A sensibilidade melancólica de Ímpar, criadora de Plante Meus Ossos

A sensibilidade melancólica de Ímpar, criadora de Plante Meus Ossos

O trabalho de Ímpar é um afago para os amantes da melancolia, aqueles que exploram a morte com olhos curiosos e uma mente aberta para as possibilidades do mundo.

Inspirada pela literatura gótica e em uma mistura de vida e decadência, Plante Meus Ossos aborda temas profundos e inquietantes. E, para mergulhar de cabeça no trabalho desta artista plástica de Curitiba, nada melhor do que ouvir diretamente da criadora em uma entrevista repleta de curiosidades.

Ímpar, a mente e os traços por trás de Plante Meus Ossos (Foto: Reprodução)

Delirium Nerd: Ímpar, como surgiu o nome “Plante Meus Ossos”? Acho simplesmente genial! E isso me leva a pensar em como você se deparou com a temática da morte em harmonia com a vida. É muito claro que seu trabalho não é simplesmente sombrio, mas que traz uma relação sensível com essa esfera tão mistificada que é a morte.

Plante Meus Ossos: Primeiramente, fico muito feliz pelo convite e por marcar presença nesse projeto tão lindo que é o Delirium Nerd!

O nome Plante meus Ossos surgiu de uma mistura de interesses, a morbidez e a mitologia em torno da morte sempre estiveram presentes nos conteúdos que consumo, sabe? Filmes de terror, literatura, poesia gótica e a própria experiência de vivenciar a morte em si. Por conta disso, comecei a me aprofundar no estudo da decomposição, insetos e botânica.

Gosto muito de escrever minhas divagações em cadernos e, em uma madrugada, em meados de 2021, comecei a refletir sobre o ato de enterrar um corpo e o que acontece com ele após semanas, meses e até anos.

Do meu ponto de vista, o corpo simplesmente retorna ao coração do mundo, e, por meio do processo de desintegração da carne, alimenta a terra ao nosso redor, dando origem a novas vidas. Vejo isso como um ciclo extraordinariamente belo, ou seja, enterrar é como plantar.

Por isso, meu trabalho não se limita a falar sobre a morte e criar personagens e cenários melancólicos de horror. Faço questão de trazer sensibilidade à temática por meio da botânica e de uma tradução visual poética.

Obra “Pelo desconhecido”, de Ímpar (Plante Meus Ossos) | Disponível aqui!

O que mais me diverte ao pensar nesse questionamento sobre a origem do nome é que, normalmente, minhas ideias simplesmente surgem enquanto estou imersa em um ato criativo, no meio da nébula.

Não foi um brainstorming, onde eu estava simplesmente tentando descobrir que nome dar, como os publicitários e as pessoas do marketing fazem, sabe? Plante Meus Ossos surgiu em uma de minhas madrugadas silenciosas e criativas. Claro que acredito que é um resultado de inúmeras influências que absorvi, mas a ideia veio e eu a abracei.

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DN: Incrível que, em um mundo tão permeado pelo digital, você escolha criar suas obras com nanquim e bico de pena! No seu site, fica claro que suas influências derivam da literatura clássica e dos contos de terror da era vitoriana. Como você encontrou seu estilo melancólico clássico?

Plante Meus Ossos: Sim, realmente amo criar no modo tradicional, e a ideia do bico de pena literalmente “rasgar” o papel traz uma força no meu processo criativo que, sinceramente, é inexplicável!

Adoro declarar que sou devota ao horror. Sempre foi um tema que cativou meu interesse, pois desde criança consumi filmes e animações nesse gênero. Isso me levou de forma natural à literatura. Sempre fui uma ávida leitora, abrangendo diversas temáticas, mas ainda sentia que não tinha encontrado meu interesse principal na literatura, sabe?

Até o momento em que meu professor e querido amigo, Fabricio Vaz Nunes, durante um curso de Literatura Gótica na universidade que frequento, recomendou o livro O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte, fiquei simplesmente obcecada. Foi nesse ponto que me descobri pela primeira vez.

A partir desse momento, comecei a pesquisar e estudar artistas de épocas passadas que trabalhavam com bico de pena e tinta nanquim, ilustrando livros! Conforme aprofundava meu conhecimento, mergulhava tanto na literatura vitoriana quanto na ilustração em si, misturando as temáticas de meu interesse. Foi assim que descobri autores da Era de Ouro da Ilustração, como Harry Clarke.

Esse foi um dos momentos principais de obsessão em meus estados imaginativos e criativos, que me levou a encontrar o que realmente gostaria de criar.

Obra de Harry Clarke, uma das inspirações de Ímpar (Foto: Reprodução)

DN: Ainda sobre as influências da literatura clássica, você tem uma forte ligação com a Mary Shelley e a Virginia Woolf, certo? Você se recorda da primeira vez que leu obras delas e do impacto que causaram?

