“A Mulher Rei” e a história que ninguém quer conhecer

“A Mulher Rei” e a história que ninguém quer conhecer

Lançado em 2022, o filme A Mulher Rei, protagonizado pela incrível Viola Davis, narra uma história africana sobre o reino de Daomé, atual República do Benin, na Guiné. A trama explora seu exército de guerreiras Agojie, onde apenas mulheres eram treinadas e aceitas para proteger o reino, expandir territórios e fortalecer fronteiras.

Ao longo do filme, seguimos a jornada da General Nanisca (Viola Davis) nos últimos anos do reino de Daomé. Enquanto ela treina um novo grupo de guerreiras, Nanisca lida com seus próprios traumas e dores, tanto como general quanto como mulher.

A trama principal de “A Mulher Rei”

Uma característica interessante da trama é que, apesar de focar na saga de Nanisca, os eventos não se limitam apenas a ela. A narrativa também aborda a filha perdida de Nanisca, fruto de um estupro ocorrido quando a General foi prisioneira do exército rival. O filme também explora a vida das outras guerreiras e as circunstâncias que as levaram até lá.

Além disso, é fascinante notar como o filme insere de maneira sutil, porém natural, algumas cenas que fazem referência a rituais e crenças das religiões de origem africana.

Assim como muitos filmes retratam cenas em igrejas e templos sem a necessidade de mencionar ou explicar a religião do personagem, A Mulher Rei apresenta a crença das guerreiras em diversos momentos da trama – é isso tem muita força!

General Nanisca (Viola Davis) em "A Mulher Rei" (2022)
General Nanisca (Viola Davis) em A Mulher Rei (2022) | Reprodução

Outro tema controverso abordado pelo filme é o comércio de escravos praticado pelo próprio rei de Daomé, Guezô (John Boyega), que, apesar de prometer acabar com tal prática em seu reinado, admitia que essa era a principal e mais rentável fonte de renda do país.

O filme também retrata a proclamação da primeira mulher como Rainha do Reino de Daomé, mesmo diante da escassez de registros históricos sobre o evento. Não se preocupe, evitaremos spoilers caso você ainda não tenha assistido.

Baseado em eventos reais, A Mulher Rei é um ótimo filme de ação que aborda temas fortes e sensíveis, destacando as Amazonas Africanas, verdadeiras Spartanas da África.

O desenvolvimento do roteiro é cuidadoso e bem executado, causando incômodo somente em uma minoria intolerante e em uma pequena parcela de Hollywood, que talvez não esteja acostumada a ver mulheres negras descendo o braço nos homens héteros. 

As verdadeiras guerreiras Agojie retratadas em “A Mulher Rei”

Pode parecer inacreditável, mas as guerreiras Agojie realmente existiram! E sim, possuíam toda a potência e poder que normalmente associamos a exércitos masculinos, até os dias atuais.

Essa força feminina surgiu da necessidade do reino de Daomé por mais guerreiros, uma vez que seu exército masculino anterior sofreu muitas baixas e vários homens estavam sendo vendidos como escravos.

As mulheres foram treinadas da mesma forma que os homens, seguindo os mesmos padrões. Na verdade, demonstraram ser mais fortes e resistentes à dor – algo absolutamente normal, não é mesmo, manas?

As verdadeiras guerreiras Agojie retratadas em "A Mulher Rei"
As verdadeiras guerreiras Agojie | Imagem: Hypeness

As Agojie, algumas voluntárias e outras compelidas por suas famílias, passavam por um rigoroso treinamento de combate desde jovens. Somente as mais habilidosas eram selecionadas para integrar o exército principal. Após a fase de treinamento, havia uma seleção das novatas, com testes de força e combate, e somente as escolhidas se tornavam guerreiras de fato.

Havia algumas restrições para as guerreiras. Elas não podiam ter relacionamentos ou casar-se com homens, tampouco formar uma família – algo que, surpreendentemente, ecoa a expectativa que recai sobre as mulheres até os dias atuais.

No entanto, historiadores relatam que, mesmo assim, desfrutavam de certas regalias, como acesso irrestrito a bebidas alcoólicas, tabaco e até encontros secretos com homens. Isso é curiosamente similar ao estereótipo que frequentemente associamos aos exércitos masculinos, tanto na ficção quanto na realidade.

Durante o filme vemos uma clara separação entre dois grupos de mulheres: as esposas do rei e as Agojie. As esposas tinham mais regalias e uma vida mais confortável, já as Agojies tinham o respeito e confiança do rei e do povo.

