Relembrando o icônico “Here are the all-male nominees” da Natalie Portman no Globo de Ouro de 2018, a história do protagonismo das mulheres nas categorias de maior destaque nas grandes premiações não tem sido, de fato, notória.
Em 24 de fevereiro de 2019 acontecerá a 91ª edição da cerimônia do Oscar, uma premiação da conhecida Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que concede, anualmente, aos profissionais da indústria cinematográfica um prêmio em reconhecimento à excelência do trabalho na arte da produção cinematográfica. E um dos fatos mais alarmantes deste ano é que, novamente, mesmo após a mobilização do Time’s Up, não há nenhuma mulher indicada ao prêmio de Melhor Direção, consagrando apenas 5 mulheres na história das 91 edições do Oscar que foram indicadas à categoria, com apenas uma vencedora. Como também, nenhum dos oito filmes concorrendo à categoria principal foi dirigido por uma mulher.
Levando em consideração outra grande premiação, de todas as edições já realizadas do Globo de Ouro, houveram apenas 5 indicadas ao prêmio de Melhor Direção. Sendo em 1984, com Barbra Streisand em “Yentl”, o primeiro e o único ano em que uma mulher ganhou tal prêmio, há “apenas” 35 anos.
Os primeiros comentários que surgem quando se inicia uma discussão acerca da invisibilidade de mulheres nas grandes categorias de premiação são de que estas não foram indicadas porque não mereceram, que outros diretores tiveram um desempenho melhor que ela. Esses comentários acabam ignorando o fato de que o preconceito, o sexismo, é estrutural em relação ao trabalho das mulheres nessa sociedade, fazendo com que homens tenham mais privilégios ao adentrarem nesse espaço. A falta de mulheres sendo indicadas nas categorias de maior destaque, como direção e melhor filme, é sintomático, pois mostra como a produção cinematográfica feminina não é reconhecida ou valorizada como a dos homens. Por isso é tão importante discutir tal invisibilidade.
Quantas mulheres na direção você conhece? Quantos diretores homens você conhece? Quantos estão em destaque?
Provavelmente as respostas para as duas perguntas são bem diferentes. Basta lembrar como quando se estuda os primórdios da indústria cinematográfica. Facilmente nos lembram de nomes como George Meliès e Griffith, porém esquecem dos nomes de grandes mulheres pioneiras como Alice Guy-Blaché e Lois Weber. A história das mulheres na direção é turbulenta e, na grande maioria das vezes, esquecida, sendo que essa situação não é uma circunstância que afeta apenas a indústria do entretenimento, mas que perpassa como compreendemos e vivenciamos a política, a cultura e o social.
Também nesse sentido, comandado pela pesquisadora americana Martha M. Lauzen, da San Diego State University, um estudo demonstra que, no total, mulheres caracterizaram apenas 8% da direção, dos 250 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos. A pesquisa ainda apresentou que apenas 1% dos longas avaliados empregou 10 ou mais mulheres nessas funções (contra 74% no caso dos homens). Além disso, 25% dos filmes não tinha nenhuma ou apenas uma mulher nos cargos listados (contra 1% no caso dos homens). (Informações retiradas do site Mulher no Cinema)
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E quais são os fatores que influenciam essa sub-representação?
Em um primeiro momento, pode-se questionar a própria representação do feminino no cinema, mais especificamente, do que deve ser o feminino para a sociedade e como ela é retratada nos filmes e séries. Mulheres são ensinadas desde crianças de que não devem adentrar o espaço público, de tomada de decisões, de liderança e protagonismo, e que devem estar em espaços onde sua “feminilidade” possa ser celebrada. A ideia do que é ser um homem e uma mulher na sociedade ultrapassa as “simples” decisões de usar rosa ou azul. Essa dicotomia acaba influenciando a escolha das carreiras profissionais e quando estas entram nesses espaços são questionadas a todo momento do porquê estarem lá e terem seu trabalho sempre diminuído em detrimento de trabalhos feitos por homens, fazendo com que mulheres afastem-se, naturalmente, do espaço de direção de filmes.
Ademais, para Hollywood, as mulheres ainda são consideradas um risco, e quando mulheres estão no comando de uma direção elas são constantemente intimidadas e questionadas. Geralmente quando o público tem o conhecimento de que aquela produção é dirigida por uma mulher, há o questionamento daquele filme. Além da falta de oportunidades de dirigir, produzir ou escrever, que grandes estúdios acreditam que investimentos em filmes dirigidos por homens são mais seguros, ou até mesmo, de que aquelas produções masculinas tem um conteúdo melhor do que os produzidos por mulheres. Estas precisam enfrentar até mesmo a falta de confiança da equipe envolvida no projeto e também a não aceitação da distribuição dos filmes feitos nos cinemas de todo o mundo. E isso leva ao fato de que os filmes feitos por mulheres nem sempre são acessíveis. É preciso correr atrás deles, seja através dos serviços de streaming e outros sites online, ou indo conversar com a direção do seu cinema local, que provavelmente só leva filmes com produções imensas de Hollywood, como os filmes da Marvel.
