Christopher Nolan, um dos diretores mais amados e odiados da cinefilia contemporânea, voltou em 2023 com Oppenheimer, um filme dramático e histórico sobre o papel de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) na criação da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial.
O elenco conta grandes nomes da indústria de Hollywood, como Emily Blunt, Florence Pugh, Robert Downey Jr. e Matt Damon. Além disso, o filme chama atenção pelo formato que Nolan escolheu gravá-lo: película 70mm e também 70mm IMAX, formato de maior qualidade já produzido, proporcionando um senso de imersão nas imagens.
Boa parte do marketing do filme foi baseada na figura do Cillian Murphy, no IMAX e no fato de que não houve nenhuma computação gráfica para executar os efeitos visuais. Mas será que tudo isso faz de Oppenheimer um grande filme?
Do mundo real para as telas
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O filme é uma adaptação do livro Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu Americano, escrito por Kai Bird e Martin J. Sherwin, que narra em cinco partes não só a vida acadêmica do físico teórico, mas também a sua vida pessoal.
Seguindo quase essa abordagem do livro, acompanhamos uma longa exploração aos tormentos e à genialidade de Robert Oppenheimer, que vai desde a sua tentativa de envenenar um professor no início do filme até a reflexão sobre a ameaça nuclear no mundo. Cillian Murphy faz a atuação da sua vida em um nível impressionante, que não passará despercebida pelo público e pela Academia. Sua primeira indicação ao Oscar é certeira e ele será um dos favoritos para ganhar.
Temos grandes físicos unindo seus conhecimentos para criar a bomba — ou o “artefato”, como eles preferem dizer para diminuir a brutalidade do trabalho feito ali —, mas essa dinâmica em grupo não é explorada de maneira satisfatória nas 3 horas de filme.
Albert Einstein (Tom Conti), por exemplo, funciona na trama quase como uma entidade divina que aconselha Oppenheimer quando necessário, e as outras figuras importantes, como Richard Feynman (Jack Quaid), são limitadas a pequenas aparições nos experimentos físicos do Projeto Manhattan.
Claro que, por se tratar de um filme sobre o pai da bomba atômica, como o próprio título evidencia, é compreensível que haja uma certa falta de desenvolvimento nos outros físicos da trama. No entanto, ainda é algo que poderia ter sido melhor explorado, como foi trabalhado com o físico Edward Teller (Benny Safdie), que teve um ótimo desempenho mesmo com poucos minutos de tela.
As mulheres em Oppenheimer
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Assim como toda sua filmografia, Christopher Nolan prevalece escrevendo as personagens femininas superficiais. Um tropo identificável nos filmes dele é a “Mulher na Geladeira”, onde uma personagem feminina é morta ou ferida com o propósito de motivar o protagonista masculino a fazer algo ou agir de determinada maneira.
Nolan usa a “mulher na geladeira” em filmes como Amnésia (2000), O Grande Truque (2006), A Origem (2010) e O Cavaleiro das Trevas (2008). Quando não faz exatamente isso, coloca as personagens como insignificantes na trama. Em Oppenheimer, não é muito diferente, pois temos Jean Tatlock sendo morta e as cenas de sexo não fazem muita diferença no desenvolvimento da personagem ou no relacionamento dela com o protagonista. O romance entre os dois é raso, mal explorado e não faria a menor falta se fosse descartado.
Kitty é até uma personagem diferenciada na filmografia do diretor, mas continua presa ao papel de esposa, mesmo que haja uma ideia de profundidade devido ao tratamento que ela tem com seu bebê ou seu possível problema com álcool.
É notório que o diretor tem uma questão com as personagens femininas, como evidenciado ao colocar a própria filha para participar da cena em que Oppenheimer tem uma visão sobre a explosão em Hiroshima e Nagasaki. Talvez, para ele, perder uma figura feminina importante seja a pior coisa que pode acontecer na vida de um homem, e por isso ele insiste em colocar essa tragédia em seus filmes, mesmo que seja claro o quão prejudicial isso é para as personagens femininas no cinema.
De bomba, o Nolan entende
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Há quem diga que Christopher Nolan seja o único cineasta capaz de adaptar a história do Projeto Manhattan para as telas. Afinal, temos um dos cineastas mais burocráticos do cinema, o “Stanley Kubrick vivo”, perfeito para escrever e dirigir um filme biográfico e político, certo?
Não, porque a sensação é que assisti a um dos maiores acontecimentos da ciência, da história dos EUA e do mundo, e não me importo. Irei esquecer essas três horas de filme daqui a poucos dias.
Há interesse pelo Projeto Manhattan e reconhecimento por suas contribuições científicas e consequências literalmente mortais no Japão e no mundo — Hayao Miyazaki está certo em odiar os EUA —, mas não importa porque não há total aproveitamento na maneira que escolheram contar essa história. Oppenheimer não foi nenhum coitado arrependido, mesmo que o filme e os EUA tentem vender essa ideia para o público.
Entre idas e vindas temporais, cenas em preto e branco e cenas em cores não muito saturadas, temos uma montagem bem atípica dentro desse gênero. Não é como se estivéssemos presenciando como tudo aconteceu, mas como se estivéssemos em uma aula de física e, por isso, tudo ali vai ser genial e mágico para alguns, mas para outros vai ser uma falação chata e entediante.
Com exceção da cena da bomba, é claro. O clímax da obra está na destruição e no resultado bem-sucedido, não na criação em si. É como o Presidente dentro do filme disse ao protagonista: Eles não ligam para quem criou a arma, mas sim para quem autorizou seu uso.
E aconteceu mesmo. A bomba atômica funcionou e explodiu tudo. Foi como assistir à própria morte na tela ou assistir ao nosso imaginário do que seria o fim do mundo e da vida. É uma cena silenciosa, amedrontadora e hipnotizante. É a melhor parte do filme.
Oppenheimer foi exatamente isso: uma bomba. E a explosão dessa bomba durou três horas seguidas, sem parar. Foi uma luz brilhante, inteligente e bela, mas desgastante, dolorosa e até indesejável para alguns. Foi o retrato de que algo poderoso — o fogo dado por Prometheus — tornou-se perigoso no momento em que caiu nas mãos da humanidade.
Crédito: colagem em destaque feita por Sharline Freire para o Delirium Nerd.