As Agojie: guerreiras de “terceira classe”

O filme A Mulher Rei retrata uma distinta divisão entre dois grupos de mulheres: as esposas do rei e as Agojie. As esposas desfrutavam de mais privilégios e uma vida mais confortável, enquanto as Agojie gozavam do respeito e confiança do rei e do povo.

No entanto, historicamente, as Agojie eram consideradas esposas do rei, porém de “terceira classe”. Isso explica muitas das regalias que elas possuíam enquanto guerreiras.

Outro fato notável sobre as Agojie é que, durante a invasão de outros territórios, elas se abstinham de matar mulheres e crianças. Reféns e assassinatos eram dirigidos exclusivamente contra os homens.

As guerreiras Agojie. O reino do Daomé ostentava um exército de 6 mil mulheres.
O reino do Daomé ostentava um exército de 6 mil mulheres | Imagem: Hypeness

Esse exército extraordinário atingiu seu apogeu por volta de 1840, aproximadamente o período retratado no filme A Mulher Rei, e teve seu declínio logo após isso, durante a batalha contra os franceses no final do século XIX.

Infelizmente, a autonomia conquistada pelas mulheres e suas posições de destaque na sociedade foram perdidas durante a colonização pós-guerra, assim como suas descendentes se perderam ao longo do tempo.

Trata-se de uma história impressionante de poder feminino. Para as mais curiosas, é possível encontrar mais detalhes sobre as Agojie em pesquisas e livros, como Amazons of Black Sparta de Stanley B. Alpern.

A representatividade negra feminina no filme

Cena de A Mulher Rei (2022)
Cena de A Mulher Rei (2022)

É quase uma constatação óbvia, porém essencial mencionar que todo o elenco do filme é composto majoritariamente por artistas negros. Muitas das talentosas atrizes negras, inclusive, já são reconhecidas de outros filmes, como o notório Wakanda Para Sempre. Curiosamente, esse último também destaca um esplêndido exército principal de proteção ao rei, composto exclusivamente por mulheres.

Leia também >> Pantera Negra: o filme que esperei a vida inteira para ver 

Além do crescente destaque das atrizes negras nas telonas, é relevante ressaltar que, nos bastidores do cinema, também testemunhamos uma profunda representatividade. A direção do filme foi confiada a Gina Prince-Bythewood. Se esse nome soa familiar, é porque Gina também esteve à frente de obras como The Old Guard, estrelado pela espetacular Charlize Theron, e A Vida Secreta das Abelhas, filme no qual Viola também integrou o elenco.

A autoria do roteiro foi confiada a Dana Stevens, conhecida por trabalhos como Uma Vida em Sete Dias e Paternidade. É evidente que esse processo contou com a colaboração de outras mulheres talentosas, como Maria Bello.

A potência de Viola Davis em todos os papéis que representa

Viola Davis
Viola Davis | Imagem: Reprodução

A potência de Viola Davis já não impressiona mais, dado seu inegável talento para desempenhar absolutamente qualquer papel! Entretanto, nunca é demais enaltecer essa musa.

Viola não se limita a interpretar papéis de escrava ou personagens sofredoras. Pelo contrário, para aqueles que não notaram sua presença em filmes como Esquadrão Suicida ou Comer Rezar e Amar, é altamente recomendado rever esses filmes.

A atriz já conquistou um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua atuação em Um Limite Entre Nós, em 2017, e um Emmy por seu desempenho na série Como Defender um Assassino, em 2015. Além disso, sua inspiradora trajetória é retratada na biografia Em Busca de Mim.

Leia também >> Annalise Keating e a construção da mulher vítima, agente e defensora 

A estreia do filme foi um verdadeiro espetáculo à parte, realizada no Teatro do Copacabana Palace. O evento contou com a participação de renomados atores negros, como Erka Januza e Antônio Pitanga. Os anfitriões do evento não poderiam ser outros senão Thais Araujo e Lázaro Ramos, recebendo com grande honra Viola Davis. Que momento!

Apesar das recepções positivas, ao que parece, o filme não encontrou uma resposta tão calorosa do público. Com pouca abordagem na mídia e escassa divulgação entre amigos, fica a impressão de que filmes com protagonistas guerreiros só são realmente valorizados quando são personagens masculinos da Marvel.

Todas essas considerações nos levam a concluir que, caso você ainda não esteja convencido da qualidade de A Mulher Rei, esse filme merece ser assistido por um motivo simples: Viola Davis. Ela é o grande diferencial que faz valer a pena!

Colagem em destaque: Beatriz Dota para o Delirium Nerd.

Escrito por:

7 Textos

Produtora de conteúdo para web que combina conhecimento técnico com criatividade e muita nerdice. Contribuindo para a produção, revisão e atualização de artigos.
Veja todos os textos
Follow Me :