Mulheres nos Quadrinhos: Tillie Walden

Mulheres nos Quadrinhos: Tillie Walden

Tillie Walden é quadrinista, ilustradora e roteirista norte-americana. Nascida em 1996, a jovem artista de 23 anos possui seis anos de carreira, se contarmos o período em que somente ilustrava e publicava no Twitter, e cinco obras publicadas. Walden é celebrada por seu brilhantismo e pelas belas e melancólicas paisagens oníricas de suas ilustrações.

Em 2016, foi ganhadora do Prêmio Ignatz em duas categorias: “Artista de destaque” e “Novo talento promissor”. Em 2018, aos 22 anos, Tillie se tornou uma das artistas mais jovens a serem premiadas pelo Prêmio Eisner até o momento. O prêmio Eisner de “Melhor trabalho baseado na realidade” veio para sua memória gráfica “Spinning, quarta publicação.

No entanto, antes de se tornar uma premiada quadrinista, Walden foi, por 12 anos, uma medalhista da patinação artística/sincronizada. Seu ingresso na patinação foi motivado pelo irmão gêmeo, John, e sua desistência ocorreu devido à dificuldade em lidar com as emoções da sua homossexualidade até então não revelada às membras do grupo que ela integrava.

[…] E nós nos trocávamos juntas, fazíamos o cabelo e a maquiagem uma da outra e eu me sentia atraída por elas. Eu estava me apaixonando por essas garotas e elas eram minhas amigas e elas não sabiam. Era uma situação extremamente complicada. No final das contas, eu nunca saí do armário na pista de gelo. Eu mantive este lado da minha vida escondida de todas, mas agora eu presumo que elas sabem porque este livro foi publicado.

(via PBS Books, 2017)

Tillie Walden
Tillie Walden (Imagem: reprodução).

Por outro lado, seu contato com as HQs foi oportunizado pelo pai que a presenteou, quando ainda era criança, com o “Little Nemo in Sumberland”, de Winsor McCay (1871–34). Como leitora de quadrinhos, seu interesse foi quase sempre por mangás: “não tolerava histórias em quadrinhos americanas” (via PBS Books). Durante a adolescência, lia com frequência Yoshihiro Togashi, Osamu Tezuka e Hayao Miyazaki.

Aos 16 anos, Tillie recebeu um convite inesperado do pai: foi convidada a participar de um workshop em Los Angeles conduzido por ninguém menos que Scott MacCloud (1960), autor de “Understanding Comics: the invisible Art e Reiventing Comics: the Evolution of an Art form”.

Tillie Walden deixou o workshop determinada a se tornar quadrinista. Para tanto, logo começou a testar suas habilidades com ilustração e, incentivada pelo pai, decidiu compartilhá-las nas redes sociais. Pouco tempo depois, aos 17 anos, foi descoberta, através do Twitter, por Ricky Miller, da editora britânica Avery Hill Publishing. Na ocasião, preferiu declinar da proposta de publicação de um livro, mas, um ano depois, logo após concluir o ensino médio, voltou a amadurecer esta ideia.

Para aperfeiçoar suas técnicas, estudou por dois anos no Center for Cartoon Studies (CCS), uma escola especializada em histórias em quadrinhos, em Vermont. Nesse período, Tillie Walden publicou três livros pela Editora Avery Hill Publishing: The End of Summer” (2015), “I Love This Part” (2016), “A City Inside” (2016) e, em 2017, publicou a memória gráfica “Spinning“, resultado do seu trabalho de conclusão de curso, pela First Second Books. Paralelo a outros trabalhos, a artista publicou também a webcomic On a Sunbean” (2016-2017), além de produzir um “diário em quadrinhos” para seus patrocinadores no Patreon.

Ainda na CCS, Walden atualmente oferece workshops sobre quadrinhos. Em agosto de 2019 ela conduzirá um sobre Queer Comics.

Queerizando as histórias em quadrinhos

As produções de Tillie Walden são permeadas por elementos autoficcionais e dialogam com temas relacionados à identidades de gênero. “The End of Summer, por exemplo, é um drama familiar que retrata a história de uma família que se prepara para passar seus dias num castelo isolado durante um inverno rigoroso que duraria três anos. Walden diz em entrevista que ela procurou trazer para o livro elementos da sua própria experiência com seu irmão gêmeo por meio dos também gêmeos Lars e Maja, personagens de sua HQ. Outra semelhança entre ficção e realidade que aparece na obra está nos problemas de saúde enfrentados por Lars, que também fizeram parte da experiência de Tillie (Via Broken Frontier).

A obra “I love this part“, nominada para a categoria “Melhor edição única” do Prêmio Eisner, trata de um relacionamento entre duas garotas adolescentes moradoras de uma pequena cidade e que veem o sentimento de amigas se transformar num relacionamento mais íntimo. Em linhas gerais, a HQ aborda o amor queer de maneira bela e natural.