PMO: Nossa, foram simplesmente as melhores experiências literárias que tive até hoje, e adoraria voltar àquele momento da primeira leitura, é impagável. Sim, Shelley e Woolf influenciaram totalmente não só no ato criativo, mas também minha maneira de perceber o mundo. Elas me forneceram novas lentes para enxergar tudo ao meu redor.

Mary, com sua melancolia e sensibilidade, explorando temas como a criação de seres vivos e o sofrimento mais profundo. Virginia, com seus textos que são milhares de tapas na cara sobre a experiência feminina, reflexões sobre o comportamento e, acima de tudo, o fluxo de pensamento equilibrando brutalidade e delicadeza.

Elas foram as responsáveis por me introduzir à literatura feminina, e essas magníficas experiências sob a perspectiva do feminino me inspiraram a traduzir essas sensações na arte que produzo. Há ainda muito a ser explorado.

Aprender sobre o fluxo de pensamento no contexto literário, graças a Woolf, me influenciou a traduzir essa abordagem em minha criação visual. Essas duas autoras são a chave principal da minha perspectiva de mundo e da minha arte.

Obra "O Horror", de Ímpar/Plante Meus Ossos
Obra “O Horror”, de Ímpar (Plante Meus Ossos) | Disponível aqui!

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DN: Em seu #meettheartist no Instagram, você mencionou sempre ter um recipiente para insetos em sua bolsa. Seu trabalho dialoga muito com a botânica, e uma das frases mais marcantes em suas ilustrações é “todo jardim é um cemitério secreto“. Como tudo isso se relaciona e o que a motivou a usar elementos da natureza para abordar a melancolia?

PMO: Acredito que os animais têm muito a nos ensinar, e percebo um distanciamento significativo entre os seres humanos e a natureza, incluindo sentimentos de medo e nojo, entre outros aspectos.

Ao consumir obras literárias como A Vegetariana e Sobre os Ossos dos Mortos, bem como filmes poéticos, como os de Andrei Tarkovski, onde os autores têm uma relação direta e íntima com a natureza, fui levada a refletir e, mais do que isso, a me inspirar. Essas obras mostraram que a conexão entre natureza e melancolia é uma realidade a ser experimentada, além de explicada.

Um fato curioso: desde criança, eu fui aquela garota estranha que adorava pegar insetos com as mãos e libertá-los. Agora, sou uma colecionadora de carcaças. Acredito que minha neurodivergência me proporciona uma ótica diferente sobre diversos assuntos.

Na perspectiva que sigo, simplesmente não consigo separar a botânica, os insetos e a natureza em si da melancolia. Para mim, tudo isso está intrinsecamente relacionado, e é um estado de poesia que ultrapassa o entendimento por si.

A beleza das florestas, a dança das plantas, o bater das asas dos pássaros, as milhares de cores e texturas que todos eles nos proporcionam fazem parte desse diálogo entre ambas as temáticas, que é, para mim, um assunto infinito.

“Coelho”, marca página | Disponível aqui!

DN: Você participa frequentemente de feiras e exposições, e deve ser interessante observar as reações das pessoas pessoalmente diante de sua arte, algo que não tem a mesma dimensão na internet. Como é participar desses eventos? E como as pessoas podem entrar em contato para convidá-la a expor?

PMO: É sempre uma surpresa ver como públicos de diferentes regiões, idades e bagagens reagem ao meu trabalho. Sinceramente, é a melhor coisa do mundo dialogar pessoalmente com quem está vendo minhas obras, compreender o que gostam e o que os surpreende. Além disso, é uma oportunidade incrível para compartilhar sobre minhas criações e trocar ideias. Sempre saio desses eventos com o coração quente e feliz.

A melhor forma de me contatar para exposições, feiras e eventos artísticos é através do e-mail ([email protected]), pois isso me permite organizar melhor os projetos. Mas também estou sempre disponível no Instagram. Adoro participar dessas iniciativas, pois elas me trazem grande satisfação. Ter a oportunidade de compartilhar e apresentar meu trabalho, bem como criar novas conexões reais com as pessoas, é impagável.

Seleção de produtos disponíveis aqui!

As criações únicas de Ímpar abrem novas portas para a vivência da morte, e suas reflexões nos ensinam sobre a apreciação das pequenas coisas, dos silêncios e das estranhezas da vida. Convidamos todos a acessarem seus links, loja, portfólio, redes sociais e Catarse, organizados abaixo:

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Psicóloga, mestranda e pesquisadora na área de gênero e representação feminina. Riot grrrl, amante de terror, sci-fi e quadrinhos, baterista e antifascista.
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