Mulheres nos Quadrinhos: Gio Guimarães

Mulheres nos Quadrinhos: Gio Guimarães

Gio Guimarães nasceu em Ponte Nova, no interior de Minas Gerais. Foi pra BH com 17 anos e cursou psicologia. Desde que lembra que é gente, Gio conta que já catava caneta e lápis e, para o desespero da mãe, rabiscava as paredes e a cara das bonecas. “Quando minha mãe escondia os lápis e canetas, eu pegava o batom dela e desenhava com ele”. A maioria das crianças faz isso, é verdade, mas a maior parte delas também para de desenhar depois de algum tempo. A diferença de Gio é que ela continuou – e continua até hoje.

Da psicologia para os quadrinhos!

Desde pequena, Gio Guimarães desenhava. Ela sempre pensou em se formar em algo relacionado, mas a vida entrou no meio e acabou formando-se em psicologia. Chegou a trabalhar na área, mas não se sentia satisfeita com a profissão. Nesse período, ela já fazia freelas com ilustração. Contudo, o desenho falou mais alto e Giovanna resolveu voltar pra faculdade. Ela diz que não se arrepende da primeira formação, pois a psicologia é um bom apoio no processo de criação de personagens.

O segundo curso foi um tanto mais difícil. Ela não podia se dedicar exclusivamente à faculdade e precisava conciliar o trabalho e as matérias do curso de Belas Artes. “Eu precisava do trabalho para me manter e foi uma grande luta, mas realmente foi aquela escolha feita de coração e com aquela ideia em mente: custe o que custar, irei até o fim!“, comenta. Logo em seguida, ela emendou um mestrado em cinema, dando continuidade aos projetos que ela tinha começado na graduação.

Depois de mestre, Gio pôde finalmente dedicar-se ao trabalho como artista. Hoje ela faz ilustração, quadrinhos e animação. “Morei e trabalhei em Belo Horizonte até 2013. Depois recebi uma proposta para ir trabalhar com animação no Rio de Janeiro, para onde me mudei. Trabalhei por lá até 2016, quando recebi outra proposta, desta vez para trabalhar em São Paulo, onde estou e moro até hoje“, conta.

Gio Guimarães
Trabalhos de Gio Guimarães (Imagem: reprodução/ArtStation)

A relação com os quadrinhos e as inspirações de Gio Guimarães

Atualmente, Gio trabalha para uma empresa internacional de games chiquérrima, mas também desenvolve alguns projetos pessoais e continua fazendo alguns freelas. E o que ela faz no tempo livre? Desenha por diversão! “É um vício! Também curto assistir filmes ou seriados, ler livros ou quadrinhos ou simplesmente sair para uma caminhada!“.

Contudo, a relação com os quadrinhos foi sempre de fascínio, mesmo quando ela nem sabia ler. No tempo livre, entre os rabiscos nas paredes, Gio ficava folheando as HQs que tinha em casa, torcendo para ir para escola e aprender a ler. “Meus pais costumavam nos levar (a mim e meu irmão) à banca de jornais e comprar uma revista para cada um, à nossa escolha, aos domingos. Cresci lendo quadrinhos e mantive também este costume. Lia de todo tipo… Turma da Mônica, Pato Donald e Zé Carioca, super-heróis, revistas de terror…“.

Gio Guimarães
Sabrina Spellman pelos traços de Gio Guimarães (Imagem: reprodução/ArtStation)

Foi só depois, morando em BH, que ela descobriu os quadrinhos “para adultos” e entrou em contato com o selo Vertigo, da DC Comics. Na faculdade, acabou conhecendo Eduardo Pansica, que trabalhava na Casa dos Quadrinhos, uma escola para formação de quadrinistas em Beagá. Pansica é ilustrador, dá aulas de “Elementos da Narrativa Visual” e, desde 2009, desenha para a DC Comics. Foi através dele a “nova” entrada de Gio Guimarães para o mundo dos quadrinhos.

Hoje, mais dentro do mundo dos quadrinhos e ilustrações do que nunca, as inspirações dela são muitas. Entre ilustradores, animadores, quadrinistas, atores e escritores, Gio cita Dave McKean, Jill Thompson, Adriana Melo, Paul Pope, Esad Ribic, Shaun Tan, Jon J Muth, Mihael Zulli, Misha Collins, Regina Pessoa, Wendy Tilby, Suzie Templeton, Neil GaimanMargaret Atwood. A artista comenta que o grau de inspiração varia entre uns e outros conforme o momento e o projeto atual em que está trabalhando, mas que todos chamam sua atenção por algum trabalho marcante ou pela história de vida.

Pela lista de inspirações, Gio deixa claro que tem um gosto por coisas muito diferentes. Seja por área, gênero ou estilo dos autores. Poesia, ficção e terror acabam ficando entre os principais, mas tem espaço pra tudo – e também obras que não se limitam a um gênero só.

