Diretoras Japonesas: protagonismo feminino e cotidianidade

Diretoras Japonesas: protagonismo feminino e cotidianidade

No cinema japonês, as mulheres faziam a produção, a edição e exibição dos filmes, mas na direção quase não existia presença feminina. Com a possibilidade de adquirir equipamentos de forma mais acessível, principalmente a partir dos anos 1970, a participação das mulheres finalmente se ampliou, com a chegada de diversas diretoras japonesas.

O primeiro filme japonês dirigido por uma mulher foi exibido nas telas do cinema apenas em 1936, mas hoje nem mesmo temos acesso a obra completa, que foi quase toda perdida. Até 2014, apenas 3,5% dos diretores cinematográficos do Japão eram mulheres, o que representa 20 dos 500 nomes listados no Directors Guild of Japan

É claro que para as mulheres sempre sobra o anonimato e o cenário underground, portanto, esse é um texto para que você saiba mais sobre a história das pioneiras do cinema japonês e as que surgiram posteriormente, graças a elas. 

A pioneira: Tazuko Sakane

Takuzo Sakane (1904 – 1975) foi a primeira diretora japonesa que se tem registro, iniciando sua carreira no cinema em 1929, quando era assistente do diretor Kenji Mizoguchi no Nikkatsu Studio. Takuzo desenvolveu sua paixão pela sétima arte através de seu pai cinéfilo, que a apresentou para Mizoguchi e a incentivou a começar sua trajetória. O diretor a contratou inicialmente como roteirista e depois de ver como a jovem era criativa a promoveu a sua assistente. 

A primeira diretora japonesa Tazuko Sakane.
A primeira diretora japonesa Tazuko Sakane. (Foto: reprodução)

Algumas fontes comentam que por se movimentar o tempo todo, subindo e descendo no set de filmagem, Takuzo começou a usar calças e cortou os cabelos, o que a deixou com uma aparência tida como masculina na época, mas acreditamos que a verdadeira razão para se assemelhar fisicamente aos homens de seu ambiente de trabalho eram os assédios que sofria. 

Em 1936, aos 32 anos, Tazuko dirigiu seu primeiro filme “Hatsu Sugata, mas restam apenas fragmentos dele. Durante o período de invasão de Manchuria, a diretora foi à China para fazer documentários pioneiros e exclusivos sobre os efeitos da guerra. Infelizmente, quando o conflito acabou, decretou-se que os diretores japoneses precisariam de um diploma universitário para exercer a profissão, e tal fato fez com que Takuzo fosse obrigada a voltar a seu antigo posto de editora e roteirista até se aposentar, aos 46 anos.

Kinuyo Tanaka e a temática feminista

Kinuyo Tanaka (1909-1977) sucedeu Sakane e se tornou a segunda mulher a ser diretora no Japão, mas acaba sendo mais conhecida por sua carreira de atriz, atuando por 52 anos em mais de 250 filmes. Mesmo que tenha trabalho no universo cinematográfico por anos, Tanaka foi muito criticada, uma vez que havia ficado “velha demais” para atuar, desmerecendo completamente seu trabalho. 

Kinuyo Takana - diretoras japonesas
Kinuyo Takana trabalhando. (Foto: Reprodução)

Vindo de família abastada, Tanaka saiu do ensino convencional quando criança e se dedicou ao estudo da música. Ocasionalmente, ela conheceu o teatro e acabou assinando um contrato com um estúdio aos 15 anos.

Em 1953, Kinuyo anunciou publicamente o interesse em dirigir, após ter se isolado por meses por receber duras críticas quanto a uma possível americanização quando voltou de uma viagem aos Estados Unidos. As más línguas, inclusive, insistiram em espalhar que ela estava em crise e essa decisão era apenas uma imprudência.

Kinuyo Takana
Kinuyo Takana (Foto: Reprodução)

Tanaka sempre transmitia questões relacionadas à subjetividade feminina e discussões de gênero, como a prostituição debatida em  “Onna bakari no yoru” (“Girls of Dark”/”Girls of the Night”) e amores proibidos em “Ogin-sama” (“Love Under the Crucifix”. Colocar a mulher em foco em uma produção cinematográfica japonesa nos anos 1960 não era algo comum.

A sensibilidade e o cotidiano: as diretoras Kawase, Nishikawa e Ogami

Naomi Kawase (1969) se graduou em artes visuais na Osaka School of Photography em 1989, onde lecionou nos quatro anos seguintes. Criada pelos avós após ter sido deixada pelos pais, Naomi tornou isso o objeto de algumas de suas obras, como  podemos ver nos filmes “Em Seus Braços(1992) e “Céu, Vento, Fogo, Água, Terra (2001), ambos com menos de uma hora de duração e bastante pessoais.

Tais filmes retratam relações familiares que despertam identificação e empatia da espectadora. Aliás, Kawase fez seu primeiro curta aos 18 anos, quando começou a explorar sua visão de mundo sobre coisas que efetivamente a interessavam, chamando o filme de “Eu foco aquilo que me interessa” (1988). 

A diretora japonesa Naomi Kawase
Diretoras japonesas: Naomi Kawase (Foto: reprodução)

Em entrevista, Naomi diz prezar pelo improviso e pelos sentimentos durantes as gravações, sempre pedindo para que os operadores de câmera não fiquem presos ao roteiro, mas que sintam o conceito do filme, além de achar mais interessante gravar as cenas em um único take, sem ensaio, exatamente para aproveitar a liberdade e os sentimentos de quem atua.

