Na Celebration Tour, Madonna prova que nunca vai perder a majestade

Na Celebration Tour, Madonna prova que nunca vai perder a majestade

Na Celebration Tour, Madonna se entrega e se emociona. Acima de tudo, ela lembra a todos, talvez esquecidos, que foi ela quem abriu caminho para que as próximas gerações pudessem correr. Nessa tour, a artista olha para o passado com carinho e gratidão, finalmente em paz com seu presente.

Celebration é um espetáculo grandioso e, ao mesmo tempo, uma experiência extremamente pessoal. “Esta é a história da minha vida, e eu a conto com música, dança e moda“, disse Madonna ao público de Lisboa. E, em uma vida como a dela, arte, carreira, família, sexo e política se entrelaçam.

Ao longo de duas horas e vinte minutos de espetáculo, ela relembra amigos perdidos para a AIDS, presta homenagem à própria mãe e exibe orgulhosamente o talento dos filhos Mercy, David e Estere. Cada música do show é icônica. Mais do que hits, são marcos históricos, tanto na trajetória da própria artista como na do mundo nas últimas quatro décadas.

Poster oficial da Celebration Tour
Imagem: Reprodução

O Celebration Tour é uma viagem pela história do pop!

Os shows de Madonna têm uma reputação de sempre atrasarem, e não são pequenos atrasos. Na etapa lisboeta do Celebration Tour da Madonna, o público aguardou por uma hora e meia, um comportamento que contrasta com o profissionalismo pontual de outras divas pop, como Lady Gaga ou Beyoncé, que entram em cena seguindo rigorosamente o horário programado.

A frustração de alguns espectadores, incluindo o autor brasileiro de novelas Aguinaldo Silva, que expressou sua indignação em um post, foi notada no show do dia seis de novembro. No entanto, a imensa maioria do público que lotou a confortável e relativamente pequena Altice Arena esperou pacientemente e foi recompensada. Ao final da última música, a demora parecia ter sido esquecida, dando lugar à emoção vivida durante o espetáculo.

O início estava programado para às 20h30, mas foi somente às 22h que o mestre de cerimônias Bob The Drag Queen, vencedor da oitava temporada de RuPaul’s Drag Race, entrou pelo meio da pista para anunciar o início dessa jornada pela história do pop. Ao longo do show, a drag retorna ao palco para protagonizar pequenos intervalos, quase teatrais, apresentando cada um dos segmentos em que Celebration se divide.

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A plateia prende a respiração explode quando Madonna aparece, majestosa em uma capa preta bufante, auréola dourada e sorriso radiante, entoando Nothing Really Matters. É ela, é real. Está acontecendo.

Logo em seguida, vêm Into the Groove e o segmento sobre a Nova York dos anos 80, no qual Madonna toca guitarra e relembra que iniciou sua carreira no icônico templo punk CBGB. Além disso, ocorre a primeira interação com a plateia, quando um fã brasileiro grita “gostosa”, e ela responde: “gostosa I understand, that must have been a brazilian“.

Sexo, lutas e metáforas: de Erotica a Justify my Love

 

A produção do show é monumental, mas cuidadosamente elaborada para que a tecnologia e os efeitos complementem a música e a dança, sem se sobrepor a elas.

Em duas músicas, Madonna sobe em um nicho vazado, de onde voa sobre a plateia. Durante Bedtime Stories, música de 1994 composta por Björk, ela canta deitada sobre um cubo luminoso, e apenas sua projeção é vista nas laterais da estrutura. São apenas alguns minutos, mas a ausência física da estrela chega a ser sentida.

Para Erotica e Justify my Love, suas músicas mais sensuais, ela se distancia do storytelling mais óbvio. O corpo de baile, nu da cintura para cima, veste luvas de boxe. Mais do que erotismo, transmite conflito.

Somente ao final da coreografia, Madonna deita-se em uma cama vermelha com uma dançarina mascarada, que usa rabo-de-cavalo e o icônico sutiã cônico de Blonde Ambition. Finalmente, as duas se envolvem em uma simulação de masturbação. Após muita luta, o amor próprio traz paz e prazer.

