Só Garotos: a história de amor e culto à arte de Patti Smith e Robert Mapplethorpe

Só Garotos: a história de amor e culto à arte de Patti Smith e Robert Mapplethorpe

Na Nova Iorque dos anos 60, as ruas pulsam com artistas, poetas, músicos e sonhadores. O céu noturno, iluminado pelos neons de Times Square, parece um oceano de luzes dançantes.

Cafés e bares são palcos para encontros efêmeros, onde floresce a criatividade. O som das palavras e acordes de violões dá o tom, enquanto artistas compõem suas almas e sonhos com desconhecidos que se tornam amigos em uma noite.

Nesse caos artístico, duas almas inquietas se encontram: Robert Mapplethorpe e Patti Smith. Dois “garotos” que, desde o primeiro dia juntos, nunca mais estiveram sós.

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Patti Smith e Robert Mapplethorpe 

Patti Smith, figura influente no punk e na cultura, ganhou destaque nos anos 1970 com Horses (1975), considerado um dos melhores álbuns de rock.

Robert Mapplethorpe, renomado fotógrafo, desafiou normas sociais com retratos em preto e branco explorando nudez, flores e a cena gay de Nova Iorque. Seu trabalho gerou debates sobre censura artística e liberdade de expressão, sendo reconhecido como um dos fotógrafos mais influentes do século XX.

Felizmente, a cumplicidade além do tempo fez com que Patti prometesse a Robert que um dia escreveria sobre a verdadeira trajetória deles juntos.

Sobre a complexidade de seus relacionamentos, das amizades profundas às relações amorosas, sobre os anos de dificuldades financeiras que beiravam à fome e à insalubridade, e, mais importante, sobre o caminho que traçaram juntos, descobrindo o mistério sagrado do que é ser artista.

Patti Smith e Robert Mapplethorpe I Imagem: Reprodução

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Só Garotos

Em 2010, Patti cumpriu a promessa a Robert e presenteou o público com a autobiografia Só Garotos, lançado no Brasil pela Companhia das Letras.

A obra foi amplamente elogiada pela qualidade literária, com a habilidade poética de Patti Smith refletindo-se em sua prosa. Venceu vários prêmios literários, incluindo o National Book Award de Não Ficção em 2010.

A narrativa explora o cenário artístico e cultural de Nova Iorque, em especial, o bairro de Greenwich Village e o Hotel Chelsea, onde Patti Smith e Robert Mapplethorpe viveram, interagindo com figuras notáveis da época.

Janis Joplin, Jimi Hendrix, Andy Warhol e Jim Morrison são alguns personagens encontrados na obra, inspirando significativamente o crescimento artístico desses dois jovens sonhadores.

Patti Smith e Robert Mapplethorpe no icônico Hotel Chelsea | Foto: reprodução

Mais do que um retrato da boêmia nova-iorquina, Patti oferece um relato sincero e comovente sobre o amor intenso e as experiências compartilhadas entre os dois.

O que mais fascina na obra é perceber como eles se apoiavam mutuamente, não apenas como amantes, mas como artistas em construção.

Aos vinte anos, Patti Smith desejava desenhar e ser poetisa. Seu primeiro violão, um presente de Sam Shepard em 1971, era um Gibson preto de 1931, que mesmo rachado e enferrujado, tocou seu coração.

Robert, versátil, explorava diversas formas de arte, mas foi na fotografia, com uma Polaroid emprestada, que inovou ao retratar a sexualidade como arte. Juntos, descobriram uma energia criativa única, como Robert costumava dizer: “Patti, ninguém vê as coisas como nós“.

Em um certo momento, Patti relembra a passagem que deu o nome do livro.  O retrato de dois garotos, um casal, que sim, pareciam artistas, apesar de ali, naquele instante, serem só garotos:

Patti relembra um momento marcante que deu nome ao livro: o retrato de dois garotos, um casal, que apesar de parecerem artistas, eram apenas garotos naquele instante.

Em um dia de veranico vestimos nossas roupas favoritas, eu com minha sandália beatnik e uma velha echarpe, e Robert com suas amadas miçangas e o colete de ovelha. Pegamos o metrô até a West Fourth Street e passamos a tarde na Washington Square.

Tomamos café de uma garrafa térmica, vendo grupos de turistas, gente chapada e cantores de folk. Revolucionários agitados distribuiam panfletos contra a guerra. Enxadristas atraíam uma multidão à parte. Todos coexistiam naquele zum-zum de diatribes verbais, bongôs e cachorros latindo.

Estávamos andando em direção à fonte, o epicentro da ação, quando um casal mais velho parou e ficou abertamente nos observando. Robert gostava de ser notado, e apertou minha mão com carinho.

‘Oh tire uma foto deles’, disse a mulher para o marido distraído, ‘acho que são artistas’.

‘Ora, vamos logo’, ele deu de ombros. ‘São só garotos‘.

O amor entre eles é de juventude, mais que romântico, é um apoio inabalável e compreensão sincera. Enquanto Patti se tornava um ícone musical, Robert encontrava sua voz na lente da fotografia e lutava internamente com sua sexualidade.

Enfrentaram desafios, celebraram vitórias e apoiaram-se nos momentos difíceis. A dinâmica entre Patti e Robert é autêntica, transmitindo paixão, cumplicidade e comprometimento com seus sonhos e crenças.

Juntos na descoberta do que é ser artista

Além de celebrar amor e amizade, o livro é um tributo à criatividade e à busca incansável pela expressão artística. Descreve o processo criativo de Patti e Robert ao longo de suas carreiras, revelando como experiências e ambiente influenciaram seus trabalhos.

Só Garotos é um lembrete do impacto transformador das conexões genuínas em nossas vidas, mostrando que a criatividade é um retrato da juventude eterna.

O convite é sermos “só garotos” em nossas jornadas, mantendo um olhar juvenil e inocente sobre a vida.

Com Patti e Robert, aprendemos que uma vida criativa é mais ampla, trazendo ousadia e potência. Mesmo diante das adversidades, viver assim é a própria Arte em si.

Ao convite desses garotos, permita-se!

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Mais uma pessoa que escondeu por anos a verdadeira vocação, enfim, liberta! Encontro nas palavras a forma de expressar minha paixão por cinema, literatura e cultura em geral. Não me convide para fazer trilha, mas vou até o fim do mundo com você em busca do Tiramisu perfeito.
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