As Virgens Suicidas: opressão feminina que gera depressão

As Virgens Suicidas: opressão feminina que gera depressão

Se você é usuário do TikTok talvez tenha se deparado ultimamente com alguma cena de As Virgens Suicidas, filme de 1999 dirigido por Sofia Coppola. O longa tem ganhado certo destaque nas redes sociais nos últimos tempos, mas os motivos são bastante incertos.

O fato de Priscilla, novo longa de Sofia, ter sido exibido no Festival de Veneza 2023 pode ter ajudado a levar suas obras novamente para os holofotes. Mas outro fato importante é que este continua sendo um dos filmes mais populares a tratar da depressão feminina na adolescência.

Você ainda não tem idade suficiente para saber quão difícil é a vida.

Obviamente, doutor, você nunca foi uma menina de 13 anos.

As irmãs Lisbon de As Virgens Suicidas
Imagem: Luis Santos – psicanalista

Ainda que não se aprofunde nas discussões, As Virgens Suicidas chama atenção por desenvolver o assunto com seriedade, cuidado e uma estética descolada, própria da diretora. Ao mesmo tempo em que é uma obra envolvente, nos força a refletir sobre como a opressão pode ser nociva à mente das mulheres.

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Depressão feminina em As Virgens Suicidas

Segundo a OMS, as mulheres são mais afetadas pela depressão do que os homens (O Globo, 2022). Porém, dentre fatores psicológicos, biológicos e sociais, não faltam estudos para tentar identificar os motivos que levam a essa estatística.

Sabemos que as mulheres passam por questões hormonais e biológicas muito particulares que certamente influenciam seu modo de vida. Mas parece superficial demais reduzir a depressão feminina exclusivamente a esses fatores, levando em conta a sociedade machista e opressora em que vivemos.

Cecilia em cima de sua árvore favorita
Cecilia (Hanna Hall) em As Virgens Suicidas | Imagem: IMDB

Em As Virgens Suicidas, temos uma história ficcional, mas que mostra perfeitamente como o ambiente pode nos afetar de forma decisiva. No filme, assistimos às irmãs Lisbon crescerem num contexto altamente religioso e proibitivo, com muitas regras e pouco diálogo.

É importante lembrar que o filme não deixa claro o diagnóstico de qualquer uma das personagens, mas é inevitável associá-lo pelo menos à Cecilia (Hanna Hall), a mais nova das irmãs. Podemos ver que ela é uma menina inteligente, com interesses variados, mas que precisa se contentar com um ambiente muito limitante. É por se sentir sufocada pela própria realidade que ela acaba tentando suicídio.

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Opressão que gera depressão

A história da família Lisbon, ambientada nos anos 70, parte da memória de um grupo de quatro garotos fascinados pelas meninas da casa da frente. Depois que Cecilia vai parar no hospital por cortar os pulsos, a curiosidade deles se intensifica, juntamente com a do resto da vizinhança. Para os vizinhos, as meninas vivem presas demais, não têm liberdade para serem adolescentes.

De fato, as irmãs Lisbon, todas lindas e jovens, vivem sob a proteção ferrenha da mãe, que não as deixa fazer nada além de ir à escola, onde o pai ensina matemática. Como uma mulher muito religiosa, a Sra. Lisbon (Kathleen Turner) controla desde suas roupas até o que elas podem assistir na televisão. Assim, é impensável para ela deixar as filhas frequentarem festas ou sair com garotos.

Os pais de Cecilia falam com o médico
Imagem: Adoro Cinema

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Depois do incidente com Cecília, ocorrem algumas mudanças, sobretudo com o intuito de alegrá-la, mas nada muda de forma realmente profunda. A falta de autonomia e liberdade só faz com que aumente nelas o desejo de transgredir as regras, sempre impostas sem qualquer motivo.

É nesse cenário de opressão extrema que se desenvolve a narrativa de As Virgens Suicidas, baseada no livro de Jeffrey Eugenides e primeiro longa de Sofia Coppola. Posteriormente conhecida por seus retratos do universo feminino, Sofia faz o melhor que pode diante da limitada visão apresentada no texto. Por outro lado, entende e respeita suas personagens de forma muito satisfatória.

Religiosidade e sexualização

A religiosidade é um dos aspectos mais importantes e bem retratados na história. Assim como as demais questões suscitadas pelo filme, a religião está presente de forma muito sutil, mas ainda exercendo um grande peso na narrativa. Além de estar presente em objetos (cruzes, imagens), ela também aparece em orações e, principalmente, em comportamentos.

O puritanismo que acompanha a religiosidade da Sra. Lisbon, afeta diretamente o comportamento das meninas, obrigadas a agir de acordo. Porém, esse comedimento extremo termina por sexualizar certas atitudes que, de outra forma, não teriam o mesmo significado. E tudo o que é relacionado ao sexo, por menor que seja, se torna proibido.

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Luz e Trip Fontaine em As Virgens Suicidas, longa de Sofia Coppola.
Imagem: The Lost Highway Hotel

A adolescência é uma fase de descobertas e libertação, época em que, naturalmente, o ser humano começa a pensar por si mesmo e tomar suas próprias atitudes. Enfrentar repressões extremas durante essa fase pode gerar traumas profundos.