Quatro décadas de polêmicas

Os imensos telões são utilizados de forma estratégica. Em Live to Tell, projetam os rostos de milhares de pessoas, famosas e anônimas, vítimas da AIDS. Nas primeiras notas de Don’t Cry for Me Argentina, o telão principal é dominado pelo rosto de Che Guevara.

Ao longo da música, sucedem-se retratos de diversas personalidades, incluindo Simone de Beauvoir, Angela Davis, Malcolm X, David Bowie e até Sinéad O’Connor. Talvez este seja um pedido de perdão tardio, considerando que Madonna virou as costas para a irlandesa no momento em que ela mais precisava de apoio, durante o incidente em que rasgou a foto do Papa no Saturday Night Live.

O telão continua exibindo imagens de eventos como Stonewall, Black Lives Matter e protestos feministas. O bloco termina com a cantora erguendo o punho e as palavras “no fear”, sem medo.

Embora não seja uma ativista política, Madonna sempre apoiou uma única causa: a própria Madonna. No entanto, a cantora se vê como uma agente transformadora de ideias e costumes, e nisso, não está errada.

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Na Celebration Tour, a vida e a arte de Madonna são uma coisa só

Madonna vestida com um baby doll vermelho canta sentada sobre um piano, com a filha Mercy James vestida com um smoking preto tocando o instrumento.
Madonna canta “Bad Girl” acompanhada ao piano pela filha Mercy. Foto: Susana Cristalli

Em Vogue, o cenário se transforma em um ballroom, e a música se estende por cerca de dez minutos, com cada dançarino se apresentando para um júri composto por Madonna e um convidado especial, um amigo pessoal da diva.

Desta vez, foi o modelo espanhol Jon Kortajarena, e na noite seguinte, o estilista Jean-Paul Gaultier assumiria o papel. A última a andar na passarela e se exibir para o júri é Estere, a filha de 11 anos da cantora, uma exímia dançarina de vogue, que recebe a nota 10.

Neste show, não teve a presença de Lola León, mas Mercy James acompanha a mãe ao piano em Bad Girl, e David Banda toca violão em La Isla Bonita. “Há sete anos, eu me mudei para Lisboa para que meu filho pudesse jogar futebol, mas agora ele quer ser cantor. Pode isso, gente?“, diz Madonna, e por um momento, ela parece estar conversando com parentes na cozinha de casa.

Na Celebration Tour, Madonna encerra o show com Bitch, I’m Madonna, com cada dançarino e dançarina encarnando uma fase diferente de sua carreira. Não sobra espaço para os álbuns mais recentes, e, na verdade, eles não fazem falta. O fato de Madonna mesma deixá-los de fora é prova do quanto são considerados fracos.

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Vida longa e próspera à rainha!

Madonna canta sobre uma estrutura elevada enquanto os dançarinos giram en torno, vestidos com figurinos das várias fases da cantora.
Madonna, o corpo de baile e Bob the Drag Queen. Foto: Susana Cristalli

É impressionante como essa mulher, com 1,61m de altura e 65 anos, consegue irradiar tanto carisma enquanto mantém uma notável humanidade. Carregando o nome da Virgem Maria, sua energia é terrena, não infalível, mas sim resiliente. Uma diva que erra e aprende, cai e se levanta, guarda rancor e ama com paixão.

Ela está naquele palco porque precisa disso, sempre precisou, sempre quis. Nas suas próprias palavras, “I think the most controversial thing I have ever done is to stick around” (acho que a coisa mais transgressora que já fiz foi continuar por aqui).

É verdade que sua autoconfiança infinita e seu ego sem tamanho já a levaram a se equivocar inúmeras vezes. No entanto, a luz dela não está voltada apenas para si própria; ela deseja que todos brilhem junto com ela. Não é à toa que seus fãs a chamam de Mommy. Torcemos para que ela continue nos iluminando por muito tempo ainda, porque o mundo sempre vai precisar de Madonna.

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Redatora, formada em Jornalismo no início do século, moradora da internet, gosta de falar sobre coisas que não existem.
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