Close: um retrato sobre afeto e o crescimento após o luto

Close: um retrato sobre afeto e o crescimento após o luto

Depois de anos de uma amizade íntima e profunda, Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) retornam à escola, desta vez em uma configuração diferente. A fase escolar traz questões cruciais como intimidade, identidade, masculinidade e perda, prometendo ser exploradas no filme Close (2022), do diretor belga Lukas Dhont. O filme foi premiado em Cannes e indicado ao Oscar na categoria de melhor filme internacional.

Lukas Dhont já tem uma marca registrada no cinema voyeur da aflição, trazendo para a tela personagens jovens em busca do controle de suas vidas. Em Girl (2018), acompanhamos Lara, interpretada por Victor Polster, um ator cisgênero transmutado em uma adolescente transexual. O que diferencia esses dois filmes e marca uma evolução significativa nos trabalhos do diretor é o que faz de Close um filme que merece ser recomendado.

Girl: uma visão distorcida da transição de gênero

Lara (Victor Polster) em Girl (2018), longa de Lukas Dhont | Imagem: Divulgação

Em Girl (2018), há momentos muito íntimos com Lara em uma rotina pesada enquanto ela tenta se tornar uma bailarina profissional e concluir sua transição. No entanto, o que o diretor conseguiu com esse filme está longe de ser uma representação realista da vivência transsexual, acabando por reforçar estereótipos de dor e mutilação. Infelizmente, o que poderia ter sido uma visão empática e relevante do processo de transição de gênero acaba se transformando em um espetáculo cruel de carnificina, incluindo até mesmo uma cena de castração caseira.

Mas o diretor parece ter aprendido com as críticas feitas a seus erros quando, em Close, apresenta personagens que são mais próximos de suas próprias experiências como homem cisgênero. Isso permite uma visão mais autêntica e claramente superior à abordagem adotada em Girl, ao lançar luz sobre experiências mais pessoais de um personagem.

Enquanto em Girl as cenas mais íntimas são também as mais graficamente violentas e estereotipadas, com uma visão cruelmente forçada da vivência transexual, Close traz consigo uma lição aprendida, revelada nos detalhes. Quando Léo recebe uma notícia grave a respeito do seu melhor amigo, as cenas seguintes não exibem a violência do ocorrido, mas sim o impacto emocional dessa informação.

A falta de uma cena explícita não significa que não se possa sentir o desespero do personagem. Pelo contrário, todo o filme trata de experienciar, juntamente com Leo e os demais personagens, as consequências de decisões tomadas sob influência social.

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Close e a natureza inocente da conexão entre dois amigos

Léo e Remi | O Globo
Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) | Crédito: O Globo

Léo e Rémi sempre foram amigos íntimos. Passavam as férias juntos e Léo frequentava a casa de Rémi com tanta naturalidade a ponto de ser chamado de filho pela mãe de Rémi, interpretada por Émilie Dequenne. A tragédia que transformou esse cenário idílico em um pesadelo não é uma invenção moderna, mas ainda é um problema a ser discutido.

Com o início do ano letivo, Léo e Rémi têm a sorte de frequentar a mesma classe. É a partir desse ponto que o relacionamento entre eles começa a correr perigo, quando, logo nas primeiras cenas escolares, um grupo de meninas questiona aos dois amigos se eles não seriam, na verdade, namorados.

Confrontado com o fato de que parecem um casal, Léo prontamente se revolta. Esse é o momento em que os dois são obrigados a lidar com um problema que infelizmente acompanha muitos meninos até o fim de suas vidas: a masculinidade frágil.

Camuflar e sobreviver: a jornada de Léo e Rémi em Close

A socialização de um indivíduo ocorre por meio do convívio com seus semelhantes, e é inevitável que ocorra a repetição de comportamentos nessa fase. Essa exposição é justamente a primeira oportunidade de aprendizado e desenvolvimento social de uma pessoa. No entanto, esse processo nunca deixa de acontecer, já que a humanidade está constantemente observando e aprendendo em conjunto.

Léo (Eden Dambrine), Sophoe (Émilie Dequenne) e Rémi (Gustav De Waele) em Close (2022)
Léo, Sophie (Émilie Dequenne) e Rémi em Close | Imagem: Divulgação

No geral, a primeira infância é conhecida como a fase primordial na formação de um indivíduo. No entanto, por questões de sobrevivência social, um indivíduo criado em um ambiente sem preconceitos pode passar a reproduzir comportamentos preconceituosos, buscando aceitação em grupos que compartilham desses preconceitos.

Quando Léo se revolta com o questionamento das meninas e escolhe se afastar de Rémi, ele se distancia do que aprendeu na primeira infância, uma vez que seus pais se mostraram muito receptivos a Rémi. Ele passa a conscientemente expor seu lado “masculino” como uma forma de afirmar sua heterossexualidade.

Léo começa a se aproximar dos outros meninos da escola, mesmo depois de alguns deles terem feito piadas homofóbicas contra ele e Rémi. Embora Léo se aproxime mais de um dos meninos que não compactuam com esse comportamento preconceituoso, suas atitudes continuam sendo prejudiciais para Rémi, que se vê completamente abandonado pelo seu melhor amigo.

