As cartas de Virginia Woolf e Vita Sackville-West: uma história de amor além das restrições sociais

As cartas de Virginia Woolf e Vita Sackville-West: uma história de amor além das restrições sociais

Depois de se conhecerem pessoalmente em um jantar na Inglaterra dos anos 20, Virginia Woolf e Vita Sackville-West decidem se aproximar imediatamente e começam a trocar cartas. O que começou como uma admiração mútua rapidamente passou a ser talvez o maior amor que Woolf já experimentou. Agora, a editora Morro Branco lança uma edição inédita no Brasil do romance protagonizado por duas das escritoras mais influentes no século XX.

A primeira publicação das cartas, nos anos 70, consistia em grande parte nas cartas que Vita enviou à Virginia. Essa nova edição conta não apenas com muitas cartas de Woolf como também com trechos de seus diários e cartas que Sackville-West enviou ao marido.

Simplesmente adoro Virginia Woolf […] raras vezes senti tanta afeição por alguém, e acho que ela gosta de mim. Pelo menos me convidou para Richmond, onde ela mora. Querido, estou com o coração explodindo.”

– Carta de Vita ao marido, em 1922, na noite em que conheceu Virginia

A seleção de cartas e trechos dos diários que compõem a edição da Morro Branco são apresentadas em ordem cronológica e estabelecida pelos editores anteriores, incluindo Nigel Nicolson, filho de Vita, e Quentin Bell, sobrinho de Virginia. Essa organização confere ao livro a forma de uma verdadeira narrativa romântica, com uma visão minuciosa do romance de ambas, bem como um panorama geral de suas vidas.

Leia também >> Vita e Virginia: o amor entre duas mulheres que viveram no mundo das letras

Vita Sackville-West, 1926
Vita Sackville-West, 1926 | Imagem: Commons Wikimidia

Virginia Woolf e Vita Sackville-West: quem foram elas?

A romancista, intérprete e pesquisadora das obras de Virginia Woolf, Nadia Fusini, publicou em 2010 uma tentativa de reconstrução da vida da autora. Mergulhando nos momentos mais importantes da vida de Virginia de maneira fluida e sincera, a autora apresenta Vita como:

Uma mulher que amava mulheres e escrevia poesia, também amava romances, e também amava homens. Mas suas especialidades eram as mulheres e a poesia.

Sou Dona da Minha Alma: O Segredo de Virginia Woolf, 2010

Quanto a Woolf, é claro que a pesquisadora teve grandes considerações sobre quem ela era, mas inserir todas essas considerações em uma simples resenha levaria um livro inteiro — e dos grandes.

Tinha muitas ideias e muitas emoções, que só conhecia escrevendo. Perguntou-se se não era justamente isso ser artista […] Ela vivia inteiramente na imaginação, dependia dos caprichos de pensamentos que vinham como imagens quando queriam — enquanto caminhava ou estava sentada — e montavam um teatro contínuo em sua mente. ‘Esta é minha felicidade’, reconheceu.”

Sou Dona da Minha Alma: O Segredo de Virginia Woolf, 2010

Virginia Woolf, 1927
Virginia Woolf, 1927 | Imagem: Commons Wikimidia

Leia também >> Virginia Woolf decidiu que iria ela mesma mudar o mundo com suas ideias

“O que havia se passado entre essas duas mulheres grandiosas?”

A introdução do livro de cartas é feita pela quadrinista e criadora do teste de Bechdel, Alison Bechdel, que estabelece as expectativas exatas para essa leitura, destacando, logo no início, que esse não foi um romance que aconteceu de repente. Vita e Virginia já conheciam uma à outra e sabiam exatamente o que desejavam.

Virginia ama o corpo de Vita, e Vita ama a mente de Virginia” 

– Alison Bechdel na introdução

A sinceridade entre elas é muito sóbria. Woolf reconhece que deve haver espaço na vida para uma quantidade de relacionamentos e recebe, sem surpresas, cartas nas quais Sackville-West menciona o marido ou Dorothy, uma segunda namorada, com quem esteve enquanto se envolve com Virginia.  

