Eternos: um ode à humanidade

Eternos: um ode à humanidade

Da primeira fala de Eternos até o instante final do longa, Chloé Zhao mostra personagens cujo heroísmo consiste em ajudar essa humanidade tão (im)perfeita. O filme, mais nova produção do Universo Cinematográfico da Marvel, servirá como introdução de não um, mas onze super-heróis. Os quais, foram criados por seres chamados de “Celestiais” e enviados à Terra para proteger a humanidade dos Deviantes, criaturas misteriosas e selvagens.

A história narrada é intercalada entre os eventos do presente e eventos do passado dos Eternos (que como o nome sugere, são eternos). Assim, quando eventos suspeitos – como abalos sísmicos intensos e Deviantes mais poderosos que o comum – passam a acontecer, eles terão de se reunir mais uma vez. 

Novos heróis, velhos dilemas

Eternos: Angelina Jolie, Richard Madden, Gemma Chan, Kumail Nanjiani, Brian Tyree Henry, Barry Keoghan, Lia McHugh, Lauren Ridloff, Salma Hayek
Cena do filme “Eternos” (2021) – Imagem: Reprodução

Ao chegarem no planeta Terra, a única missão dos eternos é proteger a espécie humana, mas sem interferir em suas escolhas. Pela primeira vez no MCU há a introdução de um grupo inteiro de super-heróis. Conhecemos assim cada um deles, mas também os conhecemos em conjunto. Tudo isso sob a direção da já conhecida e amada vencedora do Oscar, Chloé Zhao.

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Eternos não apenas discute os pontos já conhecidos de ser um super-herói (com grandes poderes vem grandes responsabilidades!) mas dilemas pouco explorados. Dentre os dilemas: o peso da eternidade, valores morais que regem a história do mundo, infância e o endeusamento de seres super-poderosos. Há, portanto, uma tentativa de ser mais profundo que os demais filmes da franquia, mas o filme é apenas uma introdução. Seria demais para um filme só? Afinal, antes mesmo de chegar ao público, conseguiu bater o recorde de pior avaliação no Rotten Tomatoes dentre os filmes do MCU. Resta assim a dúvida: Eternos cumpriu tudo o que se dispôs a fazer?

Eternos e a famigerada fórmula da Marvel

Depois de quase duas décadas de filmes sendo produzidos – todos seguindo uma mesma linha de criação -, alguns dizem que os filmes da Marvel perderam sua essência. Outros podem alegar que os filmes não perderam sua essência – pelo contrário, reforçaram sua essência insossa ao passo que foram esgotando a amada essência dos dilemas de ser um herói. Seja qual for a verdade (e muito possivelmente é uma terceira) é inegável que Eternos vem para romper com um padrão já criado. O filme apresenta uma narrativa mais densa, um ritmo mais lento e um roteiro rico em referências históricas e mitológicas.

Druig (Barry Keoghan) e Mikkari (Lauren Ridloff) em Eternos
Barry Keoghan e Lauren Ridloff no filme “Eternos” (2021) | Imagem: Reprodução

Dito isso, o filme se concentra em ser uma apresentação bela. Com direito a uma fotografia maravilhosa e diálogos muito bem redigidos. Tudo isso para conseguir criar e nos mostrar a essência desse grupo como um todo, e de seus personagens de maneira individual. No quesito da fotografia, o filme surpreende ao optar pela utilização de uma paleta muito diferente das usuais cores vibrantes da Marvel.

A representação dos poderes também é confortável e até prazerosa de assistir, com um bom uso dos efeitos sonoros e visuais. As lutas se mostram com propósito e os cenários são deslumbrantes e básicos ao mesmo tempo. Ou seja, de fato Eternos consegue ser um filme para ser lembrado, sendo tão épico quanto se dispõe a ser.

