As Vantagens de Ser Invisível e a necessidade de se falar sobre depressão e outros transtornos psicológicos

As Vantagens de Ser Invisível e a necessidade de se falar sobre depressão e outros transtornos psicológicos

As vantagens de ser invisível (2012), de Stephen Chbosky, é um filme que busca colocar em destaque as alegrias da amizade e todas as reflexões e sabedoria adquiridos com as dores da adolescência. A história é inspirada em um livro homônimo, lançado em 1999 que é de autoria de Chbosky, que além de dirigir também escreveu o roteiro do longa.

No livro, a narrativa que se passa no começo dos anos 1990, se desenrola através de uma série de cartas escritas por Charlie dirigidas a leitora. As cartas detalham suas aflições e seus momentos de felicidade em seu primeiro ano como calouro do ensino médio. O filme segue essa linha, mas o recurso das cartas só é utilizado apenas como ferramenta de inserção da narrativa, para esta ser apresentada a espectadora.

Alerta: o texto abaixo contém spoilers da obra e gatilhos relacionados a depressão, violência doméstica/sexual e suicídio

Na história temos como protagonista Charlie, interpretado por Logan Lerman. O jovem que ficou conhecido por dar vida a Percy Jackson, dessa vez assume o papel de um garoto de 15 anos que dá início ao seu ano letivo sem amigos e sozinho.

Charlie carrega consigo a dor do luto pelo suicídio de seu melhor amigo – que aconteceu no ano anterior. E também o trauma pela morte de sua tão amada tia Helen, que apesar de ter ocorrido na sua infância a dor pela sua passagem, permanece ainda muito forte. Entretanto, depois descobrimos que ela molestava o sobrinho e que Charlie reprimiu tais lembranças perturbadoras. Pois, infelizmente, lhe faltava acompanhamento psicológico, assim ele não conseguia se libertar dessas tensões de uma forma saudável.

Leia também >> A delicada retratação do suicídio em obras cinematográficas

Charlie (Logan Lerman) o protagonista de As Vantagens de Ser Invisível
Charlie (Logan Lerman) o protagonista de As Vantagens de Ser Invisível. Imagem | Reprodução

Charlie tenta se aproximar de Patrick (Ezra Miller), um colega de classe da aula de marcenaria. O jovem ganha a simpatia do protagonista, pois é um dos poucos veteranos que não inclui em seu divertimento a humilhação de calouros. Enquanto assiste a um jogo de futebol americano, Charlie se aproxima do local na arquibancada no qual Patrick estava sentado, puxa assunto e tem sua conversa amparada por ele. Em seguida, Charlie conhece Sam, a meia-irmã de Patrick, interpretada por Emma Watson em um de seus primeiros papeis após finalizar a saga Harry Potter.

Sam aparece iluminada em sua primeira cena. Em um plano fechado de seu rosto, devido as luzes utilizadas para iluminar as arquibancadas, a garota revela-se com uma espécie de aura brilhante. Muito provavelmente já dando indícios de que o percurso de Charlie a partir de agora teria um pouco mais de luz e não apenas de que aquela seria a garota por quem ele se apaixonaria. Charlie, portanto, encontrou amigos.

Leia também >> Koe no Katachi: Uma animação que discute bullying, suicídio e a importância da comunicação

Sam (Emma Watson) em As Vantagens de ser Invisível
Sam (Emma Watson) iluminada pela luz do estádio. Imagem | Reprodução

As relações tóxicas abordadas em As Vantagens de Ser Invisível

Boa parte das pessoas com as quais Charlie se envolve passaram/passam por traumas e abusos. Sua irmã, Candace (Nina Dobrev), está em um relacionamento com um garoto que a agride. Há uma cena em que vemos Derek (Nicholas Braun) dando um tapa nela. Charlie vê a agressão e entra no quarto com o intuito de ajudar a irmã, mas ela o afasta e diz que pode resolver sozinha. Candace fecha a porta e fica a sós com o namorado no quarto. E nós ficamos com Charlie enquanto acompanhamos a sua aflição de que algo pior possa vir a acontecer.

Quando Derek vai embora, Charlie procura Candace para conversar a respeito do que viu. A garota fala que foi culpa dela porque provocou o namorado. O diálogo nos remete a triste realidade de inúmeras mulheres que, através de um problema estrutural da cultura do abuso, acreditam que o comportamento violento e dominante é algo inerente aos homens – portanto é naturalizado e aceitável.

Candace pede ao irmão que não conte aos pais o ocorrido. A partir disso vamos observando que é algo comum, assim como acontece em muitas famílias, de os filhos não se abrirem com seus responsáveis. Por exemplo, quando Charlie esconde que estava com dificuldades em fazer amigos na escola e que isso o está magoando. Além de existir um certo desconforto em expor esses sentimentos, entendemos o quão pesados foram os transtornos psicológicos ocorridos no ano anterior. E ele busca não preocupar os pais com suas angústias, guardando-as para si.

