Barbie e a excelência do trabalho de Greta Gerwig

Barbie e a excelência do trabalho de Greta Gerwig

Quando pensamos em cinema feito por mulheres no século XXI, Greta Gerwig pode ser um dos primeiros nomes que vêm à mente de muitas de nós. A diretora é conhecida por destacar de maneira muito natural a coexistência feminina e explorar com sensibilidade e autenticidade as experiências das personagens em tela.

Quando pensamos em Barbie, geralmente a imagem que vem à mente são brinquedos e filmes infantis. No entanto, dessa vez, Greta Gerwig se envolve em uma produção bastante comercial ao assumir a primeira adaptação cinematográfica da boneca, entregando uma narrativa acessível, mas ainda recheada de sua especialidade no cinema. Gerwig já fez história nas bilheterias, visto que Barbie conquistou o título de maior fim de semana de estreia de um filme dirigido por uma mulher, além de atualmente ser o nono maior sucesso de Hollywood em 2023.

Greta Gerwig trouxe uma nova perspectiva para Barbie

Imagem promocional de Barbie (2023)
Imagem promocional de Barbie (2023) | Reprodução

Como prova do seu cuidado com a criação da narrativa, em Barbie (2023) recebemos profundidade significativa já na excelente narração introdutória da atriz britânica Helen Mirren, em uma paródia muito inteligente de uma das maiores cenas de 2001: uma odisseia no espaço (1968). No longa de Stanley Kubrick, essa cena tem o propósito de ilustrar o início da jornada da humanidade, desde suas origens mais primitivas até a conquista do espaço e além. 

Na introdução de Barbie, a arma que em 2001 era um osso, é a própria boneca bebê, costumeiramente entregue às meninas com intenção de romantizar a maternidade. Lançada ao espaço, esse símbolo de maternidade introjetada se transforma no logo da Barbie, que é apresentada na primeira metade do filme como a linha de chegada na evolução definitiva do crescimento e tomada de consciência de uma garotinha.

E é na terra encantada da Barbieland, onde tudo é perfeito para sempre, não existem coisas como vergonha ou medo, e que é propositalmente construída para parecer visualmente falsa, que a versão mais comum da boneca, a Barbie Estereotipada, é provocada na inexpressão da sua coexistência sem sentido, com pensamentos de morte e celulites, pensamentos meramente humanos.

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Greta Gerwig no set de Barbie (2023)
Gerwig nas filmagens de Barbie | Foto de Jaap Buitendijk (Reprodução)

Mas por que Greta Gerwig em Barbie? 

É justamente nesse campo das complexidades emocionais e nos desafios do amadurecimento pessoal e social que surge a popularidade dos filmes realizados pela diretora. As personagens que Greta desenvolve na tela não são superpoderosas e cheias de autoconhecimento; o jogo com o amadurecimento de uma personagem é justamente esse.

Em seus filmes, o arco da personagem é um elemento importante na construção da história, principalmente em suas personagens femininas. É facilmente possível notar em críticas e análises de seus filmes, como Adoráveis Mulheres, Frances Ha e Lady Bird, que Greta tem um cuidado especial em construir arcos de personagens complexos e excepcionalmente bem desenvolvidos.

Greta Gerwig nas filmagens de Lady Bird
Greta Gerwig nas filmagens de Lady Bird | Reprodução

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Não por acaso, Greta Gerwig já concorreu ao Oscar pela direção e pelo roteiro de seu filme de estreia solo, Lady Bird (2017), que discute de maneira delicada e aprofundada a relação entre uma mãe e sua filha adolescente, entregando personagens muito próximas de pessoas reais, com situações e diálogos vivos.

Ambição e profundidade nas personagens femininas

Lady Bird quer ganhar o mundo, não tem uma relação estável com a mãe, tem vergonha de ser pobre e questiona tudo o que não entende e que não lhe agrada. Nos seus filmes, Greta muito sensivelmente desenvolve essas personagens que estão em movimento quase constante em direção a algum propósito que pode facilmente mudar, já que a vida, no processo de crescimento, é exatamente de natureza maleável, fruto da experimentação.

Saoirse Ronan em "Lady Bird" (2017), filme de Greta Gerwig
Saoirse Ronan em Lady Bird | Imagem: The New York Times

Provando mais talento para o desenvolvimento de personagens femininas diversas e inteiras em uma narrativa não linear, Greta realizou a adaptação do famoso clássico literário de Louisa May Alcott, Little Women (2019), dando vida à narrativa clássica onde as mulheres de uma família no séc. XIX, em meio à guerra civil dos EUA, buscam seu próprio espaço no mundo à medida que crescem. 

