Umurangi Generation: o que fazer quando o mundo está morrendo

Umurangi Generation: o que fazer quando o mundo está morrendo

Umurangi Generation é um jogo que motiva os jogadores a compartilharem suas fotos. Dessa forma, foram utilizadas no texto fotografias feitas por jogadores e compartilhadas no Twitter e na Steam.

Umurangi Generation: um tutorial que virou jogo

Nas últimas décadas, a longa trajetória da fotografia experimentou um crescimento exponencial em sua acessibilidade, e, como resultado, sua popularidade atingiu um ponto que beira a banalização. Hoje em dia, qualquer pessoa pode capturar imagens e compartilhá-las com o mundo com apenas alguns toques na tela de seu celular.

Entretanto, em meio a essa facilidade, muitos ainda preferem fotografar com um maior controle sobre cada um desses aspectos, seja por motivos profissionais ou por pura paixão. A inspiração para criar Umurangi Generation surgiu quando Naphtali Faulkner estava ensinando seu primo mais novo a usar uma câmera DSLR e percebeu que suas explicações se assemelhavam a um tutorial de um jogo.

A premissa do jogo é simples: a cada fase, o jogador embarca em uma busca pelo cenário em busca de uma série de itens que foram contratados para fotografar, tais como pássaros, latas de tinta, palavras específicas, e muito mais.

À medida que o jogo avança, novos recursos para a composição das fotografias são desbloqueados, incluindo lentes fotográficas, como olho-de-peixe e grande-angular, bem como controles deslizantes que permitem ajustar parâmetros como saturação, efeito bloom e exposição.

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Foto tirada com e lente olho-de-peixe | Cena do jogo Umurangi Generation
Foto tirada com e lente olho-de-peixe | Fotografia de hal8KURAGE

A fotografia em Umurangi Generation

A incorporação da fotografia em jogos digitais não é uma novidade. Um exemplo notável é o jogo Pokémon Snap, um spin-off da famosa franquia de RPG, lançado para o Nintendo 64 em 1999. Nele, os jogadores exploravam ambientes habitados por versões renderizadas em 3D dos monstros da série, para fotografá-los.

Outros jogos, principalmente no gênero de terror, também fazem uso da fotografia como elemento central. Títulos como Fatal Frame (2001) e Phasmophobia (2020) usam a fotografia como método de detecção de espíritos. Em Outlast (2013), por exemplo, o jogador só pode enxergar no escuro através da visão noturna de sua filmadora.

Entretanto, em Umurangi Generation, a fotografia desempenha um papel diferente. Não só é a mecânica central do jogo, algo que também se via em Pokémon Snap, mas há uma ênfase especial em seu caráter subjetivo.

Nesse jogo, a fotografia é vista não apenas como uma forma de arte, mas como um meio de fotojornalismo. Essa abordagem é viabilizada pelos ambientes ricamente detalhados presentes em cada nível do jogo.

Environmental Storytelling

Cena do jogo Umurangi Generation
Soldados ensanguentados em uma lanchonete. Fotografia de Poi’s BF

Environmental storytelling, também conhecida como narrativa ambiental, refere-se à inclusão de elementos no ambiente de um jogo que indicam partes da história do mundo fictício.

O termo ganhou destaque na indústria de jogos a partir de um artigo escrito em 2000 por Don Carson, um designer que trabalhou no parque temático da Disney. Ele propôs que existiam semelhanças entre a elaboração de um parque temático e o desenvolvimento de um ambiente 3D em um jogo digital, sugerindo que os designers de jogos poderiam empregar algumas das mesmas técnicas.

Um dos segredos por trás do design de ambientes temáticos de entretenimento é que o elemento da história está infundido no espaço conforme um convidado passa por ele.

Em diversos aspectos, é o espaço físico que faz muito do trabalho de transmitir a história que os designers querem contar. Cor, iluminação e mesmo a textura de um lugar pode imergir o público em emoção ou pavor.

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Em Umurangi Generation, cada nível é repleto de detalhes, apresentando diversas personagens realizando ações variadas, como cidadãos comuns esperando o trem, soldados descansando, jovens dançando e moradores de rua dormindo no chão.

Além disso, o cenário conta com pichações contendo palavras de ordem, anúncios, notícias, grafites de arte maori, armas, sacos de corpos e garrafas azuis misteriosas. Através desses elementos, o jogador tem a liberdade de criar diferentes composições fotográficas.

Paredes com graffittis de arte maori
Paredes com graffittis de arte maori | Fotografia da autora

A política de Umurangi

Ao ler a página do jogo na Steam, somos informadas de que “Umurangi” é a palavra Te Reo para “céu vermelho”. Te reo é uma língua utilizada pelos maori, e Naphtali Faulkner pertence ao iwi (unidade social na cultura maori, que pode ser entendido como povo ou nação) Ngāi Te Rangi.

A cultura maori não está presente apenas no nome do jogo, mas também no uso de sua arte, principalmente representada através de grafites, e nos próprios personagens retratados.

O contexto sociocultural é um aspecto de extrema importância para se entender e apreciar Umurangi Generation. Em uma entrevista, Faulkner explica suas motivações políticas para a construção da narrativa do jogo:

O conceito da história do jogo e seus temas vieram da minha experiência com os incêndios florestais que aconteceram na Austrália e o trabalho de merda do governo não apenas na reação a eles, mas também de ignorar a questão da mudança climática por anos.

Entre junho de 2019 e maio de 2020, a Austrália testemunhou uma temporada de incêndios florestais particularmente intensa, que se estendeu por uma área de 243 mil quilômetros quadrados, destruindo milhares de casas e resultando em mais de 400 mortes diretas ou indiretas.

