Imagine a cena: um dia à noite, aviões planam baixo sobre campos nazistas, despejando bombas com o motor desligado. Missão cumprida. O ataque foi realizado pelo temido 588º Regimento Aéreo Feminino Russo, do 46º Regimento de Bombardeio da Guarda Taman. Pela destreza de seus voos, o grupo recebeu o apelido de “bruxas da noite” (Nachthexen, em alemão).
Formado por voluntárias que se alistaram no início da guerra, o grupo operava sempre à noite, atacando posições alemãs como pontes, depósitos de combustível, munição, tropas e veículos.
Aqueles malditos aviõezinhos. Chegam apenas à noite, descem em silêncio, lançam sua carga de fogo e voltam rapidamente para as nuvens. Em poucos minutos, semeiam terror e destruição.
Do campo, tentam aprisioná-los nas redes dos refletores, mas eles escapam da artilharia antiaérea. Quando esta começa a disparar, é tarde demais; eles já estão nas alturas de novo, além do manto de nuvens.
(página 9)
No livro, a saga das únicas soviéticas a se tornarem aviadoras na Segunda Guerra Mundial é contada pela última sobrevivente, Irina Rakobolskaja, matemática e física, vice-comandante do regimento 588 e chefe de equipe. Irina estava com 96 anos quando foi entrevistada por Ritanna.
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Entre pesquisas e chás
Além de realizar uma pesquisa intensa, Ritanna passou tardes na casa de Irina para ouvir histórias, ver fotos, livros e mapas. As conversas renderam uma breve amizade. Pelos capítulos, a história é brevemente interrompida com relatos desse período da entrevista (facilmente discerníveis em itálico).
Com sensibilidade e linguagem objetiva, Ritanna reporta as dificuldades e coragem dessas “bruxas”; tornaram-se temidas mesmo usando equipamentos menos modernos que os dos homens.
Até 1944, elas voavam sem paraquedas para transportar mais bombas, planando baixo sobre os campos nazistas com motores desligados. As “bruxas da noite” causavam terror psicológico e destruição, sem precisar de radar. Em condições difíceis, cumpriram a missão, lançando mais de 20 mil toneladas de bombas.
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A luta também era contra o machismo
Segundo a historiadora russa Lyuba Vinogradova, as russas no front enfrentaram machismo, com equipamentos precários, assédio e violência sexual. Chamadas de “bonecas” e consideradas “bonitas demais para uma missão”.
Para se sentirem mais fortes, ficam sempre juntas, prontas a retribuir o desdém masculino com audácia. À hostilidade e à ironia respondem com indiferença e altivez.
Vão ao refeitório em fila, olhando para a frente, ignorando quem as observa ou cumprimenta, cantando, quase gritando uma canção que Katya [uma das aviadoras] é a primeira a entoar com voz estridente.
Quando pilotos, instrutores ou soldados as veem passar, riem e gritam com escárnio:
― Lá vai o batalhão da morte. (páginas 107 e 108)
O esquecimento no pós-guerra
Após enfrentar dificuldades para conquistar respeito e testemunhar perdas em combate, as sobreviventes da guerra foram desprezadas pelo governo russo.
Recusadas como aviadoras ou em novos empregos, reergueram-se, como Irina, que retornou aos estudos e tornou-se professora na Universidade Estatal de Moscou.
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