Pure Heroine: 10 anos do debut de Lorde que marcou uma geração

Pure Heroine: 10 anos do debut de Lorde que marcou uma geração

O ano é 2013. Nas paradas, destacam-se canções que falam sobre festas, luxo e opulência, com arranjos eletrônicos feitos para serem dançantes e animados. Em contraponto a esse cenário, surge a neozelandesa Ella Yelich O’Connor. Sob o nome artístico Lorde, com apenas 16 anos, a artista emplacou seu single de estreia, Royals, no topo da Billboard Hot 100. Seria só o início de uma trajetória que, sem nenhum exagero, mudaria o curso da música pop nas décadas seguintes.

Uma estrela improvável

Mas o que torna Royals tão diferente de outras canções mainstream da época? Além de possuir um arranjo mais minimalista, com influências de estilos como darkwave, a composição (assinada pela própria artista, ao lado de Joel Little) trata justamente do descontentamento com a glorificação do consumismo, tão presente na cultura pop. O eu-lírico se coloca como um forasteiro, que observa o mundo pelas margens e rejeita a hipocrisia dos ricos e famosos.

Lorde em fotografia para o álbum Pure Heroine (Créditos: Charles Howells)
Lorde em fotografia para o álbum Pure Heroine (Créditos: Charles Howells)

But everybody’s like / Cristal, Maybach, diamonds on your timepiece / Jet planes, islands, tigers on a gold leash / We don’t care / We aren’t caught up in your love affair

(Mas todo mundo fica tipo/ Champagne, carros, diamantes no seu relógio / Jatos, ilhas, tigres em uma corrente de ouro / Nós não ligamos / Nós não nos importamos com o seu romance)

Logo no início de sua carreira, Lorde tornou-se conhecida por expressar opiniões polêmicas sem medo, não apenas em suas canções, como também verbalmente. Em entrevista ao The Diplomat, ela citou Lana Del Rey como uma das inspirações para Royals, mas não exatamente de uma forma que poderia ser considerada lisonjeira:

Quando escrevi ‘Royals’, estava escutando bastante rap, mas também muitas faixas da Lana Del Rey, até porque ela é, obviamente, muito influenciada pelo gênero.

Mas ao perceber todas aquelas referências para bebidas caras, roupas bonitas e belos carros, pensei ‘Isso é muito opulento, mas também é uma bobagem’.

Com seu single de estreia, Lorde mostrou rapidamente um de seus pontos fortes, algo que a acompanharia ao longo de toda a carreira: a capacidade de se vulnerabilizar, de ir além da superfície e de mostrar a importância de falar sobre a estranheza, o feio e as coisas que as pessoas não sentem tanta vontade de compartilhar sobre si mesmas.

A ampla aceitação da música também evidenciou uma lacuna até então existente na música pop: canções com as quais o público realmente pudesse se identificar.

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Pure Heroine: inconformismo, solidão e rejeição às normas sociais

Lorde (Imagem: Lordeworld)

O descontentamento, a crítica ao luxo e à fama e a sensação de não-pertencimento são alguns dos temas centrais de Pure Heroine, álbum de estreia da neozelandesa, lançado no dia 27 de setembro de 2013.

A primeira frase de Tennis Court, faixa de abertura, traz uma ideia bem clara do que podemos esperar: “Você não acha que é chato como as pessoas falam?”.

Ao longo da música, Lorde reflete sobre estar se tornando cada vez mais conhecida e as mudanças que estar sob os holofotes poderia provocar em sua vida. Nos versos, a cantora reafirma sua posição de outsider, atestando que nunca será dominada pelos jogos da indústria, apesar de estar animada com as coisas que conquistou.

A temática da fama recém-conquistada volta a surgir em Still Sane, onde a cantora novamente questiona de que forma o sucesso poderá afetar sua personalidade e, como evidencia o próprio título, sua sanidade.

Riding around on the bikes / We’re still sane / I won’t be her / Tripping over onstage (Andando de bicicleta por aí / Ainda estamos sãos / Eu não serei ela / Viajando no palco).