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Cena do jogo Umurangi Generation
Pichação com o texto “Rebeliões apenas começam quando policiais aparecem prontos para m****” (tradução livre) | Fotografia de kat cats

Aviso de spoiler nos parágrafos seguintes!

Uma crítica ao neoliberalismo 

Umurangi Generation conta a história do fim do mundo. Sua mensagem é política, uma crítica ao neoliberalismo e à maneira como os governos lidam com crises que afetam a população. No entanto, os objetivos de cada fase não refletem essa história. Os elementos que o jogador é convidado a fotografar parecem supérfluos e não estão relacionados à narrativa nem às críticas.

Por que o desenvolvedor criou um jogo tão político e não utilizou a mecânica dos objetivos das fases como um recurso para transmitir sua mensagem?

No mundo do jogo, os objetivos de cada fase representam encomendas feitas por um jornal. Sua aparente falta de importância, em meio a um contexto catastrófico, serve como crítica à própria mídia, que muitas vezes parece conivente com desastres.

Essa crítica é reforçada pela penalidade que o jogador recebe ao fotografar as garrafas azuis, que, no final do jogo, são reveladas como formas de vida que compõem a invasão alienígena responsável pelo fim do mundo.

Em vez de estimular a exploração e a busca por fotografias únicas e autorais por meio dos objetivos do jogo, o desenvolvedor optou por fazê-lo por meio do mecanismo de salvar as fotos tiradas durante o jogo no computador, sugerindo que o jogador as compartilhe nas redes sociais, inclusive marcando a própria página do jogo no Twitter.

Cidade rodeada de robôs gigantes | Cena do jogo Umurangi Generation
Cidade rodeada de robôs gigantes. Fotografia de srep-m3

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Dessa forma, o sistema de avaliação automática do jogo, que recompensa cada foto com uma quantia, perde seu valor. O que passa a ter importância são a composição, a originalidade e a interação com outros jogadores.

Faulkner explica que o design do jogo incorpora a ideia de “Design Respeitoso“, concebida pelo designer aborígene Norm Sheehan, uma abordagem que se baseia nos conhecimentos indígenas, contrapondo-se ao colonialismo ocidental e valorizando a comunidade em detrimento do designer individual.

No jogo, isso se manifesta na capacidade dos jogadores de decidir quais fotos tirar e quais são consideradas boas, em vez de delegar essas definições ao próprio jogo.

A arte como último reduto

Umurangi Generation se assemelha ao gênero de tiro em primeira pessoa, conhecido em inglês como “first person shooter” (FPS). No jogo, há um trocadilho com a palavra “shoot”, que além de significar “atirar”, também pode ser usada para “tirar foto”. O jogo retrata uma invasão alienígena, mas, ao contrário de outros FPSs, o jogador não combate os invasores com armas, mas sim com fotografias. Existe uma sensação de inevitabilidade.

Mesmo com o mundo à beira do fim, o jogador continua tirando fotos, enquanto os outros personagens continuam dançando e fazendo grafites. Apesar da mensagem pessimista transmitida pelo jogo, ele valoriza a arte, mostrando a autoexpressão como a última forma de resistência diante da catástrofe.

O jogador não combate os invasores com armas, mas sim com fotografias.
Imagem: Playism

As diversas formas de arte têm o poder de contar histórias, e a fotografia não é exceção. A ideia de que uma máquina fotográfica registra um objeto real pode levar as pessoas a acreditar que as fotos simplesmente representam a verdade.

No entanto, é importante compreender que a fotografia não é uma representação objetiva da verdade. Ela carrega camadas de subjetividade, transmitindo sua mensagem por meio de uma série de escolhas, incluindo ângulo, iluminação e pós-tratamento.

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Em Umurangi Generation, aprendemos isso na prática, buscando os melhores ângulos para criar composições que contem a história que desejamos narrar.

Percebemos que os diversos efeitos não apenas tornam a imagem mais esteticamente agradável, mas também adicionam novos significados: uma foto mais escura pode sugerir um tom mais sombrio, enquanto cores avermelhadas podem transmitir a intensidade de uma cena com mais precisão.

Conclusão

Umurangi Generation é um jogo com uma mensagem política forte e explícita. Além disso, proporciona uma experiência única de fotografia no mundo digital. Embora os jogos tenham explorado a fotografia por mais de duas décadas, este jogo se destaca pela ênfase na subjetividade do meio.

Pessoas dançando ao lado de uma caixa de som, ao redor de uma pichação com os dizeres "m*** fascistas"
Pessoas dançando ao lado de uma caixa de som, ao redor de uma pichação com os dizeres “m*** fascistas”. Fotografia da autora

Os elementos políticos, apresentados por meio do environmental storytelling (narrativa ambiental), desempenham um papel fundamental nisso, motivando os jogadores a explorar os níveis em busca de ângulos e composições únicos. A possibilidade de compartilhar as fotos tiradas no jogo nas redes sociais é mais um incentivo para que os jogadores busquem capturar imagens autorais e originais.

No jogo, a história da catástrofe acontece de forma independente do jogador. Como muitas vezes no mundo real, nos sentimos pequenos diante da magnitude dos eventos. Umurangi Generation nos ensina que, mesmo em meio a um mundo caótico, podemos criar e contar nossas próprias histórias.

No jogo, a narrativa da catástrofe se desenrola independentemente das ações do jogador. Como muitas vezes na vida real, nos sentimos pequenos diante da magnitude dos acontecimentos. Umurangi Generation nos ensina que, mesmo em um mundo caótico, temos a capacidade de criar e contar nossas próprias histórias.

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Designer com um mestrado sobre joguinhos em andamento. Ama narrativas em todas as formas que podem assumir.
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