Além disso, não há um incentivo para se consumir mais produção cultural de mulheres na nossa sociedade. Algo que está sendo mudado gradualmente pela campanha #52filmsbywomen lançada pela organização Women in Film and Television, que propõe que você assista um filme dirigido por mulher por semana durante um ano. Mas, apesar disso, ainda é silenciado o fato de que mulheres não estão nos grandes espaços de poder e, com isso, nos espaços de direção e produção, sendo o Oscar um grande parâmetro para discutir a importância de consumir mais produção cultural de mulheres.
Desse modo, passando para a edição atual do Oscar, a despeito de mulheres não terem sido incluídas na categoria de Melhor Direção, há um enorme protagonismo dessas mulheres em outras categorias. Um bom exemplo disso é a categoria Melhor Curta Animado que, contando com 5 nomeados, 3 eram dirigidos por mulheres (“Bao“, “Animal Behaviour” e “Late Afternoon“). Além do fato de que a diretora Domee Shi, do curta “Bao” é a primeira mulher a dirigir um curta da Pixar.
Já na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, temos a presença de “Cafarnaum“, um filme de drama árabe libanês, escrito e dirigido por Nadine Labaki. O filme conta a história de Zain, que, aos doze anos, carrega várias responsabilidades, como cuidar de seus irmãos enquanto os pais trabalham em uma marcenaria. Um dia, quando sua irmã de onze anos é forçada a se casar com um homem mais velho, o menino se revolta e decide deixar a família. Ele passa a viver nas ruas junto aos refugiados e com outras crianças que, diferentemente dele, não chegaram lá por conta própria
Na categoria de Melhor Documentário, foram nomeados dois longas dirigidos por mulheres. O comentadíssimo “RBG“, dirigido por Julie Cohen e Betsy West, que conta a história de vida da ministra da suprema-corte dos Estados Unidos Ruth Bader Ginsburg, e também o “Free Solo“, dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi, que conta a história de Alex Honnold, um escalador solo que se prepara mentalmente e fisicamente para escalar El Capitán, um paredão de 975 metros em Yosemite, sem cordas ou equipamento de proteção.
Já em Melhor Documentário e Curta Metragem, temos a presença de “Period. End of Sentence“, dirigido por Rayka Zehtabchi, com produção de Melissa Berton e da Netflix. A obra conta a história de uma aldeia rural nos arredores de Delhi, na Índia, na qual as mulheres começam a lideram uma “revolução silenciosa”. Elas lutam contra o estigma da menstruação. Por gerações, as mulheres da aldeia não tiveram acesso a absorventes, o que levou a diversos problemas de saúde. Mas quando uma máquina de absorvente é instalada na aldeia, as mulheres aprendem a fabricar e a comercializar, capacitando as mulheres de sua comunidade. E provavelmente será o favorito para levar o prêmio.
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No grupo de Curta em live-action, destaca-se “Marguerite“, dirigido por Marianne Farley, com uma história parecida com o belíssimo curta animado “Late Afternoon“, dirigido e escrito por Louise Bagnall, já mencionado aqui, que mostra o relacionamento de uma senhora com sua enfermeira, que vai ajudando ela a se reconciliar com o seu passado.
E, apesar de não dirigidos por mulheres, diversas categorias celebram as mulheres em categorias mais técnicas ou em sua produção. Como no caso do curta-documentário “A Night at The Garden“, que embora dirigido por um homem, caso seja premiado, conta com as produtoras Melissa Berton e Rayka Zehtabchi. E também o caso de Melhor Animação, categoria que não há nenhuma diretora indicada, diferente do ano passado, mas que o prêmio é entregue aos produtores, e há apenas uma mulher entre os 17 indivíduos na disputa: Nicole Paradis Grindle, por “Os Incríveis 2‘.
No caso do prêmio de Melhor Figurino, a categoria inteira está dedicada para mulheres, inclusive com uma contendo dupla nominação para Sandy Powell, por “O Retorno de Mary Poppins” e “A Favorita“. Além de que há a primeira indicação para uma afro-americana, a Ruth E. Carter, na categoria por “Pantera Negra“. Em Roteiro Adaptado temos a Nicole Holofcener, por “Poderia me Perdoar?”, que já é conhecida por suas direções. E em Roteiro Original, Deborah Davis foi indicada por “A Favorita”.
Apesar de ser um péssimo ano para se discutir o protagonismo de mulheres nos maiores prêmios, como Melhor Direção e Melhor Filme, é necessário que se celebre o avanço, mesmo que lento, mesmo que em passos tortuosos, a presença de mulheres em outras categorias, mesmo que não em um papel de direção. O diretor também não é a única pessoa responsável pela idealização do filme, em que a produção, roteiro, até mesmo as atrizes que interpretam os papéis participam da construção da personalidade daquele projeto, e nesse Oscar, a despeito da problemática da direção, é importante enaltecer outras mulheres que lideram o processo de criação de um filme. Como também não deixar de lutar e dar visibilidade aos projetos Inclusion Rider, Time’s Up e 52 films by women. E como diria Rupi Kaur: “Todas nós seguimos em frente quando percebemos como são fortes e admiráveis as mulheres à nossa volta”.
Imagem destacada: As diretoras do documentário “RBG”, Julie Cohen e Betsy West.