Sandman, por exemplo, reúne fantasia e terror e é baseado em mitologia (outra paixão), mas a obra conversa com muitos aspectos da realidade, como a História Mundial (personagens ou acontecimentos históricos como a Revolução Francesa, por exemplo), a Literatura Clássica (tanto que o próprio Shakespeare aparece como personagem algumas vezes) e ainda conecta personagens míticos com instâncias simbólicas que fazem referência à consciência humana. Para mim é meu quadrinho favorito, provavelmente para sempre!

As icônicas personagens de Sandman, Morte e Delirium, pelos traços de Gio Guimarães (Imagens: reprodução/ArtStation)

Para Gio, as referências são uma grande fonte de auxílio na produção das novas ideias. “Acredito que todo artista retira de toda a bagagem de coisas que já viu, admirou, consumiu, leu e, sobretudo, experienciou ao longo dos altos e baixos da vida“. Portanto, faz parte desse processo apenas desenhar e deixar as ideias fluírem, e ao falar sobre a sua criação, Gio comenta que, quando fica travada em alguma ideia, ela usa uma velha tática: “rabiscar papel sem pensar“. Contudo, se por acaso o projeto já tem um ponto de partida, ela faz isso no computador, mas se o zero é total, os rabiscos são à mão mesmo, com um pouco de música no fundo.

Deixar fluir as ideias não apenas pensando, mas deixando o gestual, o muscular participar do processo. Enfrentar o branco do papel (e da mente), dessa forma, ajuda a soltar as ideias e o lúdico. Há anos que eu trabalho direto no computador usando programas de animação/desenho/edição, mas para mim o papel, a tela “física” e a caneta/lápis/tinta agem de forma bem mais canalizadora.

Processo de criação e “Frankenstein 200”

Sobre o processo de criação em si, Gio Guimarães comenta que é um “caos organizado“. O primeiro passo fica na parte de organização, na reflexão da história central. “O que é o cerne, o principal, por trás da história? Falo história aqui, porque mesmo se estivermos falando de ilustração (imagem estática), ainda assim, através dela, se conta uma história. Se tem um ponto de foco e uma ideia a ser transmitida. Há uma narrativa. Aí eu resolvo desenvolver a história em minha mente, primeiro. Às vezes procuro referências de imagens sobre o tema em que vou trabalhar“.

E partir deste momento que vem o caos. “Depois parto para “a etapa da rabiscação”… que é isso mesmo, rabiscar sem preocupar com traço limpo ou ordem. Registrar a imagem que a ideia traz. Costumo fazer layouts em miniaturas (thumbnails). Faço isso para quadrinhos, para animação ou para ilustração, e às vezes, várias miniaturas para uma ilustração. As páginas do quadrinho em thumbnails faço em uma mesma página, assim consigo ver como a narrativa flui num todo em várias páginas. O mesmo para storyboards“.

“Quando estou no papel, costumo rabiscar tanto que às vezes só eu consigo entender a zona que eu criei. E em outros momentos, nem eu mesma entendo no dia seguinte“, comenta Gio, rindo. No computador, ela costuma abrir camada em cima de camada para testar diferentes poses e detalhes e, então, volta para a organização, buscando um rascunho final nessa confusão toda. Tal procedimento não demora muito, pois basta rabiscar e registrar as ideias, captando o que vier. Por último, Gio lapida tudo isso – e já em relação aos prazos, ela diz que são bem apertados e que não dá para gastar muito tempo. “Trata-se de uma simetria incrível entre o caos da criação e a organização do produto final“, comenta.

A Música de Erich Zann
Cena do quadrinho “A Música de Erich Zann” feita toda em aquarela por Gio Guimarães (Imagem: reprodução)
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Gio menciona que prefere desenvolver a parte visual dos projetos e que não costuma trabalhar criando o roteiro. Adaptar histórias também é algo que ela tem feito, como seus quadrinhos sobre a obra do H. P. Lovecraft. Na coletânea em quadrinhos “Frankenstein 200“, trabalhou em parceria com o roteirista Hector Lima na criação da história “A noiva de Shelley”. Nessa produção, foram desenvolvidas seis histórias inéditas baseadas no mundo de Mary Shelley, que completa 200 anos de lançamento em 2019.

A homenagem foi lançada em fevereiro desse ano e Gio conta que quando foi convidada para participar achou o projeto muito interessante. O próprio Hector a chamou para ilustrar a história dele, que levanta questões feministas, fazendo jus à história de Mary e a sua atuação como ativista política e no ramo da ficção científica. Ela amou o projeto e entrou com tudo na produção.

Como eu tinha acabado de lançar a revista do Erich Zann, nós discutimos a respeito de usar a mesma técnica (aquarela em preto e branco) para criar o clima de terror e servir de referência às primeiras produções em cinema do Frankenstein, em especial o clássico produzido pela Universal Studios, com o ator Boris Karloff no papel do monstro, de 1931.

