Belas Maldições – 2ª temporada: uma inefável história de amor

Belas Maldições – 2ª temporada: uma inefável história de amor

Surpreendendo muitos fãs, o Prime Video anunciou a 2ª temporada de Belas Maldições (Good Omens, no original), série que adapta o romance de mesmo nome escrito por Terry Pratchett e Neil Gaiman. Na trama do livro e da primeira temporada do seriado, acompanhamos o relacionamento entre o anjo Aziraphale (Michael Sheen) e o demônio Crowley (David Tennant), que decidem unir forças para impedir que o apocalipse aconteça.

A série teve um ótimo retorno do público e da crítica, mas por ter sido lançada como uma minissérie que adapta completamente a obra original, muitos telespectadores não tinham altas expectativas de uma continuação tão satisfatória quanto a primeira temporada. Felizmente, os planos de Gaiman e Pratchett para nossa dupla celestial favorita não se resumiam somente a destruir o apocalipse.

Quatro anos depois da estreia, temos uma colaboração entre Neil Gaiman e John Finnemore, na qual os dois exploram ainda mais o universo da série e o relacionamento atípico e maravilhoso de Aziraphale e Crowley com uma leva de novos seis episódios lançados dia 28 de julho.

Nessa segunda temporada, somos apresentados ao mistério do arcanjo Gabriel (Jon Hamm), que desapareceu do Céu e acabou na livraria de Aziraphale, sem roupas e sem memória alguma de sua identidade ou seu cargo supremo. Com isso, o Céu e o Inferno logo saem à sua procura, enquanto Aziraphale e Crowley buscam desvendar esse mistério para ajudar o arcanjo e “proteger a preciosa, pacífica e frágil existência” que os dois criaram.

AVISO: SPOILERS A SEGUIR!

Como disse Neil Gaiman: calmo, gentil e romântico

Belas Maldições - 2ª temporada | Crítica

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Quiet, gentle and romantic” foram as palavras escolhidas por Gaiman para resumir a segunda temporada de Good Omens. Com Aziraphale e Crowley afastados dos seus devidos cargos no Céu e no Inferno, temos uma aura mais doméstica nesses novos episódios. Aziraphale continua administrando a livraria em Soho, mas agora tem a ajuda do seu parceiro atemporal, Crowley, que passou a morar no Bentley, junto de suas plantas.

Apesar do último episódio avassalador e doloroso, Gaiman não mentiu totalmente ao resumir a temporada com essas palavras específicas, já que a dinâmica quase doméstica entre os protagonistas é bem evidente nos cinco primeiros episódios, nos dando um ar calmo, gentil e romântico.

E vemos isso não somente nos protagonistas, mas também nos coadjuvantes: Gabriel, que na primeira temporada era um arcanjo detestável, passou a ser Jim, um homem confuso e inofensivo que, ao recuperar sua memória, nos presenteou com um surpreendente romance ao lado de Beelzebub (Shelley Conn), a Líder das Forças do Inferno.

Os novos personagens, como Nina (Nina Sosanya) e Maggie (Maggie Service), reforçam o romantismo à altura dos clássicos escritos por Jane Austen, assim como o anjo Muriel (Quelin Sepulveda) nos oferece a gentileza com sua personalidade inocente e leve.

Também temos Shax (Miranda Richardson), que é um demônio que substitui as antigas obrigações de Crowley na Terra. Portanto, não podemos esperar exatamente calma e gentileza dela, mas ela certamente foi um personagem muito bem desenvolvido na trama e questiona a natureza dos sentimentos de Crowley em relação a Aziraphale.

O enredo colocado como principal é, talvez, a coisa menos importante. Isso porque o mistério envolta do arcanjo Gabriel é apenas um plano de fundo para o que realmente importa em “Belas Maldições”: a história de amor. De fato, “Belas Maldições” é uma história de amor entre Aziraphale e Crowley.

Se antes alguns telespectadores, não tão atentos, consideravam a relação do anjo e demônio como uma mera parceria atípica e platônica — porque acreditem, eles existem e negam veementemente a existência de um amor romântico entre os protagonistas, por mais estúpido que isso seja — agora é possível dizer que os sentimentos de Aziraphale e Crowley são expostos de maneira bem clara.

