Mulheres do Nobel: Alice Munro

Mulheres do Nobel: Alice Munro

Alice Ann Munro nasceu no Canadá em 1931. Contista, venceu diversos prêmios em seu país natal e no exterior. O mais importante deles foi o Prêmio Nobel de literatura em 2013 pelo conjunto de seus escritos, sendo então considerada como a “mestre do conto contemporâneo”.

A escrita bravia de Alice Munro

Alice Munro começou a escrever contos depois de se tornar esposa e mãe, aos 21 anos, já que o casamento era uma obrigação em sua juventude. Ela escrevia nos intervalos de seus afazeres domésticos, como durante as sonecas e o horário escolar de suas filhas. Escrever era um trabalho secreto. Um trabalho feito apesar dos papéis que foi obrigada a assumir. Uma espécie de segunda vida que ela conseguiu criar para si. 

Autora Alice Munro
Autora Alice Munro | Foto: reprodução

Realmente, eu cresci no século XIX. As formas como as vidas eram vividas, os valores, eram bem século XIX, e as coisas não mudaram por um bom tempo. Então, havia uma espécie de estabilidade, algo naquela vida que um escritor poderia facilmente.“, disse em entrevista ao The Guardian em 2003.

A ficção de Munro

A maestria de suas histórias é indiscutível. Em seus numerosos contos, Alice nos envolve em uma linguagem clara, sensível e de ritmo constante. O seu tema principal é a mulher comum. A atenção que ela dedica ao narrar suas vidas, à primeira vista indistintas, é um movimento célebre, tanto na literatura, como para a percepção de nós mesmas frente à nossa existência “corriqueira”.

Sua ficção é atenta aos detalhes, seu olhar desvenda facetas e deixa transparecer minúcias no território do normal. Ao mesmo tempo, ela preza pela brevidade da narrativa e pelas súbitas reviravoltas, que podem ser chocantes ou mesmo paradoxalmente sutis.

Suas influências literárias são, principalmente, escritoras e escritores americanos do século XX. Assim como ela, eles se debruçaram sobre temas e ambientes que narram vidas comuns, em cidades pequenas e rurais, em contraste com os grandes temas e cenários dos romances da literatura clássica.

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Passei a sentir que esse (o conto) era o nosso território, ao passo que o grande romance popular sobre a vida real era o território dos homens. Não sei como tive essa sensação de estar à margem, não foi que fui empurrada para lá. Talvez seja porque eu cresci à margem. Eu sabia que havia algo sobre os grandes escritores dos quais me sentia excluída, mas não sabia exatamente o que era. Fiquei terrivelmente perturbada quando li D. H. Lawrence pela primeira vez. Muitas vezes fiquei perturbada com a visão dos escritores sobre a sexualidade feminina. Como é possível ser uma autora quando se é o objeto de outros autores?“, declarou em uma (magnífica) entrevista de 1994 para a Paris Review.

Alice Munro e Margaret Atwood
As escritoras e amigas de longa data, Alice Munro e Margaret Atwood (brindando nossas lágrimas) | Foto: reprodução

A contínua insubordinação de Alice Munro

A subversão dos “papéis femininos” é sempre intrínseca às suas personagens. Por vezes, essa subversão está no simples fato delas seguirem existindo, insatisfeitas e inquietas, no cotidiano que não as domestica. A sexualidade das mulheres também está presente em sua ficção e Munro fala desse universo ultrapassando o ato sexual. Mais uma vez, ela toma um espaço que, na literatura, também foi dominado pelas vozes e visões masculinas.

Suas mulheres nunca estão confortáveis em suas condições do presente, vivem uma dança de conciliação entre o que é e o que se deseja, entre as lacunas da realidade e a ambição de um mundo diferente do que se é. Entre a desolação e a calmaria de uma “mulher comum” há um espectro infinito e dimensões insondáveis.

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Alice Munro
Alice Munro | Foto: Darren Stone

Todavia, suas personagens têm permissão e agência para serem ternas e amorosas ou mesmo ambíguas e desonestas. Alice sabe que a vida está contida nos impulsos e erros, e o desdobramentos de nossas ambivalências e esperanças é também parte da investigação de sua ficção. Portanto, se seu objeto é a vida simples, suas mulheres nos lembram que a simplicidade e o banal não são sinônimos.

Em suas narrativas também encontramos a ambição, a loucura, a solidão dentro e fora das relações, os encontros furtivos e os desencontros frequentes. De forma excepcional, ela desenvolve temas e personagens complexos, abarca nuances, faces e complexidades dentro da brevidade dos contos.

As histórias de Munro não reiteram a visão de que viveremos felizes para sempre. Ao contrário, elas insistem que a vida é cheia de radicais, chocantes e, por vezes, sobrenaturais transformações”, afirma dr. Marlene Goldman, estudiosa da obra de Munro.

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Alice Munro
Alice Munro | Foto: reprodução

O Prêmio Nobel de Literatura

Para Alice Munro, receber o Prêmio Nobel teve um significado que a ultrapassa. Esse é um valoroso reconhecimento dos contos enquanto forma ficcional completa, e não algo menor em valor ou importância do que o romance, como declarou em 2013 ao Times Colonist.

Por anos e anos, eu pensei que contos eram apenas para praticar, até que eu tivesse tempo para escrever um romance”. Então eu descobri que eles eram o que eu podia fazer, então eu encarei isso. Eu suponho que meu esforço de entregar-me tanto aos contos foi uma compensação a isso”, disse à revista The New Yorker em 2012.

Ler Alice Munro é se sentir acolhida no exílio que ser mulher muitas vezes proporciona. Alice é a mestre do conto e de criar o maravilhoso nos corredores do falsamente desinteressante cotidiano. Quando deseja, Munro destrói até mesmo as margens de seus escritos e debulha as nuances da existência para o leitor. Sua ficção, porém, só se veste de simples na escolha das palavras e no seu excepcional domínio da linguagem. Assim, narrando o costumeiro, Alice Munro insiste na teimosa ideia de que a vida acontece o tempo todo.

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  • No Brasil, os livros de Alice foram lançados pela Companhia das Letras.
  • Em 2008, a escritora Margaret Atwood escreveu sobre a obra de Alice para o The Guardian.
  • Para comemorar seus 89 anos, completos em 2020, a CBC reuniu 80 fatos interessantes sobre a escritora.

Edição e revisão por Isabelle Simões.

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Historiadora e escrevedora de frases longas. Entusiasta de diálogos. Fala de literatura e de história até na mesa do café.
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