Ciri: saiba porque todos querem a Princesa de Cintra

Ciri: saiba porque todos querem a Princesa de Cintra

Cirilla Fiona Ellen Riannon. Zireael. A andorinha. A Dama do Lago. A Dama do Espaço e Tempo. Herdeira Legítima de Cintra e Nilfgaard. Descendente dos Altos Elfos. Nascida em Skellige. Órfã antes dos cinco anos de idade. Reza a lenda que também é descendente da própria Falka, a guerreira poderosa e sanguinária.

São muitos os títulos de Ciri, mas talvez meu preferido seja o que sempre a faz corar: “meu patinho feio”— Yennefer lhe chama assim, e não existe uma aproximação melhor da tradução em inglês, que perdeu-se num insulto como se ela a chamasse de feia. Em polonês, porém, Yennefer brinca com a timidez da bela menina que vive dizendo que quer ser bonita como ela, “Lady Yennefer”. Em dado momento, Yennefer deixa claro que ela já é. Que é isso e muito mais.

Amado Leãozinho de Cintra

Ciri (Freya Allan) em The Witcher, série da Netflix.
Ciri (Freya Allan) em cena de The Witcher, adaptação da Netflix. (Imagem: reprodução)

Ciri é querida pelas mulheres, mas também consegue o raro feito de ser amada pelo público inteiro. Ela é como aquela filha de guarda compartilhada que todos querem proteger. Nos livros de Andrzej Sapkowski, todos sentem essa inspiração por protegê-la, pelos mais variados motivos.

Alguns o fazem por mera questão de sobrevivência: se ela cair nas mãos de Emhyr, terá seus poderes usados para feitos horríveis. Existe outro mistério apavorante atrás da relação do Imperador com Ciri, mas para saber melhor, terá de conferir nos livros.

Existem também aqueles que querem salvar a menina por dívida com Geralt ou Yennefer. Há ainda um terceiro grupo que segue seu próprio caminho de honra, como é o caso da arqueira Milva— disparada uma das melhores personagens dos livros e alguém cuja amizade é definitiva na transformação que o personagem de Geralt sofre durante os arcos.

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Milva coloca ordem no grupo montado pelo Witcher mais famoso da Escola do Lobo — e se não fosse por ela, talvez a hansa não conseguisse ficar unida. Pequeno adendo: Hansa é o nome dado ao grupo de desventurados que se unem a Geralt em sua missão de reencontrar Ciri, e entre eles estão alguns dos melhores personagens de toda a saga. Mas não estamos aqui pela hansa, e sim por quem eles tanto querem proteger: Ciri.

A Jornada de Ciri

Ciri nos jogos de The Witcher. Imagem: reprodução
Ciri nos jogos de The Witcher. (Imagem: reprodução)

Ao contrário do que tantas missões de resgate sugerem, a adolescente não tem nada de princesa esperando um salvador. Desde que a tragédia abate sua vida, ela é levada para o treinamento de Witcher, mas acaba tendo de ser redirecionada aos ensinamentos mágicos antes de sua completude. Os livros contam que a magia em seu corpo é forte demais, sendo resultado da linhagem de Lara Dorren — uma elfa feiticeira de poderes imensuráveis que só se manifestam em suas descendentes femininas.

A natureza de seu poder é tão grandiosa que, a partir do momento em que ele se revela aos demais personagens, inicia-se uma caçada por Cirilla. Afinal de contas, todos já ouviram falar do Sangue que controla o Espaço e Tempo, da Magia que não cansa. Pois existe essa diferença entre a Magia élfica e a dos humanos: enquanto a segunda cobra do seu físico, a primeira vem com naturalidade.

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Por muito tempo, aliás, elfos viram humanos usando mágica como um tipo de aberração. Mas gerações depois e ali estavam eles, também na corrida por Ciri para que ela gerasse (isso mesmo, gerasse!) um herdeiro com o mais Alto dos Elfos. A Jornada dela envolve uma série de temas desconfortáveis, mas dos quais ela sai sozinha na maioria das vezes e nunca se rende.