Aziraphale e Crowley: um estado de graça

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Apesar de ser um anjo, Aziraphale nunca foi um verdadeiro santo, assim como Crowley, um demônio, nunca foi uma alma totalmente maligna. Eles, juntos, convivem no cinza. Eles amam em tons errados segundo o Céu, o Inferno e, em alguns casos, segundo a própria humanidade que os cerca.

É revelado no primeiro episódio da temporada, “A Chegada”, que Aziraphale e Crowley se conheceram antes do início de tudo, literalmente. Junto com Deus, os dois ajudaram na criação do universo e essa primeira interação deles é algo tão belo e emocionante de assistir quanto prestigiar as estrelas e a nebulosa criadas pelo nosso futuro demônio.

Nos deparamos com uma versão de Crowley completamente diferente do que já tínhamos visto. Ele, em forma de anjo, parece ser mais criativo, menos ranzinza, mais otimista, menos impaciente e… Bom, mais anjo e menos demônio.

Mantendo o padrão da temporada anterior, Belas Maldições prevalece revezando entre o passado e o presente, deixando mais fácil para o público identificar as pequenas e grandes mudanças nos personagens separadamente e na relação do casal. Temos aqui um Crowley mais vulnerável e mais confortável ao lado de Aziraphale, apesar de ainda tentar demonstrar ser um demônio cruel e sem coração que ele nunca foi. Também temos um Aziraphale completamente devoto a Deus, mas que começa questionar certas decisões desse Criador Todo-Poderoso.

No episódio dois, “A Pista”, há uma boa demonstração dessas mudanças: Crowley diz com todas as palavras que não é mais o anjo que Aziraphale conheceu antes do início de tudo, mas mesmo assim, ele não mata de verdade as cabras e nem os filhos de Jó (Peter Davison), e Aziraphale o ajuda nessa enganação mentindo para seus superiores do Céu, além de ter experimentado comida feita pelos humanos pela primeira vez.

Aziraphale, culpado pela mentira, se vê, de certa maneira, na figura de Crowley, um ser que não está do lado do Inferno e tão pouco do Céu, mas no lado dele mesmo:

“Eu sou um anjo caído! Eu menti para frustrar a vontade de Deus.”
“Sim, mentiu, mas não vou contar a ninguém. Você vai? Então nada precisa mudar, né?”
“Mas o que eu sou?”
“Você é só um anjo que aguenta o Céu até onde dá.”
“Isso parece…”
“Solitário? Sim.”
“Mas você disse que não era.”
“Eu sou um demônio. Eu menti.”

Seria engraçado, não? Ver um demônio fazer a coisa certa e um anjo fazer a coisa errada. São tantas mudanças, tantas camadas, tantas contradições e tantas trocas de papéis que eles nunca mais foram os mesmos no decorrer dessas eras.

Os dois personagens não são tão diferentes, mesmo sendo colocados como opostos.

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Prestigiar o relacionamento atemporal entre Aziraphale e Crowley é o ponto central de Belas Maldições. Eles estão juntos antes do início e depois do quase fim. É uma relação que atravessa desde Gênesis até o Apocalipse, passando pela Inglaterra, França, Roma, Edimburgo e por diferentes épocas, praticamente em diferentes vidas (apesar de ambos serem imortais) e mesmo assim, os dois sempre se encontram.

Em meio a tantas relações líquidas, frágeis e quebradiças na ficção e na vida real, um relacionamento como o de Aziraphale e Crowley só pode ser considerado um milagre — e nisso, sabemos que os dois são especialistas — e é por isso que o último episódio foi tão devastador. Quando tudo parecia estar resolvido, uma proposta feita a Aziraphale colocou o relacionamento dele com Crowley à prova, resultando em uma briga que nos fez ganhar tudo e perder esse tudo logo em seguida.

“Nos conhecemos há muito tempo. Estamos neste planeta há eras, você e eu. Eu sempre contei com você. Você sempre contou comigo. Somos um time, um grupo. Um grupo de dois. E passamos nossa existência fingindo que não somos.

