The Umbrella Academy – 3ª temporada: o fim do mundo mais desestruturado de todos

The Umbrella Academy – 3ª temporada: o fim do mundo mais desestruturado de todos

A irretocável segunda temporada de The Umbrella Academy foi lançada há dois anos e é claro que muita expectativa foi criada para as próximas temporadas. Porém, a terceira temporada chega tímida no catálogo do streaming Netflix. Apenas algumas semanas após o volume I da quarta temporada de Stranger Things, não houve marketing suficiente para que Umbrella Academy tivesse uma estreia tão grande quanto se aguardava.

Além disso, o orçamento, ainda muito menor do que o preciso para uma série que adapta uma HQ de fantasia, se reflete nos efeitos visuais ultrapassados. E o roteiro demonstra que o projeto foi feito às pressas. Apesar de tudo, a série foi a mais assistida na Netflix na sua semana de estreia e na semana seguinte. E ainda, apesar da qualidade que deixa a desejar em quase todos os aspectos, a terceira temporada teve uma recepção considerável por parte do público. E por outra, ela foi duramente criticada. Por que? Afinal, ainda vale a pena falar de The Umbrella Academy ?

Aviso de spoiler de The Umbrella Academy (até a terceira temporada)

The Umbrella Academy, 3ª temporada.
The Umbrella Academy, 3ª temporada | Imagem/Reprodução

Terceiro fim do mundo e… contando

Após duas temporadas, cada uma sobre um fim do mundo diferente, já dá pra adivinhar o conflito da nova temporada: o fim do mundo. Nossos heróis — que certamente de heróis não têm nada — precisam salvar o mundo mais uma vez. De si mesmos, é claro.

A série toda acaba girando em torno da mesma conclusão de que eles são o problema. E a partir disso, uma mesma pergunta, que fica suspensa, no fim de cada arco: os meios justificam os fins? Os traumas da infância, as relações familiares conturbadas, o impacto dos poderes em suas vidas pessoais… tudo isso justifica os fins destrutivos de suas ações?

Tendo isso em vista, a terceira temporada em si parece ser muito repetitiva. Mas, até a segunda, percebemos que é um assunto tão vasto, que pode-se trabalhar de muitas formas. E conectar as jornadas de cada personagem em uma única, no fim da temporada, mostra que tal tema rende muitas — diga-se de passagem, excelentes — histórias. Veja, tudo depende da maneira como isso é narrado.

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Na terceira temporada, o roteiro de The Umbrella Academy dá voltas em si mesmo e chega, no fim, em algum ponto perdido em meio a tantos arcos que eram mais interessantes do que o plot principal da temporada. O fim do mundo era entediante, mas aguardar a reconciliação de Viktor (Elliot Page) e Allison (Emmy Raver-Lampman), não.

Além disso, o romance agridoce de Luther (Tom Hopper) e Sloane (Génesis Rodríguez) era mais relevante do que saber sobre o tal kulgeblitz ou a natureza do Hotel Oblivion. Isso porque de fato viagens no tempo, conspirações, eventos apocalípticos perderam a graça? Claro que não! Os elementos épicos só são épicos porque há um equilíbrio entre eles, e as coisas normais da vida. O desequilíbrio único de The Umbrella Academy era seu toque especial. Mas mesmo o desequilíbrio precisa ser bem equilibrado para funcionar.

O que fizeram com Allison na terceira temporada?

E a coisa mais decepcionante da temporada é sem dúvida, Allison. A personagem se transforma no próprio estereótipo de “mulher negra raivosa”. Mais do que o assassinato de Harlan (Callum Keith Rennie), a cena mais deplorável desse “arco” de uma quase vilania de Allison foi quando ela usa os poderes para abusar de Luther. A cena é tão pesada quanto soa: a irmã adotiva de Luther, com quem ele teve um relacionamento romântico passageiro que foi deixado para trás, usa seus poderes de persuasão para obrigar Luther a beijá-la. Nem é preciso dizer mais.

Emmy Raver-Lampman em The Umbrella Academy, 3ª Temporada
Emmy Raver-Lampman em The Umbrella Academy, 3ª Temporada | Imagem: Reprodução

A personagem, primeiramente, sacrifica a vida com sua filha e depois, a vida que reconstruiu ao lado de Ray (Yusuf Gatewood), seu novo marido. Após perder as pessoas mais importantes para ela, Allison não tem um “seguindo em frente”. Ela apenas perde. E fica com raiva. E machuca as pessoas por isso.