A releitura de Little Women da Greta recebeu inúmeros elogios, sendo considerada por muitos como a melhor adaptação do clássico que marcou a geração de millennials. O talento da diretora é evidente na forma única como ela reescreveu as inclinações e atitudes das personagens, desfazendo estereótipos que em algumas adaptações anteriores as retratavam como mimadas ou frívolas. Nas mãos de Gerwig, essas personagens são apresentadas sob uma nova perspectiva, demonstrando maior ambição e profundidade emocional.

Barbie: um filme aberto a diferentes gerações

Margot Robbie, como a Barbie estereotipada, recebeu também algumas referências de Greta, como The Philadelphia Story (1940), em que Katharine Hepburn é assemelhada a uma estátua grega, imperturbável no começo, mas que desmorona no desenrolar da história, exatamente como acontece com a Barbie e seu envolvimento vertiginoso com sentimentos meramente humanos, que a obrigam a encarar a realidade com os dois pés no chão.

Diferente do que muitos poderiam esperar, Barbie está repleto do que Greta Gerwig já fez no cinema e do que ela admira nele. O filme apresenta humor, sátiras, números musicais, drama e até mesmo ação, com referências à história do cinema de várias décadas, e personagens lidando com circunstâncias como os papéis que representamos na vida social, enquanto crescem na tela por meio de diálogos e atuações ricas.

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Greta Gerwig, Ryan Gosling e Margot Robbie no set de "Barbie" (2023)
Greta Gerwig, Ryan Gosling e Margot Robbie no set de Barbie | Imagem: reprodução

Muito embora Barbie tenha chegado às salas de cinema como uma narrativa linear, com ordem e passos sempre definidos no começo, meio e fim, ainda é possível observar o toque característico de Greta, principalmente no que diz respeito à escolha de construção narrativa diferente para a Barbie em live action do que estamos acostumados a ver em filmes clássicos da boneca.

No live action, não só as Barbies estão conscientes de sua existência como brinquedos, mas também o ato de brincar com a Barbie enquanto se está cheio de sentimentos contrários ao propósito dela pode ser prejudicial para a boneca. Cria-se, nesse filme, uma nova possibilidade no universo cheio de aventuras mágicas já vivenciadas pelas bonecas.

Crescer e evoluir

Depois de ver suas irmãs Barbies ocupando funções que inspiraram meninas por décadas, a boneca estereotipada é ressignificada. Agora, em um desafio adaptado ao público que cresceu com ela, a Barbie sai da caixa e deixa o mundo de fantasias para trás. Ela cresce, assim como a criança que um dia a assistiu nos filmes.

Finalmente, a boneca que, a princípio, não tinha uma função específica, se torna alguém em quem as meninas que cresceram com ela podem finalmente se visualizar. Principalmente porque essa personagem não tem um ponto final para ser considerado; o filme acaba, mas ela ainda se move.

Essa adaptação poderia ter sido qualquer coisa; poderia ter se tornado um live action muito parecido até com os próprios filmes em animação da Barbie, cheios de histórias fantásticas com um roteiro focado em crianças. Mas na escrita e direção da Greta, a Barbie recebe sua assinatura como diretora e nós recebemos a Barbie de volta, adaptada aos nossos desafios atuais.

Cena de Barbie (2023)
Cena de Barbie (2023) | Crédito: Warner Bros

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Tudo isso porque Gerwig tem esse talento especial para criar personagens complexas e reconhecíveis. Muitas de nós podem ter crescido com a influência fantasiosa da Barbie e hoje, com o live action, tivemos a oportunidade de crescer mais uma vez e assistir à heroína em uma missão totalmente familiar.

E, muito embora aqui o destaque esteja direcionado à Barbie, os bonecos em Barbielândia são todos afetados pela aventura na qual se envolve a Barbie Estereotipada. Todos são afetados de alguma maneira por essa mudança de ares na terra mágica da fantasia que se considerava imutável. Essa é a magia do trabalho de Greta Gerwig: crescer.

Colagem em destaque: Isabelle Simões para o Delirium Nerd.

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Roteirista e Copywriter formada em Produção Audiovisual. Amante de livros, filmes e podcasts.
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