Bom, não realmente nos últimos anos… E eu quero passar… Quero dizer, se Gabriel e Belzebu podem viver juntos, também podemos. Só nós dois. Não precisamos do Céu e do Inferno, eles são tóxicos! Temos que ficar longe deles. Sermos um ‘nós’. Você e eu. O que me diz?”

Ao dizer “Oh, Crowley… Nada dura para sempre“, Aziraphale afetou o entendimento de Crowley sobre o relacionamento criado por eles há eras, e consequentemente, afetou o entendimento do público também, que via nos dois a definição perfeita de “para sempre”.

Por mais que Aziraphale estivesse se referindo à livraria ao dizer aquilo, o local pode ser facilmente lido como uma metáfora a relação dos dois e, por isso, Crowley disse que Aziraphale não poderia abandonar a livraria (neste caso, o relacionamento deles).

Quando Aziraphale insistiu para que os dois voltassem juntos ao Céu, parecia quase uma tentativa de dar o que ele considerava que Crowley queria antes do início de tudo: um pouco de controle sobre as decisões no Céu, uma “caixa de sugestões” (usando as próprias palavras de Crowley). No decorrer de tantas eras, porém, tudo o que Crowley passou a desejar era o seu anjo, era ouvir o canto do rouxinol.

Para ele, o único paraíso é quando ele está sozinho ao lado de Aziraphale. Da mesma forma que, para o anjo, não há tortura do inferno que seja comparada à ausência de Crowley.

Os maridos inefáveis: o primeiro beijo

Os maridos inefáveis: o primeiro beijo de Aziraphale e Crowley.

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Crowley, com seu conhecimento de romance baseado nos filmes do Richard Curtis, realmente achou que um fabuloso beijo poderia resolver tudo.

Foi uma tentativa tão desesperada quanto comovente. Foi um beijo inefável, literalmente. Foi algo que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força e beleza. Foi indizível, indescritível, mas causou imenso prazer e encanto. Foi um fragmento da decepção e desespero de um demônio e a tristeza e o medo de um anjo.

Não há palavras o suficiente para descrever o beijo e a série como um todo. Afinal, como explicar o inexplicável? Como dizer o que Aziraphale e Crowley significam um para o outro e quanto amor há nessa relação de tantas e tantas eras? Só um milagre poderia dar a capacidade para um mero humano realizar essa tarefa.

Ainda assim, o beijo foi perfeito. Porque além de conseguir arrancar lágrimas e soluços de muitos fãs com uma das cenas mais tristes da televisão (Sim, deem o Emmy para Michael Sheen e David Tennant!), o final da série deixou claro o que já era óbvio: Crowley ama o Aziraphale, assim como Aziraphale ama o Crowley. Eles são os maridos inefáveis. Sempre foram e sempre serão.

A tristeza é tremenda e o desejo por mais é inevitável, mas é preciso ter fé no Todo Poderoso e no Pai Neil Gaiman para que tudo se resolva. E vai se resolver. Ainda não há uma confirmação da terceira temporada pela Prime Video, mas Gaiman já deixou claro (por meio do Tumblr) que a história será concluída, sendo a série renovada ou não.

Quando finalizamos a temporada, podemos nos quebrar sob o peso do amor que Aziraphale e Crowley carregam um pelo outro, porque mesmo naquelas circunstâncias, mesmo profundamente fragilizados, há amor mais do que nunca ali. Estamos sendo abençoados com uma das melhores histórias de amor, com direito a dança estilo Mr. Darcy e Elizabeth Bennet, e isso é maravilhoso.

É óbvio que Aziraphale e Crowley, sob a bênção de próprio Deus, estão destinados a ficarem lado a lado, por mais opostos que sejam. E é isso que faz o relacionamento dos dois ser um dos mais especiais e inefáveis não só em Good Omens, mas na ficção como um todo.

Crédito: colagem em destaque feita por Sharline Freire para o Delirium Nerd.

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Escritora, estudante de jornalismo e leitora voraz de fanfics. Assiste filmes, séries e shippa casais gays mais do que deveria. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.
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