The Handmaid’s Tale foi, no episódio anterior, mais a fundo nas violências exercidas contra a mulher dentro dos próprios lares. A parca divisão existente entre aias e esposas, em um sentido de dominação, foi destruída no momento em que Serena (Yvonne Strahovski) foi a vítima das ações de seu marido, Fred (Joseph Fiennes). Mas teria esse fato significado a ruptura que todas gostaríamos de ver?
O nono episódio da segunda temporada, Smart Power, aborda, sobretudo, estratégias diplomáticas. Seja entre Offred (Elisabeth Moss) e outras mulheres de Gilead ou entre Gilead e outras nações, estratégias de persuasão são empregadas para acordos de interesses mútuos.
O termo Smart Power é utilizado para designar um poder eficiente. É a capacidade de equilíbrio entre força e resistência. E passou a ser empregado na política após a Guerra do Iraque, em 2003, para compreender ações diplomáticas de maior alcance, incluindo as ações de Organizações Internacionais.
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O outro lado da fronteira
Apesar da história original, escrita por Margaret Atwood, ter sido escrita na década de 80, a série de 2017 fez várias referências a ataques terroristas semelhantes ao atentado de 11 de setembro de 2001. Desse modo, não é ao acaso que o título do nono episódio faça referência a um termo utilizado em políticas de repressão, empregadas pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. E revela as estratégias de persuasão individuais e coletivas. Mas também destaca a atuação de poderes paralelos ao do Estado.
O episódio inicia com a informação de que Fred Waterford, após o atentado do episódio sete, foi convidado a ir ao Canadá em uma missão diplomática. Esta é a primeira de visita oficial de Gilead ao mundo além de suas fronteiras. Se na primeira temporada tivemos a oportunidade de ver nações externas adentrando o mundo de Gilead, agora nos é facultado ver a interação oposta. É, então, o momento de ver Gilead saindo de suas proteções. E de ver como consegue encarar sociedades diversas.
Fred, Serena e Nick (Max Minghella) tem contato com uma realidade há muito distante deles. Entre cores diversas (um contraste ao padrão de vestimentas e divisão de cores de Gilead), representantes homossexuais e mulheres livres, os três são uma pessimista exceção. E como era de se esperar, a reação a eles não é positiva. Em consequência à sua chegada, protestos organizados por refugiados despontam. A defesa de que os crimes de Gilead são manipulações midiáticas não convence. Contudo, os refugiados pouco podem fazer sem poder. Afinal, aquele não é seu país, aqueles não são seus governantes. Cabe a elas protestar – e esperar pelo momento de agir.
Serena e o dilema da aceitação
Com Offred no último trimestre de gravidez, não era a escolha de Serena se ausentar. Entretanto, a escolha não lhe foi oferecida. Talvez como uma punição pelos “erros” cometidos anteriormente, ou para exibi-la como uma boa esposa, Fred obriga-a a acompanha-lo na viagem ao Canadá. Mas a tentativa de convencer o mundo que uma mulher ao seu lado o torna justo pode não resultar como o esperado.
Serena tem ganhado cada vez mais destaque na série e seus olhares contemplativos revelam também mais da personagem. Sua ida ao Canadá é um reforço a todas as dúvidas que aos poucos brotam em suas certezas. Mas é difícil negar todas as convicções que sempre foram nutridas. Mesmo depois de ser agredida, ela não consegue romper com tudo aquilo que um dia defendeu e que se voltou contra ela.
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Uma oportunidade de fuga
Ela olha as mulheres livres, mas também enxerga o que continua de ruim naquele mundo. Não compreende ainda que a liberdade nunca será um plano perfeito, embora haja contextos mais felizes que outros. Fungos existem em todo lugar, mas algumas plantas sofrem mais que as outras. Talvez seu maior choque não seja ao observar as diferenças das plantas cultivadas em Gilead e no Canadá. Talvez seja quando ela vê uma mãe e um criança – a filha que ela não pode ter – e o horror estampado na face daquela mãe ao ver sua filha interagir com aquela mulher que representa tudo o que ela não gostaria que sua filha fosse.
