerca de três milhões de pessoas. Então é preciso muito orgulho mesmo. Porque mesmo o mundo fazendo um pacto contrário à existência dessas pessoas, elas têm muita garra em continuar (re)xistindo.
A representatividade LGBTQIA+ nas telas e o movimento “enterre seus gays”
Porém, felizmente ou infelizmente, todos os anos precisamos falar sobre isso. Felizmente porque representatividade importa e quanto mais algo é falado, mas se tem a memória sobre isso. Porém, infelizmente, porque necessitamos falar sobre os tipos de representatividade.
A arte imitar a vida não é um segredo para ninguém. Também, pudera, visto que não existe nada mais maluco do que a realidade.
E isso nos leva a abordar o aumento do conservadorismo moral e social nos últimos anos, que teve como um dos seus desdobramentos a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos em 2016. Sim, alguém totalmente desqualificado, sem caráter e cheio de preconceitos foi eleito para ditar regras no país que dita as regras, ou boa parte delas, nas produções audiovisuais dos topos das paradas e ganhadoras de prêmios. Além de ser o país que distribui a maioria dos prêmios.
O argumento aqui é a questão do tempo. Do timing de acontecimento das coisas. Em 2016, 10% das personagens LGBTQIA+ nas telas foram mortas, ou tiradas dos roteiros por algum outro motivo. Um caso clássico e, cá entre nós, totalmente não superado, é a morte de Lexa (Alycia Debnam-Careyem) na série The 100.
A situação ficou tão explícita que surgiu o movimento “enterre seus gays” ou, no original em inglês “bury your gays”. Pois é, de algumas maneiras ficou claro que não parecia mais tão interessante que essas pessoas estivem tão presentes nas telas. Como se a diversidade tivesse deixado de ser tão rentável.
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O atual cancelamento massivo de produções sáficas
Alguns anos depois e, aparentemente, o arco-íris começou a reaparecer depois da tempestade. Um exemplo disso é a criação da Clexacon, evento voltado especialmente para a comunidade lésbica/sáfica e mulheres bissexuais. Além disso, mortes de personagens LGBTQIA+, especialmente lésbicas e mulheres bissexuais, diminuíram drasticamente.
Bacana, você deve pensar, essas pessoas pararam de morrer, pelo menos na tela. Sim, mas não se sabe se que vantagem há nisso. Afinal, essas personagens estão vivas, mas enfiadas em caixas de comportamento ou de situações que nem sempre cabem e fazem essas representações serem quebradas.
Um exemplo claro? The L word Generation Q. A intenção é ótima. A diversidade no elenco e na produção é incrível. A trilha sonora é de doer de boa. A fotografia tira o folego. Gente bonita e bem vestida. Só que essas mesmas pessoas tem comportamentos viciados e repetitivos de décadas atrás. Sim, Shane (Katherine Moennig), eu estou falando sobre você. Ou sobre uma Finley (Jacqueline Toboni), colocada nesse lugar de dependência de substâncias e pessoas.
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Ou, de uma maneira geral, todos os relacionamentos e interações precisarem de algum tipo de dor ou drama para existir. É claro que tudo isso também existem no mundo real, o problema é que, na maioria das vezes, só esse tipo de condição existe na tela. Gente, deixem as pessoas LGBTQIA+ serem felizes. Chorarem de dar risada e não de tristeza. Afinal, quem não chorou assistindo Brimsley (Sam Clemmtt/ Hugh Sachs), funcionário e amigo de Rainha Charlotte, dançando sozinho no último episódio do spin-off?
Orgulho pra quem?
E, não só isso. Dói demais não ter, mas dói mais ainda ter e depois perder. Se em 2016 tínhamos o “enterre seus gays”, em 2023 temos o “cancele suas lésbicas” relativo ao cancelamento massivo de séries sáficas, incluindo The L Word Generation Q, após três temporadas. Além de Warrior Nun, que após duas temporadas de protagonismo sáfico também foi cancelada.
Porém, além desses exemplos, fica a observação que a Netflix nos últimos anos, mostrando um fundo de preconceito não muito velado, parece empenhada em cancelar ou descontinuar séries com protagonismo queer. Muitos exemplos passaram pela sua cabeça, mas é sempre bom citar Sense8, Special, Feel Good e One Day at time que, por pressão dos fãs e algum bom senso da indústria, foi salva pelo PopTv.
Ou seja, realmente precisamos continuar falando sobre todas essas questões. Mas, quem sabe, ano que vem não voltamos com perspectivas mais animadoras, pois nos resta em 2023, até esse momento, o ultimato: queer love. Desafiador e viciante, mostra o show da realidade na tela, trazendo as delícias, as dores e as problemáticas de ser uma mulher que se relaciona com mulheres.
[Aviso: editado às 12h50 em 28/06/23] Porém, cara pessoa que me lê, não desanime. Algumas horas após a publicação desse texto tivemos a noticia que Warrior Nun foi sim renovada para a terceira temporada. Ainda não sabemos como, nem onde, nem quando. O que sabemos mesmo é que vale a pena continuar tendo orgulho e lutando pela nossa representatividade.
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Imagem em destaque: cena da série Warrior Nun (Netflix)