Silvana Jeha: “lutamos para construir a história da mulher com menos registro que os homens têm”

Silvana Jeha: “lutamos para construir a história da mulher com menos registro que os homens têm”

Autora da obra “Uma História da Tatuagem no Brasil“, livro publicado pela Editora Veneta e lançado em setembro deste ano, Silvana Jeha tem 46 anos, é paulistana e historiadora. Ela conversou com o Delirium Nerd sobre a produção de sua obra, que aborda as “fases” da tatuagem no país e como ela foi disseminada, e também sobre projetos futuros e obras em andamento, além de expressar claramente sua intenção com sua obra e o feminismo no contexto.

Ficar com suas gatas, ler (de preferência na rede), andar na cidade e dançar são os hobbies da autora Silvana Jeha, que adora Machado de Assis, seu escritor favorito. Recentemente leu o quadrinho “Asa Quebrada”, de Antonio Altarriba e Kim, “E se eu fosse puta”, de Amara Moira, e “Paixão Pagu”, de Patricia Galvão. Gosta das séries “Lama dos dias”, de Hilton Lacerda e Dj Dolores, “Fleabag“, de Phoebe Waller-Bridge, “Atlanta“, de Donald Glover, e “Ela quer tudo“, de Spike Lee. Andou vendo os filmes “O atalante”, de Jean Vigo, “Imagens do Inconsciente” e “Tatuagem”, também de Hilton Lacerda.

A extensa pesquisa de Silvana Jeha e a tatuagem nas décadas passadas

Para produzir seu livro, Silvana Jeha imergiu totalmente em pesquisas e acervos para narrar uma história importante e que precisa ser conhecida. “Fiz uma tese sobre marinheiros no século 19 e encontrei os primeiros registros de tatuagem no Brasil, não as primeiras pessoas tatuadas, pois como eu digo no livro, são os indígenas as primeiras pessoas tatuadas no território chamado Brasil“, conta Silvana.

Sobre a primeira etapa da produção de “Uma História da Tatuagem no Brasil“, a autora terminou sua tese e se inscreveu num edital da Biblioteca Nacional para pesquisa no acervo, sobre tatuagem, e também no Museu Penitenciário Paulista, que conta com cerca de 2600 fotos de tatuados das décadas de 20 e 30, que são a base do livro.

Silvana Jeha em Portugal, pesquisando em um acervo de peles tatuadas em conserva para a produção de "Uma História da Tatuagem no Brasil"
Silvana Jeha em Portugal, pesquisando em um acervo de peles tatuadas em conserva para a produção de sua obra (Foto: arquivo pessoal)

O processo foi nos jornais nos séculos 19/20, no acervo de 2600 fotos de tatuagens e fichas que contam histórias das tatuagens do Museu Penitenciário e os livros de literatura ao longo da obra, que fornecem pra gente uma sensibilidade diferente da notícia do jornal“, adiciona Silvana sobre toda a pesquisa feita. “Deu pra conhecer um pouco das várias culturas da tatuagem que estavam acontecendo no Brasil ou que estavam no Brasil“.

Silvana também discorre sobre o uso da tatuagem a partir das décadas de 70 no país, alegando que tal uso faz parte das revoluções comportamentais que atingiram diretamente os corpos das pessoas. Segundo a autora, temas como sexualidade, gênero e corpo mudaram de lá pra cá, pois até os anos 70, tatuagens só apareciam nas páginas policiais da imprensa e depois começaram a aparecer na questão do uso pelas tribos urbanas, hippies, surfistas e punks, por exemplo.

“Em algumas mulheres [a tatuagem] só foi aparecer mais pra década de 80, mas até então a imagem da tatuagem era totalmente associada à marginalidade, aos bandidos e às prostitutas, que são criminalizadas sem serem criminosas.” – Silvana Jeha

Racismo e misoginia no contexto da tatuagem

Há um capítulo na obra de Silvana sobre os africanos e africanas no contexto da tatuagem no Brasil. A autora explica que fez este capítulo mais etnográfico, visto que estudou os escravizados e tratou da diversidade africana que veio ao Brasil e a cultura do ambiente africano – que também deixou marcas na tatuagem brasileira e não só dentro dos terreiros. “Os africanos deixaram uma marca em tudo no Brasil“, pontua.

Foto: Gabriela Prado/Delirium Nerd

De uma família interracial, Jeha comenta sobre como a mulher negra foi e é vista na sociedade: “a história do Brasil é marcada por uma presença de africanos e afrodescendentes, e é claro que eu acho que a mulher negra, o maior grupo populacional do Brasil, é o grupo que mais sofre discriminação, tatuada ou não“, descreve, frisando ainda que, antes de historiadora, já possuía sensibilidade sobre a questão.

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Também é notável na história da tatuagem que mais homens do que mulheres são destacados ou mencionados, principalmente marinheiros, pois na época não havia, pelo menos não oficialmente, como cita Silvana, marinheiras, e a autora diz que tem a impressão de que menos mulheres se tatuavam, em comparação aos homens, pois muitas vezes a mulher fica subnotificada na história. “Lutamos para construir a história da mulher com menos registro que os homens têm”

Novos projetos e gratificações

Silvana Jeha está escrevendo atualmente sobre Arthur Bispo do Rosário e Aurora Cursino dos Santos
Bispo do Rosário (Imagem: divulgação)

Silvana adianta que está com novos projetos: um deles é retomar sua tese sobre marinheiros e publicar tal conteúdo de forma diferente, agregando outros assuntos, e a atual é uma pesquisa sobre artistas que produziram em manicômios, Aurora Cursino dos Santos e Arthur Bispo do Rosário. Estou escrevendo sobre a memória na obra deles. Bispo era marinheiro e artista e Aurora ninguém nunca estudou pra valer. Ela foi prostituta e depois produziu uma obra com memórias de sua vida, tanto familiar quanto na prostituição“, antecipa Silvana, completando que já lê a obra de Aurora como uma obra feminista, assim como suas artes, como “um grito de revolta“.

Obra de Aurora Cursino
Obra de Aurora Cursino (Imagem: reprodução)

A historiadora também conta ao Delirium Nerd que adora receber recadinhos em suas redes sociais de leitores e leitoras de seu livro, de quem se identifica ou fica surpreso com dados que não sabia ou reconhecimento de uma cultura nunca reconhecida antes. “Eu amo receber esses recadinhos, realmente é um retorno do público. De tatuadores e das pessoas do mundo da tatuagem, eu realmente tive um pouco de medo de qual e como seria a aceitação, mas tenho estado com tatuadoras e tatuadores e gostado muito, estou aprendendo muito sobre tatuagem“, encerra.


Edição realizada por Isabelle Simões.

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Redatora e revisora de textos, apaixonada por língua portuguesa, jornalista de formação e curiosa nas artes gráficas. Escreve sobre terror, sci-fi e comédia e sempre tem uma garrafinha de água na mão. LGBTQIA+ e antifascista.
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