Frankenstein 200
Trecho de “A noiva de Shelley” feita em aquarela por Gio Guimarães, que faz parte da coletânea em quadrinhos “Frankenstein 200 (Imagem: reprodução)

Frankenstein 200” foi lançado por meio de financiamento coletivo do site Catarse, e ela, assim como os outros artistas envolvidos na produção, dedicou-se muito na divulgação do projeto. “Tivemos ajuda de muitos sites de review de quadrinhos e de conteúdo nerd que ajudaram a divulgar! Quando batemos a meta, foi uma festa e uma emoção quando ficou pronta! Tivemos o gostinho de ver o álbum lindão, em mãos“.

Para quem quer se aventurar no mundo do financiamento coletivo, Gio Guimarães dá a dica: networking! A sua rede de divulgação é fundamental nesse processo, já que existem muitas pessoas interessadas que sequer ficam sabendo que alguns desses projetos existem, e não basta ter muitos seguidores – sites especializados no assunto precisam falar sobre o seu projeto também. “Divulgar em todo lugar possível, inclusive fazer contatos e divulgação em eventos como FIQ e CCXP, que são ótimos lugares para divulgar seu trabalho, criar parcerias e ampliar o network!“.

Guilty pleasures de Gio Guimarães e mais projetos incríveis

Sobre o Hugo Awads, uma premiação anual de ficção científica e fantasia, Gio comenta que achou bem interessante o AO3 ter recebido indicação neste ano. O AO3 é um arquivo gratuito de fanfics que conta com mais de dois milhões de usuários e quase cinco milhões de produções de fãs. 

Uma outra coisa muito legal da Gio é que ela costuma pegar comissions para ilustrar fanfics de amigos. Uma fã, como todos nós, ela conta que na época da faculdade costumava ler muitos fanfics e fanzines. Ainda que hoje não tenha tanto tempo para essas leituras, ainda participa de alguns. Já o seu “guilty plasure” da vez é o fandom de “Supernatural”, pois foi lá que ela teve maior contato com essa produção. “Desde o ano passado ele foi o fandom em que eu mais produzi e por um bom motivo: porque participo de um grupo vinculado a este fandom e que organiza várias atividades artísticas e filantrópicas. Além de eu ser fã também, claro“, comenta.

Com tanta coisa incrível no currículo, fica até difícil para Gio Guimarães falar sobre toda sua produção, mas ela listou algumas das que lembra com carinho pra gente:

“O meu tempo na Casa dos Quadrinhos em Belo Horizonte, pois sinto muita saudade daquela turma de lá. Fiz amigões que sempre revejo na CCXP e no FIQ e foi ótimo fazer os cards de Avatar, the last airbender, naquela época. Com o pessoal da Tag Video Design, tive a oportunidade de trabalhar em vários comerciais em animação 3D, que também me deixaram muitas saudades, especialmente o próprio pessoal da TAG, que me deu apoio importante em um momento bem difícil de minha vida e são grandes amigos até hoje. Depois, as lembranças do Irmão do Jorel, série de animação na qual trabalhei no Rio de Janeiro.

Eu participei no primeiro ano da série e ainda fiz artes e storyboards para a segunda temporada. Era muito divertido e com certeza me deixou lembranças para levar por toda a vida! Entre projetos pessoais me marcaram muito, o Engolervilha, a convite do animador Marão, que foi um desafio e ao mesmo tempo muito divertido, e o projeto da adaptação de clássicos de terror para quadrinhos pintados em aquarela, com o “A Música de Erich Zann”, um desafio e um grande prazer em fazer! Tenho alguns projetos bem legais da Cool Mini or Not, empresa de games para a qual trabalho hoje, mas que no momento não posso falar porque não foram lançados ainda”.

Junto com o roteirista Deyvison Manes, Gio Guimarães está desenvolvendo mais edições de terror em aquarela e outros projetos para o ano que vem – e lembrando da CCXP, ela estará novamente por lá nesse ano, com alguns projetos especiais: o “Hologramas”, um quadrinho de ficção científica com roteiro da Elaine Bonadi, que também vai sair pelo Catarse, algumas adaptações de terror em aquarela, “Os Gatos de Utah”, do H.P. Lovecraft, e também artes em pôsteres, tudo novinho em folha!

Locais onde você pode conferir alguns trabalhos da Gio Guimarães: Instagram, ArtStation e seu perfil pessoal do Facebook.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Formada em Direito e estudando Jornalismo, já esteve muito perdida na vida, agora talvez esteja um pouco menos. Metade Frankie e metade Grace, segue escrevendo, tentando cumprir as metas de leitura e ouvindo podcast. Acredita fortemente que um dia vai tomar rumo nessa vida.
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