De gados e homens: a representação da violência na obra de Ana Paula Maia

De gados e homens: a representação da violência na obra de Ana Paula Maia

De Gados e Homens traz a violência e a crueldade decorrentes de mazelas sociais. Homens de gado, invisíveis, trabalhadores banais, mas que, ao mesmo tempo, são parte da cadeia produtiva da carne, um dos mercados mais importantes do país. A luta para sobreviver é mostrada no espaço de trabalho, logo, de forma objetiva, a autora apresenta o cenário violento e duro do dia a dia de trabalhadores excluídos.

Escrito em 2013, De Gados e Homens é o quinto romance de Ana Paula Maia. Nessa obra, acompanhamos o personagem Edgar Wilson, que apresenta um perfil violento e, ao mesmo tempo, resiliente. O cenário é abatedouro Touro do Milo, e Edgar é responsável pelo atordoamento e por levar a carne para uma fábrica de hamburguer, que nunca experimentou. Ele tem seu próprio método de trabalho, tranquilizando o gado como se fosse um ritual.

Wilson convive com outros colegas de profissão, em uma fazenda de criação de bovinos onde está localizado o abatedouro. Na história, o protagonista tenta descobrir porque os animais estão apresentando um comportamento inusitado, simultaneamente, precisa lidar com um novo e curioso funcionário. Eles não estão preocupados com o certo e o errado, afinal, matam animais como trabalho e homens por motivos banais.

De Gados e Homens e uma realidade invisível

Edgar é um sujeito explorado, trabalha em um ambiente insalubre sem perspectivas de melhoras. Está restrito a uma condição de silenciamento e exclusão, convivendo apenas com os companheiros de profissão.

Seus colegas lidam com a morte diariamente e nada os afeta. Estão próximos da violência tanto física quanto social ao estarem sujeitos às dores e à miséria humana. Ainda assim, são preocupados uns com os outros e com os próprios animais que abatem.

“Ninguém está impune. São todos homens de gado e sangue.” (pág. 38)

É evidente a exploração dos trabalhadores, assujeitados ao capitalismo. As cenas, na obra, são reais, vidas subjugadas ao capitalismo, exclusão social, fome e o que ninguém quer ver: o abate do animal. Homens que vivem à margem, matam e são os responsáveis por levarem o alimento à mesa do consumidor, mas não para a sua própria.

Dessa forma, o romance contemporâneo de Ana Paula Maia retrata situações que levam o leitor a refletir sobre sua própria realidade e, no caso da obra De gados e homens, a refletir sobre grupos marginalizados, que ocupam profissões invisíveis.

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fonte: https://rascunho.com.br/noticias/de-gados-e-homens/ ilustração: Carolina Vigna-Marú

As várias faces da violência em De Gados e Homens

Esta obra carrega metáforas, comparando os homens aos animais, desse modo, configura-se uma forma de violência velada:

[…] o fazendeiro Milo, que conclui um telefonema aos berros, já que desde cedo aprendeu a berrar, quando solto no pasto, ainda bem menino, disputava com o bezerro a teta da vaca.” (pág. 9)

A autora, portanto, faz um debate a respeito da prática da violência em nossa sociedade, que leva à desumanização quando sujeitos estão expostos a situações de opressão. Os homens matam o gado e o mercado mata os homens. As marcas da narrativa contemporânea se manifestam pela intensidade, acompanham a dinâmica social e suas mudanças. Desse modo, a representação da violência vem de toda parte: física, entre indivíduos e subjetiva.

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Ana Paula Maia nos apresenta um universo fundamentalmente cruel e realista e dá voz a pessoas marginalizadas, que sofrem agressões diariamente, faces da dura e crua realidade brasileira (VICELLI, 2015). Conhecemos um protagonista que é fio condutor de uma história sem tempo definido. Poderíamos nos perguntar, então, em que época está Edgar Wilson? Levando em conta as histórias social e política brasileiras, Wilson vive hoje, viveu há anos, ou vive em qualquer momento de leitura.

Um cenário real

A descrição realista sobre o ambiente de trabalho está repleta de sangue e expressa conflitos ideológicos, além de contradições nas relações sociais, muitas vezes mostrados com metáforas. A impunidade e o crime, assim como o descaso, também assemelham-se à realidade brasileira.

Portanto, essa produção literária ganha força quando associada à violência e à exclusão. Diante disso, é uma denúncia do que ocorre todos os dias, em uma sociedade suja de sangue, onde não apenas o gado é abatido mas também o homem. Ler De Gados e Homens, portanto, é perceber que a ficção faz parte do nosso cotidiano.

Fonte: https://jc.ne10.uol.com.br/

A autora

Ana Paula Maia nasceu no Rio de Janeiro, é escritora, roteirista e autora de outros romances, como Carvão animal, Assim na terra como embaixo da terra, Enterre seus mortos, De cada quinhentos uma alma. Foi duas vezes vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura e é roteirista, também responsável pela série Desalma.

Referência:
  1. VICELLI, Karina. Sangue e hambúrgueres: o novo realismo e o romance policial na obra De gados e homens, de Ana Paula Maia. e-scrita, Revista do Curso de Letras da Uniabeu Nilópolis, v.6, Número 1, janeiro-abril, 2015, pp. 1-13.

De gados e homens

Autora: Ana Paula Maia

Editora Record

128 páginas

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Escrito por:

Gabriela é carioca, pesquisadora na área de Saúde do Trabalhador e frigoríficos. É escritora, e revisora de textos.
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