Leia também >> Suicide Club vive: a realidade e a narrativa de Usamaru Furuya

Candace e Derek discutindo. Imagem | Reprodução.

Ao conhecer melhor seus novos amigos, Charlie descobre que Sam também sofreu abusos. Ela relata em uma cena que seu primeiro beijo foi com o patrão de seu pai, quando tinha apenas onze anos. Em um outro momento, Charlie comenta que soube que na época em que Sam era caloura, alguns garotos se aproveitavam quando ela se encontrava em estado de embriaguez. Algo que costuma ser recorrente em festas e baladas. Com certeza, muitas de nós já ouvimos mais de uma história de alguma mulher que foi molestada porque estava bêbada. E o pior, tal mulher, provavelmente teve que ouvir que a culpa foi dela porque bebeu demais.

E possivelmente devido a uma baixa-autoestima e alguns outros problemas psicológicos, Sam tolerava esse tipo de situação e acreditava que a culpa era dela. Está certo que exagerar no consumo de álcool com frequência é um problema grave, mas não dá direito a homem nenhum de se aproveitar de mulheres embriagadas. Um filme que ilustra muito bem esse tipo de situação é o Bela Vingança (2020), de Emerald Fennell. O longa mostra em várias ocasiões homens tentando tirar proveito de uma garota bêbada. E é assustador a naturalidade com a qual eles agem perante a um ato tão abominável (temos um episódio de podcast dedicado a este filme).

Ouça o episódio >> #15 Bela Vingança: entre a controvérsia e as reflexões necessárias

Além disso, podemos observar que Sam não teve um pai presente que se importasse e a protegesse. E como consequência dos abusos que sofreu, ela acabava entrando em relacionamentos que a faziam se sentir inferior. Contudo, no fim da história ela se compromete não só a ter relacionamentos amorosos saudáveis, mas também traz isso para sua relação consigo mesma.

Por exemplo, ao descobrir que seu namorado a traia, ela o abandona de imediato. Sam realmente procura colocar seu bem-estar em primeiro lugar e só se importar de fato com quem vale a pena. Assim como Candace, que no final da história também se livra do namorado abusivo.

Sam e Charlie. Imagem | Reprodução.

Já Patrick namora um garoto que ainda não consegue assumir que é gay. Brad (Johnny Simmons) além de ter um pai preconceituoso, possui um círculo de amizades que não tolera diferenças e que adora praticar bullying. Para manter as aparências, ele conserva esses amigos e só se encontra com Patrick às escondidas. O jovem aceita isso até que o pai de Brad descobre o relacionamento dos dois e dá uma surra no filho. Porém, Brad inventa uma história para justificar seus hematomas e opta por não expor a verdade.

Quando Patrick vai tirar satisfação, já que esse seria o momento para lutarem juntos pelo seu relacionamento e pelas causas que acreditam, Brad diz na frente de todos no refeitório para o garoto parar de ser obcecado por ele. O que resulta em uma séria briga entre eles e os outros amigos de Brad. Patrick só não é espancado porque foi salvo por Charlie. E mais uma vez, é possível observar duas pessoas que precisam muito de ajuda psicológica. Pois assim conseguiriam lidar melhor com seus sentimentos, medos e angústias.

Leia também >> Gaycation: uma viagem pela realidade da comunidade LGBTQ pelo mundo

Patrick desabafando com Charlie. Imagem | Reprodução.

A depressão de Charlie

Durante toda a trajetória de Charlie em As Vantagens de ser Invisível podemos observar que ele é um jovem que luta contra a depressão. Apesar do personagem passar quase a narrativa inteira reprimindo suas lembranças relacionadas ao abuso sexual que sofria, esse trauma mantém sequelas profundas. Assim sendo, podemos compreender o quanto a ajuda profissional e qualificada faz falta. Por não conseguir identificar a origem de seu trauma, Charlie se encontra em uma espécie de prisão mental. O garoto tenta controlar os efeitos de algo que ele nem sabe de onde vem.

Contudo, algo que ajuda Charlie a lidar com sua depressão são as cartas que escreve, apesar disso não ser tão abordado no filme quanto é no livro. Mas é interessante pensar que na área da psicologia escrever é um método recomendado para auxiliar a processar eventos emocionais. Charlie também busca fazer amizades. E ao conhecer amigos que o acolhem e o incluem ele começa a desfrutar mais das emoções do que é ser um adolescente. Ele tem até seu momento: sexo, drogas e Rocky (Horror Picture Show) – a exibição da peça inspirada no filme de 1975 é um dos melhores momentos da trama.