I love this part
“I love this part”, Tillie Walden. Imagem: divulgação

Sua terceira novela gráfica, “A city inside“, escrita em segunda pessoa, é também atravessada por elementos autoficcionais. Considerada sua produção favorita até o momento, “A city inside” conta: 

[…] a história de uma mulher e dos lugares que ela passa no decurso de sua vida. Não é um livro que acontece na realidade, embora tenha semelhanças com o nosso mundo. É um livro sobre descobrir a paixão, encontrar um lugar para morar que reflita quem você é e navegar pelos relacionamentos ao longo da sua vida

(Via PipeDream Comics)

Tillie Walden
Capa de “The end of summer” e “A city inside”. Imagens: reprodução

Por sua vez, “On a Sunbean” foi a primeira web comic da quadrinista, publicada entre 2016 e 2017, mas desde outubro de 2018 pode ser encontrada também no formato impresso em uma publicação da First Second. Trata-se de uma ficção científica de 20 capítulos ambientada no espaço e cujas personagens são apenas mulheres e pessoas não binárias. Ao representar pessoas queer no campo do texto e da ilustração, priorizando a condição natural desses sujeitos, Walden rompe com a dinâmica heteronormativa estereotipada de representação de personagens não binárias. A obra subverte narrativas hegemônicas e preconceituosas.

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On a Sunbeam
Trecho de “On a Sunbeam”. Imagem: divulgação

Sobre o processo de produção da webcomicOn a Sunbean“, a artista parece preferir o estilo tradicional de produzir quadrinhos. Por se tratar de uma história que considera ser importante para todos os tipos de pessoa, decidiu disponibilizá-la de forma online e gratuita.

Eu consegui publicar ‘On A Sunbeam’ como webcomic porque eu tinha alguma estabilidade financeira dos meus livros anteriores. Isso me deu algum poder para decidir o que eu queria fazer com meus romances gráficos. Os livros são caros. A maior parte do meu público é de adolescentes e, com certeza, alguns deles têm dinheiro para esse livro, mas muitos deles não têm. […] Eu estava muito orgulhosa do ‘On a Sunbeam’. Senti que a história era tão importante para todos os tipos de pessoas lerem que achei que a melhor maneira era garantir que tudo estivesse livre para ler on-line, mesmo agora que foi publicado em versão impressa.

(via The Irregular Report)

Com a memória gráfica “Spinning” (2017), Tillie Walden ganhou o prêmio Eisner Awards 2018 por “melhor obra baseada em fatos reais”. Nela, Walden procurou revisitar sua infância e retratar sua experiência com a patinação artística, o momento em que se assumiu homossexual e os conflitos familiares. Walden afirma em entrevista que “Spinning” foi produzida como uma forma de superação dos medos, uma espécie de “autocura” (via PBS Books).

Are you listening?“, sua sexta novela gráfica, está em pré-venda para setembro de 2019 pela First Second Books. O livro vem sendo descrito como “uma comovente história de sobrevivência, uma descrição brutalmente honesta de uma jovem tentando se curar após uma agressão sexual traumática” (Via EW).

Trecho de “Spinning”. Imagem: divulgação
Capa de “Are You Listening?”.  Imagem: divulgação

Processo criativo

Tillie Walden vem de uma família de artistas, avó paterna, pai e irmãos. Desde muito jovem esteve conectada com alguma forma de arte, como a já mencionada patinação artística, a música – ela toca violoncelo e violino – e a arquitetura, campo do saber pela qual a autora mantém algum interesse. Durante o ensino médio, em McCallum High School, Walden recebeu aulas de artes. Naquele período, ela ainda não nutria a pretensão de seguir carreira. No entanto, a autora reconhece que todas as técnicas aprendidas durante as aulas foram úteis para seguir sua senda artística como quadrinista.

Em entrevista concedida à revista Broken Frontier, Tillie Walden admite preferir o estilo tradicional de trabalho quanto à produção dos seus quadrinhos, mas não faz nada muito planejado. Normalmente, o ponto de partida para criação das suas histórias em quadrinhos é a ilustração: “eu gosto de ter um processo realmente fluido, porque me sinto totalmente livre para mudar qualquer coisa a qualquer momento”.

Tillie Walden
Ilustração de Tillie Walden e Trecho de “Spinning”. Imagens: reprodução

Para compor suas ilustrações, além de um espaço limpo e organizado, Walden lança mão de, entre outros materiais, canetas técnicas, pincéis, aquarela, marcador artístico e lápis de cor. Como técnica de pintura, ela costuma utilizar o sumi-ê (ou ink-wash, em inglês), técnica de pintura oriental. Outro procedimento comumente utilizado por ela é colocar a cor primeiro para depois desenhar por cima.

Para conhecer um pouco mais sobre Tillie Walden não deixe de ouvir “Comics Alternative Interviews: Another conversation with Tillie Walden.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

Jaqueline Cunha é Pesquisadora de Histórias em Quadrinhos de autoria feminina, Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás e membro da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS). Jaqueline também se interessa por temas relacionados a Literatura, cinema e estudos acerca dos feminismos, identidades de gênero e sexualidade.
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