Render-se não é opção

Ciri em imagem promocional da série The Witcher.
Imagem promocional da série The Witcher.

Criada em um mundo onde nascera na corte e para reinar, seu reino tornou-se pó e cinzas pelas mãos do Império de Nilfgaard. Ela perdeu todos os seus entes amados em tenra idade, e nada mais sabia além de que o Destino havia prometido que seu lugar era ao lado de uma figura paterna que rejeitava.

Porém, quando as barreiras de Geralt foram quebradas, um verdadeiro laço se formou. Forte o suficiente para Ciri preferir a vida da espada à dos bailes. Precisava treinar, mesmo sendo habilidosa— e igualmente precisou melhorar seu tom, algo que é bem trabalhado nos livros. Vemos a princesa de modos esnobes tornar-se caridosa, empática, solidária e de coração enorme. Uma verdadeira guerreira espiritual.

Mas para chegar na fase final da jornada da heroína, muita coisa aconteceu. Sem entrar em detalhes específicos da trama para evitar spoilers, podemos falar sobre alguns tópicos envolvendo o conto da herdeira de Cintra.

Um conto (quase) de Fadas

Ciri no jogo de The Witcher
(Imagem: reprodução)

Ciri começa a história como uma princesa, daquelas de conto de fadas, protegida por sua poderosa avó, a Rainha Calanthe. Inocente, a menina não faz a menor ideia dos segredos que rondam sua família, sequer tem noção do favorecimento que recebe, acreditando na realidade da afeição dos outros para consigo. Ao perder tudo, ela passa por uma das primeiras etapas da Jornada da Heroína de Maureen Murdock.

(A Jornada da Heroína é uma busca espiritual e psicológica da mulher. A estrutura foi delineada por Maureen Murdock em 1990, em livro de mesmo nome, para preencher o vazio feminino na Jornada do Herói de Joseph Campbell. Sua versão da heroína é composta de partes próprias, aqui colocadas entre aspas, como no caso do Ninho Vazio e da Separação da Mãe. Vale mencionar que quando mencionamos masculino e feminino na jornada não é no sentido literal, mas sim no que a sociedade da época ou da história enxerga como “papéis de gênero”, algo que causa sufocamento e aprisiona mulheres e também homens em papéis que eles não querem desempenhar. O segredo, na opinião de Maureen, é o equilíbrio.)

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Após a queda de Cintra, Ciri precisa se reinventar dentro de um cenário onde não existem companheiros ao seu redor. Deparando-se com o “Ninho Vazio”, ela abandona o feminino (uma das “regras de Murdock”), abraça o que acredita ser masculino para sobreviver no mundo. Ao chegar em Kaer Morhen, existe também “A Separação da Mãe”, onde ela tenta esquecer seus vínculos maternos, deixar seu Reino para trás, e embarcar no que o Destino lhe reservou ao lado da sua nova imagem paterna, agora na figura de Geralt.

Problemas Maternos

Rainha Calanthe (Jodhi May) em cena de The Witcher. (Imagem: reprodução)

Acontece quando Ciri tenta, a todo custo, não espelhar Calanthe — sua avó, mas que a criou como própria filha e herdeira. Existe, nesse relacionamento, muita mágoa; uma dor interna apenas descoberta ao perceber que a Fortaleza de seu Castelo a protegia não apenas de guerras, mas também dos erros de sua figura materna. Calanthe, à primeira vista, poderia encaixar-se no arquétipo de Grande Mãe. Por quê?

Pois ela ofereceu uma proteção ilimitada para a herdeira de Cintra. No entanto, ao descobrir os feitos da Rainha, talvez exista aí uma mescla entre Grande Mãe e Mãe Terrível, pois agora ela representa sufocamento e morte. Quantas vidas e qual foi o custo de manter Ciri a salvo? Esse peso é mostrado nos pensamentos da menina muitas vezes, conforme ela se diminuía sempre que escutava histórias de como Calanthe comportava-se longe dela.

