Não há motivos para esconder que tenho muito medo de filmes de terror e horror. É fácil me deixar assustada e quase sempre me perturbo com produções que meus amigos acham fáceis de assistir. Normalmente, fico com as histórias na mente por dias, ou seja, sou impressionável.
Tendo sua origem na literatura folclórica, o horror une os elementos sobrenaturais à vida cotidiana, com a aparição de fantasmas, vampiros, demônios e possessões. Autores como Mary Shelley e Edgar Allan Poe seguem sendo referenciados e consagrados até hoje como centrais para o gênero.
Apesar de muito antigo, a representação feminina, assim como a diversidade racial e sexual, segue deficiente e cheia de estereótipos. Esse texto traz algumas protagonistas marcantes e um pouco divergentes do lugar comum de filmes e séries de terror adaptadas de outras obras, principalmente literárias, para destacar a importância feminina nesse cenário dominado ainda por homens.
Coraline (Coraline e o Mundo Secreto – 2009)
Baseado no livro homônimo de Neil Gaiman, Coraline é uma menininha que encontra uma porta secreta em sua casa, que a leva para um mundo paralelo onde todos possuem botões nos olhos. As aventuras vividas por ela são tão mágicas quanto assustadoras e apesar de ser um filme infantil, ele é capaz de causar alguns arrepios em adultos.
Coraline é uma protagonista marcante por apresentar para o público infantil meninas que vivem aventuras, que se arriscam e buscam o que querem. Ela é curiosa, passa os dias explorando, não tem medo de se atrever e errar. Além disso, livro e filme são o entretenimento perfeito para medrosos já que a história não pega tão pesado por ser voltada ao público infantil.
Lorraine Warren (Invocação do Mal – 2013, 2016 e 2021)
Baseado no casal de demonologistas Ed e Lorraine Warren, a franquia Invocação do Mal adapta diferentes casos em que o casal se envolveu, sendo os mais famosos o da boneca Annabelle e da casa Amityville. Interpretada por Vera Farmiga na franquia, Lorraine sempre participa ativamente da resolução dos casos de seus clientes.
Na dinâmica das telas, entre Farmiga e Patrick Wilson, o casal divide bem seu papel de parceiros de trabalho. Lorraine não está lá para ser salva ou ser a isca, mas sim como uma agente de resolução dos mistérios. Ela investiga, discute e interpreta os possíveis sinais de atividade sobrenatural. É importante ver uma mulher em um papel para além do sofrimento nesse gênero.
Apesar de não ser adaptada a partir de nenhuma obra específica, mas sim dos casos vividos por Ed e Lorraine, existem diversos livros contando a história do casal.
Sabrina Spellman (O Mundo Sombrio de Sabrina – 2018 a 2020)
Uma das bruxas mais queridas da cultura pop, a nova versão de Sabrina deu um toque muito mais sombrio a história já amada por grande parte do público. A versão da geração Z de Sabrina é extremamente decidida, até mesmo teimosa, não medindo esforços para conseguir o que deseja, desde ajudar seus amigos com problemas cotidianos a salvar seu namorado no inferno.
Ainda que existam várias escolhas duvidosas de roteiro durante a série, Sabrina é uma protagonista marcante por seu carisma, paixão e vontades. Ela sempre é capaz de achar soluções para os seus problemas e tem noção de que é a heroína de sua própria história.
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A série também conta com diversas personagens femininas que se destacam como Rosalind, Prudence, tia Zelda, tia Hilda e Lilith. Além disso, partes da trama retratam às reivindicações femininas por mudanças na igreja de Satã, que era comandada por homens, e tia Zelda se dedica para fazer tais mudanças acontecerem.
Mesmo com diferentes demônios e o próprio capeta na maior parte da trama, O Mundo Sombrio de Sabrina também é uma boa dica para medrosas.
A série de streaming é baseada nos quadrinhos Chilling Adventures of Sabrina, lançados de 2014 até hoje.
Cecilia Kass (O Homem Invisível – 2020)
Baseado no romance de 1987 escrito por H. G. Wells, o filme de 2020 conta a história de Cecilia Kass (Elisabeth Moss) que foge da casa de seu namorado abusivo, o cientista Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen). O que ela não esperava era que ele iria encontrar uma forma de se tornar invisível e continuar a atormentá-la.
Cecilia já seria uma protagonista marcante somente pela interpretação de Moss, que, convenhamos, é impecável em tudo o que faz, mas a história surpreende ao subverter o romance de Wells, usando os contornos de um abuso psicológico para construir a narrativa.
