A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas: sobre pais e filhas

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas: sobre pais e filhas

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas é uma animação de 2021, lançada como uma original da Netflix e produzida pelo estúdio da Sony Pictures Animation. Nessa obra indicada ao Oscar, as máquinas servem de pretexto para o amadurecimento não apenas da protagonista, mas também de seu pai. E da família como um todo.

A história se inicia com os conflitos de Katie (Abbi Jacobson) sobre a faculdade. Ela parece muito certa sobre o que deseja: se encontrar com os seus e ser compreendida. E encontra na faculdade e seu curso de cinema, um meio para consegui-lo. Mas, um conflito é travado em seu pai, que não consegue entender os porquês das escolhas da filha. No meio disso, uma Revolta das Máquinas se inicia, e a Família Mitchell terá que lidar com com suas próprias inseguranças se quiserem sobreviver.

Família Mitchell e a Revolta das Máquinas: sobre pais e filhas
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas | Imagem: Reprodução

AVISO: O texto pode conter spoilers leves do filme

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e o fracasso espelhado

“Provavelmente não existe epifania mais terrível do que o instante em que descobrimos que o nosso pai é um homem, de carne e osso.”

Embora a citação de Frank Hebert tenha sido feita em um contexto de ficção científica da década de 60, os dilemas da relação de pais e filhos é atemporal. Neste caso, a relação entre pais e filhas. É comum a representação do sentimento de decepção por parte dos filhos em descobrirem a fragilidade de seus pais. E há também a decepção dos pais em descobrirem que seus filhos não são uma nova versão de si, para viverem seus sonhos em seus lugares, ou acertar onde eles erraram.

Em A Família Mitchell e A Revolta das Máquinas existe o claro “conflito de gerações”, onde um não entende as prioridades do outro. Rick (Danny McBride), o pai, e Katie, a filha, são espelhos um do outro. Mas não são o mesmo. E é na adolescência em que as diferenças começam a se sobrepor, quando a filha demonstra em sua personalidade traços que o pai não reconhece de si. Ou aqueles que ele não quer reconhecer. Por isso, em certo ponto, Rick se exalta e diz: “Fracassar dói, filha“. Frase síntese do conflito. Afinal, os medos dos pais sobre as filhas refletem as próprias experiências que eles tiveram. As inseguranças podem variar, mas sempre afetam ambas as partes profundamente.

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animação da Netflix indicada ao Oscar
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas | Imagem: Reprodução

Paternidade e juventude feminina: um conflito

Além disso, há o conflito de gênero, uma vez que as figuras paternas, sob uma perspectiva patriarcal, representam uma força quase totalmente idealizada. A força da paternidade sempre é tida como uma força quase inumana, completo oposto de fragilidade, como se a demonstração de falhas significasse uma paternidade inferior. Já a filha, é representada por um ideal de feminilidade igualmente inalcançável. A delicadeza e submissão são qualidades geralmente atribuídas às filhas, oposto daquelas atribuídas aos pais.

Mas a quebra de expectativas sociais chega para ambas as partes. Tanto os pais, quanto as filhas, sofrem um doloroso processo de desconstrução daquilo que a sociedade espera que eles sejam. Contudo, nem todos os pais, e por consequência, nem todas as filhas, rompem o papel que é esperado deles. A masculinidade frágil que aos poucos é transformada na sociedade, ainda afeta muito o que os pais projetam para si mesmos.

Rick Mitchell é um homem forte nos sentidos mais profundos da palavra: ele abre mão do conforto do seu mundo pela filha que ama. O que claramente requer coragem dele. Ele é forte porque cede, ouve e admite seus erros. Mesmo que a princípio ele tente ser forte no sentido mais simplista: aquele que “protege” a família a qualquer custo por acreditar ser o detentor de maior sabedoria e, portanto, poder de escolha.

Mas a compreensão do outro é fundamental no processo de desconstrução, e Katie também faz parte dele, ao mostrar que a arte – a sua arte – pode não apenas ser útil, como poderosa. A fragilidade da filha traz peso na luta contra os robôs, além de inspirar a melhor parte do pai (que se sentia no fim, tão perdido quanto ela).

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O conflito entre a paternidade e a juventude feminina
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas | Imagem: Reprodução

Encontrando o nosso “bando”

“Os filmes eram a melhor companhia.”

Katie é tímida, criativa e se sente diferente de todos. Sua esperança é entrar na faculdade e lá encontrar o seu bando, aqueles que são como ela. No final do longa também é revelado que Katie é LGBTQIA+, e que está namorando uma de suas colegas. Mas o filme não a mostra saindo do armário. Há muitos traços na personalidade da personagem, e ser LGBTQIA+ é mais um deles.

Portanto, haviam muitas maneiras de Katie encontrar pessoas com quem se identificar, mas no fim ela acaba se identificando com sua própria família novamente. Após um desastre tecnológico de nível mundial, ela consegue se reconectar com suas raízes e ainda segue com seu sonho de ser uma cineasta. Diferentemente de histórias onde o personagem precisa escolher entre um caminho e outro, Katie descobre que existe um equilíbrio.

A sensação de urgência comum da adolescência é muito bem representada na trama. Katie se desespera para ser compreendida por alguém, e encontra isso onde menos esperava: em casa. Há um peso enorme nessa escolha narrativa. Nem todos os adolescentes encontram refúgio em casa, principalmente quando estes são diferentes (seja em estilo, escolhas, orientação sexual, religião e outros aspectos). Por isso, assistir sobre o acolhimento de uma menina por parte de seu pai e família é algo especial. É encontrar na ficção uma dose de esperança, um lado do amor paternal que, pela regra, nós não vemos. Pode parecer clichê dizer, mas o amor é o elo mais forte e mais frágil que liga pai e filha. Tanto na obra quanto para além da ficção. A liberdade com qual Katie é Katie inspira. De um jeito leve como apenas as animações sabem fazer.

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas | Imagem: Reprodução

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Estudante de Letras na Universidade de São Paulo, apreciadora de boas histórias e exploradora de muitos mundos. Seus sonhos variam entre viajar na TARDIS e a sociedade utópica onde todos amem Fleabag e Twin Peaks.
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