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O suposto romance entre os dois amigos nunca é realmente evidente. No entanto, a proximidade entre eles e a facilidade com que expressavam carinho um pelo outro evidenciaram a natureza inocente da conexão entre eles. Essa sintonia até então livre das impurezas da masculinidade tóxica, que muitas vezes impede que os homens expressem afeto ou demonstrem qualquer tipo de sentimento.

Toda essa inocência e intimidade é visualmente traduzida através de enquadramentos próximos de seus rostos e planos conjuntos dos dois abraçados ou dormindo na mesma cama. Essas cenas são iluminadas por uma luz amarelada, quente e aconchegante, em um lugar tão seguro como um quarto de criança.

Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) em Close
Léo e Rémi | Crédito: Kinorium

A expressão dos sentimentos e uma quebra de estereótipos

Em Close, ocorre um fenômeno interessante com a manifestação dos sentimentos. Rémi chora na mesa do café da manhã depois de se afastar de Léo. Em outra cena, o pai de Rémi (Kevin Janssens) chora na frente dos pais de Léo, e nada disso parece ser um problema. No entanto, a mãe de Rémi (Émilie Dequenne) se afasta quando vê o marido chorar.

Os homens sentem e se expressam de forma plena nesse filme, sem haver separação entre sentimentos considerados femininos ou masculinos. Essa não é uma questão entre os adultos ao redor dos meninos. No entanto, os conceitos de comportamentos femininos e masculinos foram transmitidos de pais para filhos, e os colegas de classe de Léo e Rémi parecem ter se influenciado por fontes muito diferentes, o que confunde Léo enquanto ele tenta se encaixar.

Antes de ser confrontado com a suposição de que eles são um casal, Léo até poderia ser capaz de demonstrar tamanha sensibilidade. No entanto, depois disso, tudo o que ele faz é se forçar a fingir que não sente nada e substituir a dor e a pressão psicológica da segunda metade do filme por dor física, se jogando contra as paredes do ringue de hóquei. Ele aproveita uma lesão no braço como uma forma de liberar o choro.

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Cena de Close (2022)
Cena de Close (2022) | Crédito: MUBI

Demonstrações de afeto ou fragilidade são interpretadas socialmente como expressões femininas, as quais, se reproduzidas por homens, podem torná-los alvo de atenções negativas e, frequentemente, violentas. No entanto, em Close, todos são obrigados a experimentar junto com Léo os resultados de comportamentos violentos associados à masculinidade.

Esses efeitos são traduzidos para a tela em sequências demoradas e, muitas vezes, silenciosas, com momentos de angústia e diálogos curtos, dos quais não se pode escapar. A ausência de músicas na trilha sonora também é um indício da intimidade claustrofóbica que o filme pretende criar entre o espectador e toda a experiência de luto e culpa do personagem.

No longa, assim como na vida real, a socialização desempenha um papel crucial no contexto do apego e da perda, pois influencia a expressão dessas emoções e a forma como a criança lida com a perda, adequando-se ao contexto cultural e social em que está inserida. No caso de Léo, ele vivenciava diferentes contextos, um em casa e outro na escola, e o que ele fez foi optar pela expressão mais adequada aos colegas da escola.

Léo (Eden Dambrine)
Léo (Eden Dambrine) | Crédito: Hacerse La Critica

A evolução do diretor e a sensibilidade no tratamento do trauma

O desfecho entre a mãe de Rémi e Léo, em um local estrategicamente afastado da cidade, finalmente apresenta um Léo que sente e expressa o luto de forma física, quando não há mais barreiras que o obriguem a aderir ao luto masculino. Em uma atmosfera livre de julgamentos externos, Léo se permite sentir e expressar a dor da perda sem a necessidade de justificar ou reprimir seus sentimentos.

Quando Léo confessa seu sentimento de culpa em relação ao que aconteceu com Rémi, revelando um momento de autoconhecimento e vulnerabilidade, ele recebe da mãe de Rémi, como uma figura adulta que já elaborou seus próprios sentimentos, conforto, consolo e reconhecimento da complexidade da situação. Culpar o menino não é a resposta adequada, uma vez que ambos são crianças enfrentando uma situação fora de seu controle.

O processo de auto perdão em Léo ocorre quando ele finalmente não suporta mais as expectativas sobre como um homem deve lidar com suas emoções. O limite da situação o liberta para chorar e expressar abertamente os efeitos do trauma. A confissão do que ele considera serem seus erros e o encontro olho no olho com outra pessoa que também foi afetada pelo ocorrido são atos de autêntica vulnerabilidade.

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O autoperdão só aparece quando Leo não precisa mais se preocupar com a reação esperada de acordo com a masculinidade. O abraço reconfortante da mãe de Rémi simboliza a aceitação e o entendimento mútuo, permitindo que Léo siga em frente com o processo de cura. Quando ele consegue olhar nos olhos de outra pessoa e admitir o que sente, Léo recebe o perdão de si próprio na confissão e no abraço da mãe de Rémi.

A diferença de sensibilidade entre a audácia de Girl, que explorou temas muito específicos sob a perspectiva de pessoas não envolvidas na temática, em contraste com o notável cuidado em evidenciar o processo de trauma e luto em uma criança, é prova clara da evolução do trabalho do diretor. Não por acaso, ele saiu carregado de prêmios e aplausos dessa vez.

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Roteirista e Copywriter formada em Produção Audiovisual. Amante de livros, filmes e podcasts.
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