A24: o estúdio que se tornou um fenômeno cultural

A24: o estúdio que se tornou um fenômeno cultural

O que Hereditário (2018), Lady Bird (2017), Ex Machina (2015) e O Farol (2019) têm em comum?

Além da nota mínima 9 no Rotten Tomatoes e indicações a diversos prêmios, esses cinco filmes foram gravados pela A24. O estúdio, distribuidora e produtora foi fundado em 2012, e suas produções de cinema independente e TV povoam o gosto do público e das premiações. A própria A24, dez anos depois da sua fundação, se tornou um fenômeno cultural.

A internet está repleta de fãs do estúdio: festas temáticas no TikTok, reportagens em profundidade, reddit dedicado à produtora. A A24 cresceu para ocupar um espaço além dos seus filmes, com um público que aguarda as próximas produções ansiosamente e enxerga a marca como um selo de qualidade por si só.

A trajetória do estúdio é interessante por ter conquistado tanto o lado da crítica quanto da audiência. E apesar de existirem muitos ângulos para analisar o sucesso da A24, são dois fatores centrais que chamam a atenção: visão artística e diversidade, ambos profundamente conectados um com o outro. 

A visão artística da A24

Por ser um estúdio que privilegia produções independentes, possui mais liberdade para apostar em experimentações artísticas e histórias que fogem das fórmulas que estão em voga. A A24 se tornou famosa por apostar também em nomes menos conhecidos e lhes entregar a direção criativa sem ressalvas, algo tido como arriscado na indústria como um todo.

Greta Gerwig nos bastidores de Ladybird (2017), filme da A24.
A diretora Greta Gerwig nos bastidores de Ladybird (2017), da A24.

Criadores e criadoras são incentivados a produzir com liberdade, com o estúdio fazendo questão de reduzir a pressão comercial sobre eles. Aplicando essa forma de gravar e produzir para diferentes gêneros, a A24 construiu uma biblioteca sólida que chama a atenção justamente por divergir da média.

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São cerca de 120 filmes (até outubro de 2022), de maior ou menor qualidade, mas sempre com um ponto de vista que tenta adotar um frescor de gênero, roteiro ou até elenco.

O caótico thriller Jóias Brutas (2019) dividiu opiniões e de longe não é uma das obras mais interessantes do estúdio, mas traz Adam Sandler como um joalheiro viciado em apostas, em um papel bem diferente das comédias do seu currículo. Além do ator, é feita uma montagem e roteiro que, apesar de às vezes confusos, chamam a atenção por não serem uma mera repetição do que é visto no gênero. 

Jóias Brutas (2019), filme da A24.
Jóias Brutas (2019) | Imagem: reprodução

No entanto, essa ideia de experimentação não seria tão efetiva sem o outro ingrediente da mistura. A A24, além da diversidade de gênero cinematográficos e temáticas, promove pontos de vista que não costumam ser priorizados na indústria ocidental. São olhares que vão além do molde branco estado-unidense/europeu, e por causa disso trazem histórias que são um respiro na produção atual.

A diversidade da A24

Moonlight: Sob a luz do luar (2016) venceu o Oscar de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor ator coadjuvante em 2017. O filme foi o primeiro com elenco todo negro e também de temática LGBTQIA+ a ganhar Melhor Filme, além de ser a produção de segunda menor bilheteria a faturar o prêmio.

A história segue Chiron (Ashton Sanders), um jovem em crescimento e no processo de reconhecer sua identidade e sexualidade – que não existem isoladas da sua realidade financeira e racial. Além do elenco, a direção e roteiro também foram inteiramente negros.

Moonlight: Sob a luz do luar
Moonlight: Sob a luz do luar (2016) | Imagem: reprodução

Minari: Em Busca da Felicidade (2020) é um filme sobre imigrantes coreanos e sua batalha para construir a vida nos Estados Unidos. O roteiro sensível segue a família composta por pai, mãe, avó e filhos, navegando o conflito cultural e a pressão econômica sofrida por eles. Youn Yuh-jung, que interpreta a avó, foi a primeira coreana a ganhar um prêmio por atuação na Academia.

Apesar do Oscar não ser uma premiação de olhar universal, é simbólico o espaço que filmes como Moonlight e Minari conquistam com seus prêmios. A A24 não teria a potência artística que rendeu sua posição cultural se não fosse a aposta em olhares que saem do tradicional do mercado. Mais do que celebrar a produtora, a indústria cinematográfica pode enxergar seu sucesso como evidência de que liberdade artística e diversidade de olhares criam excelentes produções.

Minari: Em Busca da Felicidade (2020), A24
Minari: Em Busca da Felicidade (2020) | Imagem: reprodução
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O estúdio tem crescido cada vez mais, e não só de filmes vive a A24: suas produções televisivas começaram em 2014, principalmente com especiais de stand-up, mas cresceram para diversas plataformas e são responsáveis por hits como Euphoria (2019).

A série Euphoria é um drama que segue as experiências com sexualidade, drogas, traumas, identidade e relações e de um grupo de adolescentes de ensino médio, protagonizada por Zendaya. A atriz ganhou um Emmy em 2020, além das indicações que a série recebeu como um todo. A divisão do estúdio dedicada à TV não é tão grande quanto a irmã mais velha cinematográfica, mas já está escalando seu impacto cultural.

Pensando na quantidade de filmes e séries produzidas, sempre haverão obras menos interessantes. Porém, é com a liberdade de produzi-las e experimentar que os grandes sucessos também surgem. A A24 é um respiro no cinema atual, um novo ponto de vista que tenta, justamente, abrir espaço para diversos olhares.

Para encerrar a análise, duas excelentes indicações desse ano:

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022)

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022)
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022) | Imagem: divulgação

O filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert foi chamado de “verdadeiro multiverso”, lançado na mesma época que Doutor Estranho No Multiverso da Loucura. A história segue Evelyn (Michelle Yeoh), imigrante chinesa nos Estados Unidos, dona de uma lavanderia e mãe de família.

É uma sinopse difícil de resumir: a realidade está bagunçada por causa de uma ruptura interdimensional que está cada vez maior, e Yeoh se torna a única pessoa capaz de resolver o problema. Um ritmo rápido, com lutas bem coreografadas, estética e efeitos especiais excelentes, além de um roteiro que trabalha muito bem a troca entre humor, tensão e emoção, é uma ótima pedida para quem curte filmes de herói, de ação ou simplesmente uma história certeira.

Marcel The Shell With Shoes On (2022)

Marcel The Shell With Shoes On (2022), A24
Marcel The Shell With Shoes On (2022) | Imagem: reprodução

O falso documentário (ou “mockamentário”) acompanha Marcel (Jenny Slate), uma concha de sapatos que vive escondido com a avó (Isabella Rosselini) em um Airbnb. O filme é a estreia do diretor Dean Fleischer Camp (que também interpreta Dean, o documentarista), e uma grata surpresa de 2022.

A história se desenvolve com Marcel decidindo buscar o resto da sua família, desaparecidos após os moradores anteriores da casa terem se mudado. O principal tema é comunidade, salpicado pela experimentação do gênero e um texto extremamente adorável. Marcel é um excelente entretenimento, com a garantia de sair da experiência com um sorriso no rosto.

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Bia é formada em economia, pesquisadora e escritora. Obcecada por internet e cultura, gosta de escrever para entender o mundo. É leitora assídua de todo tipo de ficção, ama debater filmes e faz perguntas sobre quase tudo - pelo prazer de buscar a resposta.
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