Apresentação da peça Rocky Horror Picture Show. Imagem | Reprodução

Sam e Patrick entendem um pouco da condição depressiva de Charlie ao descobrirem que seu único amigo se suicidou. Sam demonstra uma preocupação acentuada pelo amigo e busca mantê-lo confortável em seu novo círculo de amizade. E ainda que às vezes ele tenha dificuldades em lidar com a sua dor emocional e a de seus amigos, em geral suas novas amizades o ajudam a se sentir valioso. Isso colabora para que ele não se sinta mais sozinho com suas complexas emoções.

Leia também >> Jogos que falam sobre depressão e ansiedade

Charlie escrevendo e criando uma playlist para Sam. Imagem | Reprodução

No entanto, na manhã seguinte após ter se acertado com Sam e passado a noite com ela, Charlie sofre um colapso nervoso. Muitas emoções vem à tona ao ver todos os amigos que fez naquele ano partindo para a faculdade. A crise se sobrecarrega por pensar na morte de sua tia e ativar memórias reprimidas de quando ela o abusava. Sozinho em casa, Charlie telefona para Candace. Prontamente ela entende que seu irmão não está bem. E como tudo levava a crer que ele estava prestes a cometer suicídio, ela pede para uma amiga entrar em contato com a polícia para que vá até Charlie.

Um ponto interessante é que em nenhum momento Candace deixou de levar a sério o que o irmão estava sentindo. Não achou que fosse um simples exagero de alguém que quer chamar a atenção, como costuma ser rotulado o sofrimento de muitas pessoas que têm depressão. Por dar importância às aflições de Charlie, o pior não aconteceu. Nisso vemos a dimensão do não julgar os sentimentos alheios. A partir disso o garoto passa um tempo em uma clínica para ser acompanhado mais de perto por profissionais.

Leia também >> Lenin, The Lion: uma forma lúdica de falar sobre a depressão

É válido pensar que situações de abusos constantemente ficam presas nas lembranças e torturam mesmo quando são reprimidas. Às vezes sentimentos como culpa e ódio se fazem presentes na vida de alguém e a pessoa nem sabe porquê. Uma vez que essas angústias surgem devido às memórias reprimidas, o ideal é que se conte com ajuda profissional para serem rastreadas, elaboradas e ressignificadas. Pois quando a pessoa as resgata sozinha, pode não saber lidar e ter uma crise como a de Charlie.

Charlie recebendo a visita dos irmãos na clínica. Imagem | Reprodução.

Charlie recebe de sua família e amigos todo o cuidado e suporte necessários para iniciar o processo de se abrir a respeito de sua história sobre abuso. Assim ele dá início ao ofício de gostar mais de si mesmo. Ou como ele mesmo fala: de se sentir infinito. Com isso, o garoto não segue o mesmo caminho que o de seu melhor amigo. Que talvez em um momento de desespero, não tinha com quem se abrir e conversar sobre seus problemas. Sendo assim quis acabar com essa dor e pôs fim na própria vida.

Sendo assim, As Vantagens de ser Invisível valida a força salvadora de falar sobre abuso, suicídio e saúde mental. Não é fácil, e é um processo bem doloroso. Afinal, ninguém gosta de confrontar os traumas do passado. Por isso é importante reforçar que buscar por ajuda de outras pessoas, em especial de profissionais da área (psicólogos e psiquiatras), é essencial.

Leia também >> Sociedade dos Poetas Mortos: um retrato dos pesados fardos da juventude

Imagem | Reprodução.

Como se trata de um assunto muito delicado, para que nenhuma informação equivocada fosse trazida, antes de esse texto ser publicado foi revisado por duas psicólogas (Denise Abreu e Caroline Wachter – obrigada).

Lembramos também que através do número 188, um auxílio imediato pode ser recebido pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), que inclusive faz atendimentos pelo site. Além disso, é apropriado procurar pelos serviços públicos de saúde como CAPS ou CRAS. Como estamos vivendo um período de pandemia, é bom lembrar que alguns profissionais dessa área atendem de forma online e com preços mais acessíveis.

Em caso de emergência: SAMU 192, Bombeiros 193.

Não esqueça, viver é sempre a melhor escolha!

Escrito por:

22 Textos

Denise é bacharela em cinema e tem amor incondicional por tal arte. Pesquisa e escreve sobre feminismo e a representação das mulheres na área do audiovisual. É colecionadora de DVDs, fã da Audrey Hepburn, apaixonada por Rock n' Roll e cultura pop. Adora os agitos dos shows de rock, mas tem nas salas de cinema seu local de refúgio e aconchego.
Veja todos os textos
Follow Me :