Ginger Snaps: ícone do cinema de horror cult que explora monstruosidade e puberdade

Ginger Snaps: ícone do cinema de horror cult que explora monstruosidade e puberdade

Você já ouviu falar de “monstruosidade feminina”? Esse é um conceito que remonta à antiguidade. Sabe aquela figura malévola que aparece em várias histórias folclóricas? No cinema, essa representação também está presente. Hoje, vamos explorar o tema da puberdade e sua relação com a monstruosidade no filme Ginger Snaps, longa canadense de 2000. 

De Lilith a Medusa, encontramos em diversas culturas a representação de uma figura feminina como a vilã. Aqui no Delirium Nerd, você pode encontrar vários textos que abordam esse tema e exploram as diferentes maneiras como ele é retratado em obras contemporâneas. Um exemplo disso é Ginger Snaps (conhecido no Brasil como ”Possuída’‘). O filme foi escrito por Karen Walton e dirigido por John Fawcett, e se consolidou como um ícone do cinema de horror cult do século XX.

Ginger Snaps é quase uma série adolescente da Disney, só que com mais sangue

As protagonistas, Ginger (Katharine Isabelle) e Brigitte Fitzgerald (Emily Perkins).
Nossas protagonistas, Ginger e Brigitte Fitzgerald | Imagem: reprodução

O filme acompanha duas irmãs, Ginger (Katharine Isabelle) e Brigitte Fitzgerald (Emily Perkins). Elas levam uma vida comum de adolescentes: frequentam o ensino médio e enfrentam os desafios de se sentirem deslocadas e diferentes dos outros jovens – algo com que muitos podem se identificar. A relação entre as duas serve como um refúgio para suas mentes incompreendidas. Elas se divertem juntas e compartilham um pacto de permanecerem unidas até o fim de suas vidas.

Logo no início do filme, somos apresentados ao tom que permeia toda a obra: uma morbidez que se manifesta nos atos e na caracterização das protagonistas. No entanto, as Fitzgerald não são apenas sobre horror e falsas mortes. Elas enfrentam desafios em relação à família, que não as compreende completamente. Sua mãe representa a feminilidade conservadora que ambas rejeitam, e elas também lidam com uma vizinhança sufocante. Esses aspectos moldam profundamente suas perspectivas de vida.

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O horror de ter 16 anos

Ginger (Katharine Isabelle) em "Ginger Snaps" (2000)
Chorando no banheiro…quem aí se identifica? | Imagem: reprodução

Ginger e Brigitte não se encaixam nos padrões estabelecidos. Elas rejeitam a ideia de se conformar, seja no colégio, entre seus pares ou em relação ao padrão de feminilidade imposto pela sociedade. No entanto, esse pensamento radical também as leva a negar sua própria humanidade, incluindo a puberdade e todas as mudanças corporais que ela traz consigo. Entre essas mudanças, destaca-se o marco da puberdade para muitas mulheres cis: a menstruação, que as irmãs insistem em chamar de “a maldição”.

Enquanto enfrentam o horror do crescimento e as dificuldades de autoaceitação, a atmosfera outonal e a temporada das bruxas introduzem um ser licantropo que causa pânico na comunidade. O aumento dos ataques a animais provoca medo nas noites da pequena cidade canadense. Mesmo assim, impulsionadas por uma rebeldia insaciável, as irmãs decidem explorar a noite.

É nesse momento que elas se deparam com algo inexplicável, algo que nem mesmo conseguem compreender. E, como era de se esperar, sofrem as consequências. A partir desse ponto, Ginger se vê ainda mais perdida. Seu corpo passa por transformações monstruosas, ao mesmo tempo que sua menstruação (há muito atrasada para sua idade) finalmente chega.

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Um corpo grotesco? Desmistificando a menstruação e a monstruosidade

Desmistificando a menstruação e a monstruosidade em "Ginger Snaps" (2000)
Por onde escorre o sangue | Imagem: reprodução

O filme revela ao espectador a dualidade da protagonista que lhe dá nome. Apesar dos sofrimentos decorrentes de sua transformação gradual em lobo, ela nunca se sentiu tão bonita e confiante como agora.

Assim como qualquer pessoa prestes a menstruar, Ginger sente dores, experimenta variações de humor constantes e percebe seu corpo passando por transformações. Mas por que a menstruação e todas as suas nuances precisam ser encaradas como algo tão monstruoso? Será que as pessoas que menstruam realmente veem seus corpos como horrendos, ou é o olhar externo que as torna objeto de abjeção?

A abordagem da monstruosidade do corpo feminino sempre foi um tema recorrente. Historicamente, as mulheres foram retratadas como seres grotescos, alimentando a visão de que somos seres amedrontadores que consomem os outros com nosso corpo e nossa mente – esta última tornando-se cada vez mais poderosa ao longo dos anos.

Desde a caça às bruxas até os filmes de horror do século XX, as mulheres frequentemente foram retratadas através de uma lente distorcida, mas o novo milênio trouxe a oportunidade de questionar cada detalhe desse corpo que nos pertence exclusivamente.

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Ginger Snaps: do cinema à vida real

Se Roman Polanski retratou Rosemary como alguém enlouquecendo durante a gravidez, Karen Walton criou uma personagem licantropa que se recusa a ser a típica garota que sofre e lamenta sua “maldição” de ter nascido com um útero.

Ginger se transforma e compreende que seu destino é inevitável: a inexorável “maldição” de se tornar mulher e aprender a lidar com isso dia após dia. Seus ciclos são variados: nem sempre ela se sente bela, alguns dias são longos e cansativos, enquanto outros a fazem sentir como se pudesse conquistar o mundo. Essa experiência não é algo com que todes podemos nos identificar?

Amizade feminina
Juntas para sempre? | Imagem: reprodução

Ginger Snaps evidencia como nenhuma fase da vida é simples. A protagonista declara ser uma força da natureza, e essa afirmação reflete exatamente como nos sentimos, seja de maneira positiva ou negativa. No final das contas, o essencial é enfrentar um dia após o outro, aceitar a própria identidade (mesmo que seja um processo contínuo) e, é claro, contar com a presença de amizades verdadeiras ao nosso lado.

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Baiana, graduanda em Jornalismo pela UFSJ. Apaixonada por cinema, exploradora de gêneros musicais esquisitos e leitora de clássicos russos nas horas vagas.
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