E, então, a escolha de fugir lhe é oferecida. O representante da nação americana no Canadá parece inocente, oferecendo cigarros que Serena foi obrigada por Gilead a recusar. Oferece, depois, a oportunidade de Serena ser mãe. Afirma que, diferentemente do que Gilead prega, o problema da fertilidade pode estar nos homens e não nas mulheres. Tenta-a dizendo que os avanços medicinais podem dar a ela uma oportunidade de ter um filho, de fato, seu. Mas nunca é fácil deixar para trás o mundo que se ajudou a construir.
Diplomacia interna
Antes de partir, Serena quebrou com o sentimento de solidariedade que começava a existir entre ela e Offred. Informou-lhe que, tão logo a criança nascesse, Offred seria mandada embora. Os raros momentos de empatia não foram capazes de superar as adversidades entre a esposa e a aia. Assim, Offred precisa garantir que aquela criança seja bem cuidada mesmo em sua ausência. Precisa garantir que ela estará segura em um mundo de violência. Porque ela sabe que a violência não poupa ninguém. Aquele que agride sua esposa pela posição de superioridade, pode muito bem agredir seu filho ou filha também.
Primeiro ela recorre à martha Rita (Amanda Brugel). Fala-lhe sobre como precisa de um exemplo de bondade para aquele ser prestes a nascer em um mundo cruel. E, mesmo sob ameaça, Rita afirma que fará o possível. Depois, Offred recorre a tia Lydia (Ann Dowd). Expressa o receio de que um homem que machuca uma mulher também machucaria uma criança. Em resposta, tia Lydia afirma que jamais deixaria alguém fazer mal a um bebê. Offred, então, consegue duas madrinhas para uma criança que não tem culpa do mundo em que nascerá. Conquista suas próprias aliadas numa guerra que ela não pode vencer. Se ela não pode estar ali, ao menos alguém estará. Como ela diz “I got you someone” (“consegui alguém para você”)
A primeira mensagem de dentro
Alguns episódios atrás, Offred entregou a Nick um conjunto de cartas que lhe foram entregues. Todas cartas escritas por mulheres submetidas à violência de Gilead. Nick as escondeu até que fosse o momento de resgatá-las do esconderijo. Mesmo com a possibilidade de sua esposa Eden (Sydney Sweeney) delatá-lo, uma vez que ela encontrou as cartas anteriormente, ele as carrega consigo ao Canadá. E entrega-as à aquele que poderá fazer bom uso delas.
Durante os protestos, Serena, Nick e Fred reconhecem Luke como o marido de Offred/June, em função de uma fotografia. Tão logo possível, Nick vai atrás dele e informa-lhe que é amigo de June e que ela está grávida. Antes de partir, entrega-lhe o conjunto de cartas. É a prova de que Luke precisava para entregar as atrocidades de Gilead, motivo pelo qual torna-as pública.
Após desmascarar as mentiras públicas de Fred Waterford, o acordo entre Gilead e o Canadá é cancelado. Fred, Serena e Nick, então, são obrigados a partir do Canadá. Mas enquanto eles vão embora, elas – as mulheres violentadas – permanecem lá, em Gilead. Elas, aias, marthas, esposas, econoesposas, não-mulheres, continuam sob um regime de violência constante, sem notícia de parentes e conhecidos, sem esperança de que algo um dia mudará. Mas, como Nick relata a Offred, aquelas cartas fizeram a diferença. E agora que Offred sabe que Luke e Moira sobreviveram, uma chama de esperança se reacende nela. Talvez ela possa ainda encontrar um lugar em que ela esteja com a criança que carrega. Um lugar em que ela possa voltar a ser June Osborne.