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A figura materna para Ciri é apenas resgatada quando Yennefer entra em sua vida, alguém que ela escolhe como mãe, a ponto de adotar seu sobrenome em dado momento da história. Também é comum vermos Ciri chamando Yennefer de “mamãezinha”, e a recíproca é totalmente verdadeira. Yennefer entra numa aventura onde perde tudo para conseguir encontrar o paradeiro de Ciri, e não se arrepende em momento algum. Existe uma beleza no desenvolvimento entre elas, no quanto a feiticeira mais poderosa de Vengerberg descobre que família não é apenas sangue, e que ainda existem muitas escolhas em sua vida. A maior delas, acaba sendo Cirilla.

É um ponto alto dos livros: eles não giram ao redor de apenas um homem, uma pessoa, uma relação. São múltiplas relações, uma família escolhida, pessoas que evoluem do primeiro ao último livro. Andrzej Sapkowski já mencionou uma vez em entrevista que seu foco são os personagens, não cronologia ou desenvolver universo de forma contínua. Seria algo como “para que vou escrever sobre o mundo lá fora se posso ter duas pessoas conversando?” e em Witcher você verá muito disso.

A vida com os Ratos

Ciri em cena de The Witcher.
Ciri em cena de The Witcher. (Imagem: reprodução)

O período mais controverso na história de Ciri é quando ela se junta a um grupo chamado de “Os Ratos”. Isso porque ela quase sofre um estupro, que é impedido, mas logo em seguida Ciri tem relação com a mulher que impediu — e depois desenvolve um namoro com ela.

Muitos fãs, por muitos anos, mantêm opiniões diversas sobre o significado e a veracidade da relação delas. Você precisará ler para tirar suas conclusões, mas uma coisa não muda em momento algum: Cirilla é uma princesa bissexual. Ela sente atração por homens e mulheres durante os livros, fato que é aceito por seus pais de escolha, Geralt e Yennefer.

Sobrevivendo

Ciri tem vários momentos brilhantes em sua história, momentos onde ela tem que encarar um mal bem claro, e atravessar a situação. Ela enfrenta sequestros, os Aen Elle, torturadores, Imperadores, feiticeiras, navega entre mundos, e nos dá uma das melhores cenas de ação já vistas em livro: uma pista de gelo nunca mais será a mesma.

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Ela é tão protagonista quanto Geralt, sendo a herdeira natural da saga The Witcher no que depender do amor dos fãs e de sua longevidade. Até onde sabemos, ela pode estar aqui agora, em 2021, se perguntando o que fizemos de tão errado pro mundo acabar desse jeito e indo tentar dar um jeitinho no passado para as coisas ficarem melhores.

Enfim, uma só

Ciri nos jogos de The Witcher.
(Imagem: reprodução)

Após se transformar nessa mulher mais sábia, ela pode ser vista “Sob Uma Perspectiva Circular”, ao encontrar a Loja das Feiticeiras, fazer novas amizades, e finalmente compreender que não precisa ser dual. Não precisa ser metade Witcher, metade feiticeira, metade élfica, metade corte. Ela é mais do que isso. Ciri, ou Zirael, se transforma numa “guerreira espiritual”.

Nas palavras de Murdock: “A Heroína deve se tornar uma guerreira espiritual. Isso demanda que ela aprenda a delicada arte do equilíbrio e tenha paciência para a integração dos aspectos femininos e masculinos de sua natureza“. Sua grande fome por abandonar o feminino é perdida, e o próprio autor simboliza isso quando, ao ter de escolher seu novo sobrenome, ela decide ser chamada de “Cirilla de Vengerberg, filha de Yennefer de Vengerberg”. Ela enfim encontrou seu lugar.

Edição e revisão por Isabelle Simões.

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Escrevo onde meu coração me leva. Apaixonada pelo poder das palavras, tentando conquistar meu espaço nesse mundo, uma frase de cada vez.
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