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Mais cenas como Allison falando sobre sua perda, menos cenas de Allison sendo abusiva com pessoas que a amam. É esse o básico que a terceira temporada falha em nos dar. A série a transforma em alguém que nem sofre mais suas dores. O foco é sua raiva, não sua dor. Suas falas agressivas e seu jeito indiferente reforçam uma personalidade que não faz parte da Allison que conhecíamos.

Na verdade, não faz sentido existir. Não do modo como contaram e não por esses motivos. E comparar, por exemplo, a fúria de Viktor, na primeira temporada, com o que Allison faz na terceira – como é feito na própria série – é desleal ao próprio roteiro e seus personagens. Cada personagem tem seu desenvolvimento, e ambas trajetórias diferem em inúmeros sentidos. É uma que tenham tratado uma personagem tão interessante dessa maneira.

Viktor Hargreeves em Umbrella Academy

Mas, considerando então que o que mais há de especial em The Umbrella Academy, e o que faz cada minuto valer a pena, é que o épico sempre culmina no mais simples: o fim do mundo pode ser muito aproveitado, se nas suas nuances houver conflitos bobos entre irmãos e um ou outro romance fracassado.

Desse modo, a terceira temporada nos presenteia com esse personagem que parece não se cansar de nos surpreender: Viktor Hargreeves. Viktor não nos é desconhecido, mas pela primeira vez parece estar de fato confortável como membro da família e como ele mesmo.

Elliot Page na terceira temporada
Elliot Page em The Umbrella Academy, 3ª Temporada | Imagem: Reprodução

De modo abrupto, o personagem de Elliot Page corta o cabelo e conta aos irmãos o seu nome: Viktor. Todos entendem e a história segue. Mais do que isso, há apenas momentos em que Luther pensa em fazer uma festa para que o irmão se sinta acolhido e Diego (David Castañeda) diz que ele é amado e deve se sentir assim. Luther inclusive o convida como padrinho de casamento!

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A transição foi tão rápida e de repente, pois não há um porquê para Viktor ser Viktor. Talvez as coisas sejam assim na vida real: em algum momento “alguém te tira da caixinha que você nem sabia que estava até alguém te tirar”. E isso acontece com amor em todos os momentos da série.

Viktor amou Cissy e para ele isso foi importante para se assumir como homem trans. Já os seus irmãos o amaram imediatamente. Não lhes cabia nem ao menos aceitá-lo, porque ele é um homem, simples assim. E a série ainda retratou o que a família deveria ser em qualquer linha do tempo: um lugar seguro para ser amado.

Um abraço e até breve, Umbrellas

A atmosfera do bizarro se encontrando com o cômico é a essência da série, permanecendo ainda na terceira temporada. Contudo, o roteiro apressado deixou muitos arcos sem um desenvolvimento decente. Por exemplo, temos Stanley (Javon “Wanna” Walton), que depois de executar seu “papel” na série simplesmente morre. Ou a academia Sparrow, que foi sendo dizimada sem mais nem menos. E mesmo Cinco (Aidan Gallagher) tão importante nas temporadas anteriores, nesta, desaparece.

The Umbrella Academy, 3ª Temporada
The Umbrella Academy, 3ª Temporada | Imagem: Reprodução

Mas há cenas que mudaram tudo. Situações que, mesmo sem nenhuma revelação ou mudança decisiva, transformaram a história completamente, causando um efeito em nós. Cenas como a festa de casamento de Luther e Sloane; Alisson e Ray no parquinho, ou até mesmo quando Klaus (Robert Michael Sheehan) aceita a morte para aprender a ser imortal.

No entanto, alguns personagens não tiveram metade da compreensão que mereciam e por isso suas histórias se tornaram algo sem sentido, pequeno e nada “Umbrella Academy”. Portanto, o que levamos da terceira temporada é um fim do mundo que tem muito a oferecer, além de personagens cuja essência é preciso resgatar. Eles merecem, afinal.

E nós, decepcionadas ou não com o roteiro, aguardamos o retorno de uma série que já provou merecer nossa atenção. A obra ainda pode voltar ao seu esplendor, se os produtores abraçarem a beleza que se encontra no bizarro, ou o aconchegante que se encontra no Apocalipse.

Em um mundo de tantas desesperanças, The Umbrella Academy é um aconchego. A série brinca com as coisas insanas e faz as nossas insanidades parecerem, portanto, mais toleráveis.

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Estudante de Letras na Universidade de São Paulo, apreciadora de boas histórias e exploradora de muitos mundos. Seus sonhos variam entre viajar na TARDIS e a sociedade utópica onde todos amem Fleabag e Twin Peaks.
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