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Na faixa White Teeth Teens, a compositora fala novamente sobre se sentir deslocada das pessoas à sua volta, mas sob um ângulo um pouco diferente: a cantora descreve um grupo de jovens que aparentam ser perfeitos, dos quais ela tentou fazer parte, mas não a deixaram entrar.

O refúgio nas amizades em meio ao caos

O que fazer quando você não é aceita pelos “adolescentes de dentes brancos” e não se identifica com os valores que predominam na sociedade?

A solução que Lorde encontra se mostra no próprio álbum: encontrar sua própria turma, unir-se a pessoas que se sentem tão deslocadas como você.

Em Team, Lorde narra uma espécie de sociedade alternativa fictícia, comandada por ela e seus amigos, em cidades que “não aparecem nas telas de TV” e em ruínas de castelos destruídos.

Now bring my boys in / Their skin in craters like the Moon / The Moon we love like a brother / While he glows through the room

(Agora traga meus amigos / Suas peles em crateras como a lua / A lua que amamos como um irmão / Enquanto ele brilha pela sala)

Em Ribs, uma das faixas mais memoráveis do álbum, o sentimento de “nós contra o mundo” permanece e se mescla à nostalgia e ao luto pelo fim da infância. A World Alone, música que encerra o álbum, também fala sobre enfrentar a solidão e a estranheza em relação à sociedade ao lado de outra pessoa.

All the double-edged people and schemes / They make a mess, then go home and get clean / You’re my best friend and we’re dancing in a world alone

(As pessoas de duas caras e seus esquemas / Eles fazem uma bagunça, então vão pra casa e se limpam / Você é meu melhor amigo e estamos dançando em um mundo sozinhos)

Ao longo da música, a frase “people are talking” (pessoas estão falando) é repetida em exaustão, o que ilustra muito bem a sensação de angústia e ansiedade em estar em uma sala cheia de gente conversando sem ter muito o que dizer. Ao final, porém, Lorde encontra a resposta para a pergunta feita na primeira frase do disco: “Deixe elas falarem”.

Conclusão

Com seu álbum de estreia, Lorde marcou toda uma geração com o que faz de melhor: letras brutalmente honestas sobre suas próprias opiniões e experiências. Mesmo o que algumas pessoas criticam em Pure Heroine, sua produção com elementos simples e considerada crua, reforça ainda mais a narrativa trazida pela compositora e seu compromisso com a realidade e visceralidade.

Naturalmente, a cantora abriu caminho para diversos outros artistas que vieram depois. Um exemplo é Olivia Rodrigo. Em entrevista à MTV, a cantora revelou que Lorde é uma de suas influências e que assistir ao vivo mudou sua vida e sua forma de fazer arte. O impacto da cantora também é notável na música de artistas como Billie Eilish e Conan Gray.

 

Aos 16 anos, Ella Yelich O’Connor sentiu a necessidade e a urgência de contar suas próprias histórias, mesmo que não fossem tão glamorosas como as que via no rádio e na TV. É possível mudar as coisas ao se posicionar e trazer uma nova perspectiva, por mais estranha que possa parecer.

Apesar de sua pouca idade, ela decidiu usar sua voz de forma extremamente corajosa e vulnerável, tomando o controle da narrativa e se colocando no mundo. Assim, marcou uma geração que raramente se via representada dessa maneira na música pop.

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Os 10 anos de Pure Heroine são um marco para jovens adultos que cresceram junto à Lorde, tendo suas músicas como válvula de escape para sentimentos muitas vezes difíceis de serem elaborados. O poder de catarse existente na música e na arte é transformador e, até mesmo, empoderador.

A adolescência não é nada fácil: muitas dúvidas, mudanças e incertezas que tantas vezes são menosprezadas e invalidadas. Autoestima abalada, medo do futuro. No entanto, envelhecer (e ser jovem em um mundo caótico) se tornou um pouco menos assustador graças à Lorde e suas canções.

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