Virginia Woolf e Vita Sackville-West
Vita e Virginia | Imagem: Letras In.verso e Re.verso

Virginia enxergava em Vita a mulher e mãe que ela nunca foi e nem nunca teve, e Vita enxergava em Virginia a excelência intelectual que ela nunca iria alcançar. Ambas sabiam disso e seguiram assim, entregando à outra o que podiam. 

Mas em termos de corpo o dela é perfeito […] a capacidade dela digo de tomar a palavra em qualquer companhia, de representar seu país, de visitar Chatsworth, de fiscalizar a prataria, os criados, a comida dos cachorros; a maternidade dela […], o fato de ser em resumo, (aquilo que nunca fui) uma mulher real.” 

– Fragmento do diário de Virginia, em dezembro de 1925

Não sei se fico abatida ou encorajada quando leio as obras de Virginia Woolf. Abatida porque nunca serei capaz de escrever dessa maneira, ou encorajada por uma outra pessoa é capaz?

– Fragmento da carta de Vita para Woolf, em fevereiro de 1926

Mas, antes de qualquer coisa, eram amigas. Verdadeiras confidentes em certas ocasiões. Algumas coisas são responsáveis pela relação entre as duas, uma delas é, sem dúvida, o cuidado que uma tinha com a outra. Vita, por exemplo, gastava um tempo considerável para saber se Virginia estava bem e, com frequência, se oferecia para fazer o que fosse preciso para que ela estivesse.

As cartas são cheias de provocações, brincadeiras, fofocas e conselhos, além de trocarem dicas sobre escrita e opiniões de seus livros. Algumas são verdadeiramente hilárias, outras são tão profundamente tocantes que se pode chorar, tamanha era a cumplicidade entre elas. 

Leia também >> De deusas a bruxas: 3 leituras sobre as históricas jornadas femininas

Bechdel destaca a forma como Vita apenas nutre uma admiração pura e sincera sobre o “talento superior” de Virginia sem qualquer resquício de inveja. Vita sempre soube que não poderia alcançar Virginia no campo intelectual, e o mesmo valia para Virginia que não conseguia se envolver no mundo físico, pelo menos não até a chegada de Vita.

Você é uma pessoa extraordinária. Claro que eu sempre soube disso — é uma coisa fácil de saber — […] mas sinto fortemente que apenas hoje a noite tive plena e total consciência do quanto você de fato é extraordinária. Sabe, você conquistou tanta coisa. Você é uma perpétua Realização

– Fragmento da carta de Vita para Virginia, em setembro de 1925

Vita Sackville-West, 1934
Vita Sackville-West, 1934 | Imagem: Commons Wikimedia

“Um dia vou escrever e lhe dizer todas as coisas que você significa para mim”

Vita e Virginia moravam no Reino Unido e estavam quase sempre a poucas horas de distância. Mas, ainda assim, a vida seguia e elas trocavam apenas cartas curtas só para dizer que tinham saudades. Não bastava se encontrar? A resposta mais curta é não.

Um fato sobre a vida amorosa da Sra. Woolf: amores elevados no campo físico não eram familiares – o próprio casamento era casto desde o início. Virginia era capaz de socializar, sair e ter amigos, mas o que ela não conseguia era ser, nas suas próprias palavras “uma mulher real” como Vita foi.

Elas podiam telefonar ou até mesmo se encontrar, o que faziam quando não aguentavam mais. As cartas enviadas podiam chegar no mesmo dia e mesmo assim, sendo quem eram, o amor cresceu em grande parte através das cartas, tão conscientes elas estavam do ato de escrever.