Além de não poderem usar roupas que mostrem o corpo, as irmãs Lisbon também não podem ter qualquer tipo de proximidade com nenhum rapaz do colégio ou da vizinhança. Sem qualquer vida social ou afetiva e reprimidas de tudo que se assemelhe ao sexo, nada mais natural que o desejo de vivenciar experiências surja com ainda mais força.

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Mulheres transgressoras, mulheres opressoras

Cecilia (13), Lux (14), Bonnie (15), Mary (16) e Therese (17). As irmãs Lisbon usufruem de todo o conforto de uma família classe média morando numa grande casa no subúrbio. Mesmo assim, lhes falta a oportunidade de viver além das grades do jardim. Entre as cinco, Lux (Kirsten Dunst) é a que mais se destaca por estar sempre procurando uma forma de transgredir as regras.

Seja fumando um cigarro no banheiro da escola ou tentando se aproximar de um garoto só para chamar atenção, Lux se comporta exatamente como alguém transbordando de desejo. Com a mãe sentada entre ela e Trip (Josh Hartnett), o menino da escola de quem está gostando, a garota coloca o pé descalço sobre a mesa de centro só para atiçar sua imaginação.

A família Lisbon recebe Trip Fontaine
Imagem: Movieman’s Guide to the Movies

No meio de tanta censura, não nos surpreende ver uma figura transgressora como Lux em As Virgens Suicidas. Porém, surpreendente mesmo é saber que seu contraponto é justamente outra mulher. Ao contrário do esperado, o filme coloca uma figura feminina, e não uma masculina, exercendo a grande força repressora da história.

O pai das meninas (James Woods) até que engana como a autoridade da casa, mas é desajeitado e tedioso, se sentindo mais confortável como um coadjuvante. Assim, ele se torna apenas uma fachada imposta pela esposa, que acha necessário ter um homem à frente das coisas, mesmo que nunca emita opinião.

Por sua vez, podemos ler a Sra. Lisbon como alguém que teve uma juventude tão rigorosa quanto a das filhas. Uma mulher criada sob as rédeas do patriarcado e da religião, que enxerga tudo como sinônimo de pecado e culpa. Em determinado momento, ela até tenta ser um pouco mais flexível, mas termina cedendo a uma herança de estrutura familiar que nunca conseguiu desconstruir.

As Virgens Suicidas e o uso das cores

Incomoda no longa o fato de conhecermos a história sempre pelo ponto de vista de terceiros. O grupo de meninos só conhece as irmãs Lisbon pelos objetos que colecionam delas e pelas histórias contadas por outras pessoas, principalmente homens. Sofia, que também é roteirista, parece entender essa limitação e busca recursos sutis para contorná-la.

Uso das cores em As Virgens Suicidas
Imagem: The Baram House

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Um deles é o uso das cores para ditar o humor da narrativa, artifício que, posteriormente, se tornaria bastante comum em seus filmes. A fotografia amarelada, quase etérea, aparece durante cenas da rotina das irmãs, quando vão à escola ou estão ao ar livre. Já a fotografia azulada, que remete à tristeza, é usada em momentos ruins, quando estão trancadas em casa, por exemplo.

O vermelho, muitas vezes associada a algo proibido, é usada pontualmente no filme para ilustrar a transgressão de regras (filmadas em plano-detalhe). Como no abajur do quarto, que as meninas piscam em código Morse, para se comunicarem em segredo com o grupo de garotos. Ou na cor das unhas de Lux quando ela coloca o pé sobre a mesa esperando chamar a atenção de Trip.

Reclusão que sufoca

Ao transitar entre escola, vizinhança e os cômodos da casa dos Lisbon, Sofia Coppola constrói uma narrativa distante, mas ao mesmo tempo, muito íntima. Podemos até enxergar as meninas a partir do olhar de garotos curiosos, mas esse olhar é igualmente nosso.

As irmãs Lisbon no banheiro da escola em As Virgens Suicidas
Imagem: reprodução

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Sofia, sempre que pode, explora as minúcias do universo adolescente por meio de objetos, músicas e roupas. Ela tem interesse em nos trazer o mais próximo possível, por isso o mistério envolto nas mortes da família fica mais evidente para nós do que para a vizinhança. E, se você é uma mulher, fica ainda mais claro.

A reclusão extrema que é imposta às meninas não poderia gerar outro tipo de consequência. Nossa saúde mental pode ser afetada pelos mais diversos motivos, mas não podemos ignorar o que uma vida de opressão pode fazer conosco. Porém, mais importante ainda é entender que você não está sozinha! Na dúvida, disque 188 para falar com o Centro de Valorização à Vida.

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Jornalista recifense que passa metade do tempo vendo filmes sem continuação e a outra metade lendo romances de pessoas que já morreram. Também reviso textos, pratico yoga e treino minhas habilidades de confeiteira para sustentar meu vício em bolos gostosos.
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