Entre maio e junho foram lançados os episódios finais de uma das séries mais aclamadas e importantes dos últimos tempos, após ter sido cancelada sem muitas explicações no começo desse ano. Após 3 temporadas, Pose se despede e nos deixa com as portas abertas para a presença pessoas fora do padrão em grandes produções de TV.
AVISO: pode conter spoilers da série
3ª temporada: uma saudade que vai ficar
Quando foi anunciado, em março de 2021, que a terceira temporada seria a última, era impossível não esperar que muitas lágrimas fossem derramadas pela audiência. Com a intenção de nos contar o final feliz e/ou os passados de dor das personagens, o roteiro foi construído de uma maneira diferente da apresentada nas temporadas anteriores, com episódios inteiros focados em personagens específicas e suas histórias passadas, trazendo outra perspectiva para as cenas dos ballroom e dos jantares em família.
Portanto, isso quer dizer que, se nas outras temporadas o glamour coletivo era o grande foco, nesta terceira temporada temos cenas mais arrastadas, explorando mais os detalhes das personagens e seus diálogos. Ou seja, com uma construção mais lenta do roteiro a história não avança muito, mas as emoções estão garantidas porque, mesmo sem muitas reviravoltas nos finais, sentimos a conexão com as personagens.
Por conta dessa construção, diversas personagens tiveram seu protagonismo garantido. O episódio sobre a vida anterior de Elektra (Dominique Jackson) nos mostra porque a personagem se tornou quem é em 1994. Destemida, decida e dona de seu próprio destino. Além disso, riquíssima e responsável por trazer melhorias para todas da família e as pessoas agregadas. Elektra nos deixa com a saudade da sua personalidade forte, explosiva, porém amável, como grandes mães são.
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Agora, vamos falar sobre Pray Tel (Billy Porter). Por mais que seja clichê, a história de sua vida não deixa de nos abalar. Gay não branco, que sai de sua cidade natal após sofrer preconceito na sua comunidade religiosa e vai para a cidade grande atrás de realizar seus sonhos. Uma história comum na ficção e na realidade, porém, o que é digno de nota é a produção impecável: desde os diálogos e interações entre Pray Tell com as personagens do seu passado até as músicas escolhidas que pareciam terem sido escritas para cada momento de sua vida. Só que falar sobre esse personagem na terceira temporada não é só falar sobre como ele chegou até ali, mas como sua vida e sua morte foram fios condutores para a grande despedida.
Um grande destaque precisa ser dado também para mama Blanca Evangelista (MJ Rodriguez). Ela é o pilar que segura todas e todos, assim como a si mesma, na ativa e em operação. Sua história é de superação e amor apesar dos perrengues e adversidades e, com Blanca, aprendemos a importância do amor e do cuidado com as pessoas próximas. Mama Blanca nos deixará a saudade de uma mãe que deixa seus filhos e filhas.
Todas as outras personagens mereceram e foram presentadas como finais que, mesmo muito esperados, como o casamento de Papi (Angel Bismark Curiel) e Angel (Indya Moore), não deixaram de trazer muitas emoções à tona. Assim, o pequeno incômodo que fica é que se a história de Lulu (Hailie Sahar) trouxe empoderamento, ao mesmo tempo a vida cotidiana de Angel não lhe parece totalmente confortável. A série nos deixou, portanto, com o seguinte questionamento: será que até a história de mulheres trans precisa ser resumida à um conto de fadas? De qualquer forma, sem reviravoltas ou surpresas, Pose trouxe para o seu final o quentinho nos corações das histórias bem resolvidas e a esperança no amor, mesmo que ele seja padrão.
Pose e a importância da representatividade
Ao se falar sobre representatividade LGBTQIA+ e, principalmente, representatividade de pessoas trans é impossível não falar de Pose, já que toda a equipe técnica, incluindo elenco, roteiristas e diretores, é formada por pessoas consideradas como minorias. Nisso, entende-se que pessoas não brancas e LGBTQIA+ estavam presentes na espinha dorsal do desenvolvimento da série, trazendo uma sensibilidade e verdade ao conteúdo que é muito difícil de alcançar quando não se vive o roteiro que se escreve e produz.
Como consequência, já em 2021, Pose foi indicada a 8 categorias do Emmy, incluindo a indicação para melhor série e deixando marcas na história por MJ Rodriguez ter se tornado a primeira mulher trans a concorrer na categoria de melhor atriz. Temos também a indicação de Billy Porter como melhor ator em série dramática, entre outras categorias técnicas.
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Além do trabalho atrás das câmeras, Pose também traz a representatividade nas histórias. Que a série é sobre pessoas LGBGQIA+ não é novidade, mas estamos falando sobre a construção da consciência. Colocar todas as mulheres vestidas de noiva numa cena de casamento, é de mexer com o coração.
É claro que não se deve acreditar que os casamentos de branco e os finais clichês sejam a história única para todas as pessoas, mas é bom saber sim, que elas podem ser uma realidade, naturalizando escolhas comuns de pessoas que são consideradas pela sociedade como não comuns. E, além disso, ver finais felizes para corpos marcados pela violência é de trazer esperança no meio desses tempos sombrios que vivemos.
Portanto, tanto na frente das telas e câmeras, como por trás delas, Pose deixa uma lição de empoderamento e representatividade ao mostrar que tudo é possível para quem acredita nos seus sonhos.