O que talvez possa explicar o sucesso do relacionamento amoroso entre essas mulheres é a habilidade que Virginia tinha de elaborar as próprias sensações através da escrita, justamente a coisa que mais fascinou Sackville-West até o último momento. Isto, somado a facilidade com que Vita envolvia Virginia nas trocas, fez dela o seu grande amor.

Só com você fui verdadeiramente feliz.

Sou Dona da Minha Alma: O Segredo de Virginia Woolf

Virginia Woolf, 1942
Virginia Woolf, 1942 | Foto: Commons Wikimedia

“Posso ver você na quarta-feira?”

Em 1925, quando Vita anuncia sua viagem para a Pérsia com o marido, as coisas começam a correr com o desespero da distância. Em diversas cartas nesse período, cria-se uma brecha na conversa para perguntar se podem se encontrar, em outras elas simplesmente escrevem para perguntar quando e onde podem se encontrar. 

 É nesse ano que elas finalmente encontram-se com a frequência necessária para propiciar momentos mais íntimos. As cartas mais bonitas, cheias de saudades e hilárias surgem quando são fatalmente a única conexão entre as duas.

Estou reduzida a uma coisa que deseja Virginia. Elaborei uma linda carta para você nas horas insones de pesadelo da madrugada, e ela se desvaneceu por completo: Apenas sinto sua falta, de um jeito humano e desesperado bastante simples.”

– Vita em janeiro de 1926

Sabe que ontem fez quatro semanas que você partiu? Sim, penso em você com frequência, em vez de no meu romance; quero levar você a pé para os campos inundados no verão, pensei em vários milhões de coisas para lhe dizer. Diabólica você é, para sumir na Pérsia e me deixar aqui!

– Virginia em fevereiro de 1926

Um presente para além das cartas de amor

O amor entre essas duas mulheres transcendeu não apenas a admiração por habilidades de escrita ou social, mas também proporcionou a influência mútua que exerceram uma sobre a outra. A sua natureza feminista também desempenhou um papel crucial na perpetuação desse amor, refletindo a importância delas no movimento feminista até hoje.

É precisamente através do seu amor por Vita e por meio da escrita que Virginia encontrou uma maneira de expressar o que desejava em Orlando: Uma Biografia. Em uma realidade em que Vita não poderia desfrutar da mesma liberdade e poder dos homens, Virginia ofereceu a ela, na forma desse romance pioneiro da literatura pós-modernista, uma pintura viva, um portal para a liberdade que, enquanto mulher, Vita não poderia alcançar.

Orlando, Virginia Woolf, 1928, The Hogarth Press
Orlando, 1928, The Hogarth Press | Commons Wikimedia

Leia também >> Orlando: a mais longa e encantadora carta de amor de toda a literatura

Esse, para além das cartas, foi um presente ato de amor e ousadia que Virginia deu a Vita, inspirada na sua linhagem centenária, no poder que seus antepassados homens sempre tiveram e com o qual ela só poderia sonhar. Knole, a propriedade da família, o maior amor de Vita, foi tirado dela com a morte de seu pai, porque, sendo mulher, ela não poderia ter uma propriedade, mas em Orlando, Vita teve tudo.

Por fim, não pode ficar de fora um destaque para a capa da edição brasileira de Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor. Elaborada pela artista Dani Hasse, ela simboliza perfeitamente a essência do conteúdo: parte das flores representadas de forma realista, e outra parte em esboços. Tudo isso envolvendo uma caneta-tinteiro em um buquê, símbolo de amor. 

Capa da edição de "Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor"
Capa da edição de Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor | Imagem: Editora Morro Branco

  • Virginia Woolf & Vita Sackville-West: cartas de amor
  • Editora Morro Branco
  • Tradução de Camila von Holdefer
  • 320 páginas
  • Se interessou pelo livro? Compre aqui!

Colagem em destaque: Isabelle Simões para o Delirium Nerd.

Escrito por:

7 Textos

Roteirista e Copywriter formada em Produção Audiovisual. Amante de livros, filmes e podcasts.
Veja todos os textos
Follow Me :