A Saga do Aranhaverso: um espetáculo estético e narrativo

A Saga do Aranhaverso: um espetáculo estético e narrativo

Homem-Aranha: No Aranhaverso foi lançado em 2018, sendo não só um sucesso de crítica e público como também um marco na indústria de animação. Em um cenário dominado pelo “visual Pixar” – Pixar Look, do inglês, que é “extremamente alta qualidade, baseado na física do mundo real e, em alguns casos, fotorrealista” – o primeiro filme da trilogia do Aranhaverso chegou com novas estética e técnica. Seu sucesso abriu portas para novos parâmetros e possibilidades para exploração da linguagem de animações.

O filme segue a história de Miles Morales (Shameik Moore), adolescente negro do Brooklyn, picado por uma aranha radioativa, que testemunha a morte de Peter Parker (Chris Pine), o Homem Aranha. A história se desenrola com Miles indo de encontro com outras pessoas aranha que foram lançadas em seu universo, apenas uma das muitas realidades existentes.

Os elementos são comuns às histórias de super-herói: multiverso, super poderes, um mentor, além da série de eventos que podem destruir o mundo. O refresco vem com um roteiro bem feito, personagens interessantes e uma explosão visual.

A revolução técnica de Homem-Aranha: No Aranhaverso

A estética do filme abraça a origem dos personagens: os quadrinhos. As escolhas de animação têm a intenção de emular não a realidade, mas o sentimento de leitura de uma HQ. O funcionamento da luz, a modelagem do cenário e a física do movimento não seguem uma guia realista – eles desenvolveram as próprias referências, com experimentação e machine learning para expandir as possibilidades técnicas.

Duas modelagens 3D: à direita, a cena não finalizada de Miles se lançando de um prédio. A cena ´´e cinemática e impressionante. À esquerda, a visão lateral do que seria a visão realista desses prédios - completamente desordenados e surrealistas.
Frame não finalizado de um salto de Miles – a perspectiva da cena é incrível, mas uma câmera lateral revelaria a disposição surreal dos prédios | Imagens: How Animators Created the Spider-Verse | Wired (2019)

As decisões de formato do filme são, além de visualmente bonitas, parte intrínseca de como a história é contada. Da paleta de cores às linhas de expressões das personagens, o Aranhaverso se torna uma experiência narrativa imersiva. Até mesmo as escolhas de velocidade de animação fazem parte da trama: Miles, antes de abraçar o manto do Homem-Aranha, é animado de forma ligeiramente mais lenta e fora de sintonia em comparação com as outras pessoas aranha. A velocidade varia no decorrer do filme, junto com as flutuações do herói.

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A sequência da saga, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023), seguiu a experimentação e quebra de parâmetros do primeiro filme, com o formato entrelaçada ao conteúdo. Vemos Miles, mais velho, reencontrando Gwen (Hailee Steinfeld), sua parceira de outro universo no filme anterior. Ele é introduzido à Sociedade Aranha, uma liga de pessoas aranha que luta para preservar o multiverso.

As fascinantes aranhas do Aranhaverso

O elenco de personagens do primeiro filme é forte e cômico, com personagens de estética distinta mas que funcionam bem juntos. Temos Spider Noir (Nicolas Cage), retratado apenas em p&b e com a dramaticidade noir dos anos 40; Spider-Ham ou Porco-Aranha (John Mullaney), um porco cartunesco; Peni Parker (Kimiko Glenn), adolescente em estilo anime que tem conexão telepática com uma aranha que habita um robô; o próprio Peter B. Parker (Jake Johnson), o Homem-Aranha clássico de outra dimensão, ligeiramente mais velho e cansado do que o original do universo de Miles.

A sequência não fica atrás: somos introduzidas ao Homem-Aranha 2099 (Oscar Isaac), Homem-Aranha da Índia (Karan Soni), o Spider Punk ou Punk Aranha (Daniel Kaluuya), dentre outros. O filme parte de um Miles Morales mais confortável com o manto de herói, e o confronta com o seu papel para muito além da sua vizinhança, no multiverso.

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Spider Punk, que usa o uniforme de Homem Aranha, moicano e coturnos, saltando com a guitarra na mão e chutando o ar, o fundo parecendo o impresso de quadrinho com uma colagem colorida.
Spider Punk, ou Punk Aranha – personagem levou 3 anos para ser animado, do conceito à execução | Imagem: Reprodução

As pessoas aranhas, ainda que unidas pelo canônico trágico do manto do Homem ou Mulher-Aranha, são diversas e interessantes. O roteiro abraça principalmente diversidade racial, criando personagens que não têm apenas fenótipos distintos, mas toda a bagagem cultural atrelada.

Miles é apenas um dos exemplos, sendo um jovem negro estadunidense e filho de mãe latina. Tanto ele quanto as outras pessoas aranhas trazem características inerentes, tornando a história mais brilhante e com pontos de vistas variados.

A riqueza visual também abraça essa riqueza de personagens. Frames que parecem uma colagem de revista ou então pintados quase que com um pincel não são apenas uma construção estética, mas também uma expansão da personalidade dessas pessoas aranha, e do impacto emocional da história. Tudo é construído de forma extremamente intencional, compondo uma figura maior.

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Spider Gwen está no seu quarto, braços abertos e olhar preocupado no meio do discurso, com o cenário pouco realista, como se tivesse sido pintado com pincel. Os tons principais são azul e rosa.
Gwen Stacy ou Spider Gwen, em cena do filme. Há especulação sobre a personagem ser uma mulher trans, pelas escolhas estéticas e easter eggs no filme  | Imagem: Reprodução

A Saga do Aranhaverso: forma e conteúdo, uní-vos!

A revolução desses filmes não é apenas técnica; ela vai além, com a criação de um novo referencial. A saga do Aranhaverso não poderia ser outra mídia além da animação – a forma foi essencial para a força do conteúdo. A direção artística foi capaz de abraçar a estética como um grande motor narrativo, com experimentações que criaram a linguagem única do filme. A animação se torna mais do que um meio: ela é, também, a história.

Desde então, outras animações de grandes estúdios têm se aventurado na experimentação estética, se afastando do “visual Pixar”: Arcane (2021), série da Netflix baseada em League of Legends, a Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021), filme nomeado ao Oscar de animação, entre outros. Com as portas abertas para novas linguagens visuais, o espaço pra criação se torna infinitamente maior.

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso foi lançado no dia 1o de junho no Brasil, e manteve a liderança na bilheteria nacional nas últimas duas semanas. Homem-Aranha: Além do Aranhaverso, terceiro filme da saga, está previsto para março de 2024.

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Bia é formada em economia, pesquisadora e escritora. Obcecada por internet e cultura, gosta de escrever para entender o mundo. É leitora assídua de todo tipo de ficção, ama debater filmes e faz perguntas sobre quase tudo - pelo prazer de buscar a resposta.
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