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Naomi Kawase se tornou a diretora mais jovem a receber o prêmio Camera d’Or do Festival de Cannes em 2007 e o Carrosse d’Or em 2009, além de ser a primeira diretora japonesa a participar do júri do festival. Aproveite para assistir abaixo “Katatsumori“, um dos curtas da diretora de 1994, em que ela aborda sua relação com sua avó.

Miwa Nishikawa (1974) fez graduação na Universidade de Waseda, onde se conectou ao cinema e iniciou sua carreira com a mentoria de Hirokazu Koreeda, permanecendo até que a parceria acabou em 2002, quando seu primeiro filme “Wild Berries” foi aos telões. O filme traz o retrato de uma família comum no momento em que um filho retorna a casa depois de muito tempo longe. 

Miwa disse que assistia muitos filmes de ação de Hollywood e acredita que filmes deveriam ser algo para deixar as pessoas felizes e atraídas. No entanto, após assistir o filme “Violent Cop” (1989), de Takashi Kitano, percebeu que na verdade o principal era colocar seu coração no processo de gravação de um filme.

A diretora Miwa Nishikawa
Diretoras japonesas: Miwa Nishikawa (Foto: Reprodução)
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Naoko Ogigami é graduada na Universidade de Chiba e após sua formação foi aos Estados Unidos para aprofundar os estudos sobre cinema na Universidade do Sul da Califórnia. Enquanto estava nos EUA, trabalhou como assistente para comerciais de televisão e vídeos promocionais, e continuou criando e produzindo seus próprios curtas. Voltou ao Japão em 2000 e quatro anos depois lançou seu primeiro filme, “Yoshino’s Barber Shop”. 

A diretora japonesa Naoko Ogigami
Diretoras japonesas: Naoko Ogigami (Foto: Reprodução)

Os filmes de Naoko são conhecidos por trazerem “cura emocional”, com narrativas minimalistas, além de elementos recorrentes como estrangeiros tentando lidar com lugares e realidades novas, como podemos ver no longa-metragem “Restaurante Gaivota” (Kamome shokudô, 2006), por exemplo. Já em “Alugam-se Gatos” (Rentaneko, 2012) vemos animais fofinhos cujo afeto pode ser terapêutico.

Entretanto, outra peculiaridade no universo cinematográfico de Naoko é que seus filmes são gravados na luz do dia, às vezes até com a claridade estourando nas telas, e a diretora sempre segue seu roteiro, minuciosamente planejado por ela.

O foco em mulheres protagonistas também está bastante presente nos filmes da diretora. Em um dos filmes mais conhecidos de Ogigami, “Entre-Laços” (Karera ga honki de amu toki wa, 2018) traz o encontro de uma criança com a namorada transexual de seu pai. No entanto, embora a ideia seja interessante, alguns pontos precisam ser criticados. Rinko (Toma Ikuta) é interpretada por um homem cisgênero, que se veste com roupas tidas como femininas, sendo então um trans fake. Além disso, a feminilidade exacerbada da personagem, como se fosse o único meio de aceitação, incomoda um pouco.  

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Cena do filme "Entre-Laços", de Naoko Ogigami
Cena do filme “Entre-Laços”. (Foto: Reprodução)

A potência da nova geração no Japão: Yamanaka e Andô

Yoko Yamanaka (1997) fez seu primeiro filme aos 19 anos e lançou “Amiko” em 2017. A ausência dos pais no desenvolvimento de Amiko (Aira Sunohara), além dos monólogos interiores com tons cínicos e auto depreciativos, que fazem com que o filme soe como uma comédia stand-up, são alguns dos pontos que mais aproxima o público à sua obra.

Alguns dizem que “Amiko” é como uma espécie de “Lady Bird” japonês de um jeito lo-fi, afinal, o filme foi feito com 2.500 dólares e um quinto do valor foi usado para consertar um carro que bateu durante as filmagens. 

Yoko Yamanaka - diretoras japonesas
Diretoras japonesas: Yoko Yamanaka (Foto: Reprodução)

Em 2019, Yoko lançou “See You on the Other Side“, filme sobre um relacionamento poligâmico entre duas mulheres e um homem, longa que reafirma a capacidade de Yoko de construir personagens femininas potentes e ativas. A diretora também participou de uma coletânea de curtas com outras diretoras asiáticas, lançado em 2018 e intitulado “21st Century Girl“.

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Outra diretora dessa nova geração é Momoko Andô (1982), que traz críticas pontuais à sociedade japonesa em seus filmes. Seu primeiro longa “Kakera: A Piece of Our Life” (2009) narra a história da ligação entre uma jovem estudante cujo namoro não a leva em lugar nenhum e uma artista médica bissexual que faz réplicas de partes do corpo. Elas se conhecem em um café e desenvolvem uma amizade quase imediata e, quem sabe, algo além disso.

O segundo longa da diretora é “0,5mm” (2014), um drama que expõe a apatia japonesa com a população idosa, ao mesmo tempo que retrata o envelhecer de forma sensível e cativante.

Momoko Andô - diretoras japonesas
A diretora Momoko Andô (Foto: Reprodução)

Com trabalhos incríveis, que representam com sensibilidade questões do Japão que precisam ser criticadas, como a prostituição, a população idosa, a transsexualidade, a poligamia e o protagonismo feminino, esperamos que tais diretoras japonesas sejam mais reconhecidas e inspirem outras para que cada vez mais a porcentagem de diretoras aumente, seja no cenário independente, seja no cenário mainstream.


Edição, revisão e arte em destaque por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Psicóloga, mestranda e pesquisadora na área de gênero e representação feminina. Riot grrrl, amante de terror, sci-fi e quadrinhos, baterista e antifascista.
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