Milhares de mulheres vivem situações parecidas com a de Cecilia todos os dias. No Brasil, durante a pandemia, uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência, de acordo com dados do Datafolha. Essa história de terror é mais do que real na vida delas, que são desacreditadas e têm dificuldade de conseguir auxílio, assim como a personagem de Moss.
O filme se utiliza muito bem da visão da sociedade sobre a mulher, que é sempre colocada em posição subalterna e desvalorizada. Cecilia, portanto, é marcante por representar a história de diferentes mulheres e lutar para ser a dona de seu destino.
Menção honrosa
Apesar do texto já contar com ótimas protagonistas, existem mais algumas que merecem ser citadas. Entretanto, as obras a seguir não foram adaptadas para outros formatos, ou seja, apenas existem em sua mídia original. Mas isso não muda a força e a presença dessas personagens no imaginário do público.
Verity (Verity – 2018)
A primeira e bem sucedida incursão da autora Colleen Hoover na literatura de suspense, rendeu a obra Verity. Apesar de não ser exatamente uma história de terror, mas sim um thriller, o livro apresenta a protagonista que dá o nome ao título, uma famosa autora de suspense que sofre um grave acidente e fica incapacitada de escrever.
Lowen, uma escritora de pouco sucesso, é convidada pela editora de Verity a ajudá-la a finalizar uma série de livros em andamento por um bom dinheiro. Mesmo sem nunca ter escrito nada do gênero, Lowen aceita por precisar do dinheiro e para isso resolve passar um tempo na casa de Verity, mergulhando no trabalho da autora. Quando Lowen encontra um manuscrito cheio de acontecimentos bizarros, cada detalhe da casa e família de Verity ficam mais assustadores.
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Verity é uma protagonista marcante por ser indecifrável. Colleen brinca muito bem com a imaginação da leitora ao induzir toda a narrativa da personagem para um caminho e revertê-la em seguida. Ela não é preto no branco e mesmo após o término da leitura, é possível ficar semanas pensando nos acontecimentos e pistas que podem ter sido perdidas. E ainda que passe a maior parte da narrativa muda e em uma cadeira de rodas, ela consegue ser extremamente assustadora.
Thomasin (A Bruxa – 2015)
Acredito que é quase impossível pensar em protagonistas marcantes do terror sem lembrar de Thomasin (Anya Taylor-Joy). Ambientado na Nova Inglaterra do século XVII, a história narra a vida de uma família, pais e 5 filhos, extremamente religiosa que acaba expulsa da comunidade onde vive. Se estabelecendo em um novo local, acontecimentos estranhos começam, como o desaparecimento repentino do bebê mais novo.
Com o aumento das dificuldades, o fanatismo religioso e a falta de comida, a família passa a acreditar que Thomasin é uma bruxa, se voltando contra ela. A personagem de Anya representa a forma como a figura feminina era, e ainda é, atrelada a bruxaria e vista imediatamente como a causadora de problemas.
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Para seus pais, Thomasin seria a culpada de todos os males por ser mulher, estando na posição mais frágil para ser corrompida. Ela é uma personagem marcante por não rejeitar esse papel, mas sim abraçá-lo. Thomasin passa a ver o poder de ser uma bruxa como uma dádiva e decide, portanto, não fugir dele.
O filme também é uma boa opção para medrosas, já que o objetivo aqui não é dar sustos, mas sim construir uma atmosfera visual e psicológica no terror.
Dani (Midsommar – O Mal Não Espera a Noite – 2020)
Por último, mas não menos importante, Dani, que fez o mundo se apaixonar por Florence Pugh. A protagonista de Midsommar já começa vivendo uma tragédia, após sua irmã decidir se suicidar e matar seus pais na mesma noite. Em um momento de profundo luto e angústia para ela, seu namorado Christian (Jack Reynor) a convida para uma viagem a uma comunidade remota na Suécia, que antes era destinada apenas a ele e seus amigos. As tradições do local são um pouco mais macabras do que imaginavam e Dani se vê presa nesse ritual sinistro.
A personagem é muito marcante por não ser vista somente como uma vítima, mesmo estando em um momento de dor. Dani também não é uma mocinha angelical. Sentimos empatia por ela exatamente por suas imperfeições, pois nem todas as suas atitudes vão ser consideradas corretas. O filme também explora o machismo de Christian, as traições entre os amigos e as relações femininas dentro da comunidade.