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Todavia, um dos únicos pontos em que o filme se perde é quando busca se encaixar em padrões que não lhe cabem. Sua edição deixa a desejar quando busca unir cenas muito destoantes, como as cômicas de Kingo (Kumail Nanjiani) com os momentos emotivos de Thena (Angelina Jolie), por exemplo. O tom que a diretora escolhe para o filme não necessariamente salva o desenvolvimento de sua mitologia, ou do processo de integrar o longa no MCU. Mas ainda assim, a grandiosidade de Eternos se sobrepõe, mostrando que até em suas cenas mais fracas a essência dos personagens continua viva.

O protagonismo de Sersi e outros desenvolvimentos

Um dos maiores desafios de construir um roteiro que desenvolva bem seus personagens – de maneira igual e não enjoativa – é a questão da quantidade inserida na narrativa. Onze personagens são um desafio e tanto para qualquer roteirista, por mais experiente que esse seja.

A escolha de MatthewRyan Firpo e da diretora foi de direcionar um certo protagonismo para Sersi (Gemma Chan): a jornada do herói é dela, o papel de líder e protetora, também. O que funciona muito bem na maior parte do filme. Ao mesmo tempo, cada um dos personagens exerce um tipo diferente de personagem. Temos o mais inteligente – lugar de Phastos (Brian Tyree Henry), a personagem mãe, como o caso da grande Ajak (Selma Hayek). E assim sucessivamente.

Sersi (Gemma Chan) em Eternos
Gemma Chan como Sersi no filme “Eternos” (2021) | Imagem: Reprodução

A dinâmica entre os personagens é fluída, quase aquele clichê de “família de deslocados”. Afinal, por mais que não aja parentesco real entre os heróis, é inevitável não criar laços com quem você convive há 7.000 anos. E por isso, graças a essa escolha de dinâmica, tudo se torna delicioso de ver. De uma forma geral, ficamos ansiosas para assistir uma maior interação entre os personagens, descobrindo sobre seus poderes e personalidades.

Sendo assim, cada personagem agrega um pouco mais na forma que o filme toma. Ikaris se mostra um parceiro tóxico, que não acredita no potencial de seus amigos e se vê no direito de “proteger” quem sequer precisa de proteção. Já Druig é responsável por trazer a tona debates sobre livre-arbítrio e a bondade humana.

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Portanto, inovar nem sempre é sinônimo de melhorar. Mas Eternos é fruto de um trabalho muito bem feito e mostra que nesse caso a Marvel acertou em cheio. O longa de Chloé Zhao é mais que um bom filme, é um presente.

Eternos é sobre pessoas, heroísmo e humanidade

Eternos, filme de Chloe Zhao
Cena do filme “Eternos” (2021) | Imagem: Reprodução

“É muito bonito, não é?”

A primeira fala do filme sintetiza o sentimento de busca que nos acompanha por 2 horas e 36 minutos: a procura por algo que não entendemos bem o que é. Ora parece ser a bondade na nossa espécie (se é que esta existe). Ora parece ser a busca pela humanidade em seres não humanos, mas incrivelmente parecidos conosco de muitas maneiras. No fim, parece que o que buscamos era a beleza, perceptível de imediato, mas que se perde quando lembramos da guerra, da miséria e dos preconceitos que destroem nossas sociedades.

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No fim das contas, a jornada de Eternos está em perceber que a beleza da percepção “humanidade” persiste mesmo depois do pior. E é por este motivo que merece ser salva. Em suma, a representatividade em Eternos não se dá apenas na escolha de elenco, mas na forma que eles levam suas vidas também, os problemas que os cercam.

Às vezes é preciso que se relembre porquê a humanidade merece ser salva. E é para isso que servem os heróis e as narrativas fantásticas: a partir do absurdo é que se nota o valor do básico, do calor humano, da gentileza e da empatia que só nossa espécie tem o privilégio de possuir. Antes do filme terminar por completo, lemos confortante anúncio: Os Eternos retornarão. A verdade é que mal podemos esperar para isso.

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Estudante de Letras na Universidade de São Paulo, apreciadora de boas histórias e exploradora de muitos mundos. Seus sonhos variam entre viajar na TARDIS e a sociedade utópica onde todos amem Fleabag e Twin Peaks.
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