Aproveitando o climinha de terror com o Halloween, montamos essa lista com oito indicações de quadrinhos para invocar o melhor do terror ilustrado. Apreciem!
Por Laís Fernandes
Clara Carcosa – Juliana Fiorese
Em “Clara Carcosa”, acompanhamos a protagonista Clara, uma garota de aparência fantasmagórica que, enquanto caminha por um local hostil, relembra passagens de momentos que vivera. Em seu monólogo, ela conversa com leitores e leitoras sobre as angústias que rondam seu coração naquele momento, no qual as trevas se fazem presentes e não a ofertam quaisquer expectativas de sair daquela condição. Inúmeras interpretações quanto ao texto de Juliana Fiorese, roteirista e desenhista do quadrinho, são possíveis, principalmente quanto à saúde mental da personagem – e até de nós mesmas.
Valendo-se de um teor poético para criar as narrações e as falas de Clara, influenciada por grandes escritores como Edgar Allan Poe e Ambrose Bierce, do qual, inclusive, o nome “Carcosa” teve origem, uma vez que este é autor do conto “Um Habitante de Carcosa”, o qual narra a peregrinação de um homem pelas ruínas do que parece ser um cemitério abandonado, Juliana também insere aspectos do folclore paraibano, mais especificamente de João Pessoa, sua cidade, para acrescentar ainda mais originalidade à obra. O jogo Limbo também foi amplamente uma das fontes de inspiração de “Clara Carcosa”.
A autora assina a identidade visual da obra através da mescla de uma história soturna com um traço delicado em suas composições gráficas, o que torna a experiência desta leitura ainda mais agradável. O quadrinho foi financiado pelo Catarse e é a obra autoral de estreia de Juliana.
A Menina do Outro Lado – Nagabe
Em “A Menina do Outro Lado“, Shiva é uma garotinha que precisa sobreviver aos mistérios que a cercam com a ajuda de Sensei, uma criatura que, para muitos, faz parte de uma raça amaldiçoada.
Na obra do mangaká Nagabe, acompanhamos a trama envolvendo as pessoas do chamado “mundo de dentro”, uma cidadela cercada por muralhas há eras, cujos habitantes acreditam que, há muito tempo, houve um combate entre o Deus da Luz e o Deus das Trevas, o que acarretou no banimento das criaturas das trevas, logo amaldiçoadas pelo deus da luz a terem de vagar solitárias e isoladas do lado de fora da fortaleza, com o adendo de que ninguém mais poderia ter contato com elas, pois seriam vítimas de uma maldição que as transformaria naquelas criaturas animalescas.
O mangá versa sobre intolerância e sobre quão prejudicial pode ser a desinformação, o preconceito e a violência banalizada e institucionalizada. Em contraponto ao mundo hostil em que vive, Shiva encontra um lar e companheirismo na figura de Sensei, que cuida da menina com muito carinho.
Sensei é uma alma atormentada que possui um passado nebuloso, mesmo não deixando isto transparecer para Shiva. Muito pequena e dona de uma inteligência e carisma fora do comum, Shiva encanta através de sua inocência, sendo um alívio para Sensei e para as espectadoras e espectadores que acompanham esta obra tão relevante. O traço de Nagabe é detalhado e faz contraposições entre luz e sombra, bem e mal: a dicotomia visivelmente expressa ao longo dos volumes já existentes.
Francis – Loputyn
A italiana Jessica Cioffi, mais conhecida como Loputyn, apresenta no quadrinho “Francis” uma linda fábula acerca das descobertas, emoções, sensações e aventuras da bruxinha Melina às vésperas de um dia extremamente importante em sua vida: uma competição pelo cargo de sacerdotisa do coven do qual faz parte.
Por conta da procrastinação, Melina acaba deixando afazeres importantes para a última hora, e necessita invocar Francis para ajudá-la, o espírito de uma raposa que se torna seu fiel companheiro e passa a influenciá-la. Francis funciona na narrativa como um alter ego da própria Melina, que precisa se desprender de quem era para realizar os desejos mais íntimos que possui dentro de si – mesmo que, para isto, precise encarar as consequências acarretadas para si e para as outras bruxas.
Publicado no Brasil pela Darkside Books, o quadrinho de Loputyn é curto, mas deixa suas raízes dentro dos corações de leitores e leitoras, não apenas pelo tema fascinante das bruxas, como também pelo traço aquarelado da artista, que a cada página nos transporta para uma atmosfera onírica e nos faz imergir em cada cena.
Minha Coisa Favorita é Monstro – Emil Ferris
Karen é a protagonista de “Minha Coisa Favorita é Monstro”, grandiosa obra de estreia da quadrinista norte-americana Emil Ferris. Publicado no Brasil pelo selo Quadrinhos na Cia., na trama, acompanhamos a vida da garotinha de 11 anos que, apaixonada por histórias de terror, nos conta sobre os terrores cotidianos que a cerca.
A história tem início quando Karen descobre que a vizinha, Anka, uma imigrante alemã pela qual Karen nutria profunda admiração e carinho, havia sido supostamente assassinada em seu apartamento. A garota decide, então, investigar por conta própria as circunstâncias misteriosas que rondavam o caso, ao passo que descobre também fatos aterradores do passado de Anka.
“Minha Coisa Favorita é Monstro” conversa com os leitores sobre o verdadeiro horror que existe em tantos lugares: preconceito, intolerância e violência são apenas alguns dos temas que o quadrinho discute de forma muito real em perspectiva com o cenário mundial atual, mesmo retratando a Chicago da década de 60. Outro ponto muito importante da obra de Emil Ferris é a contextualização histórico-espacial; leitores e leitores conseguem sentir exatamente os terrores pelos quais Karen e as pessoas que a cercam são submetidos em um cenário aterrador. Ademais, o quadrinho apresenta diversas referências culturais, como quadros famosos e filmes lançados naquela época.
A obra é parcialmente autobiográfica, uma vez que a própria quadrinista é fascinada por filmes B de monstros e por ter, na juventude, uma personalidade que destoava das demais assim como Karen. Inclusive, a atração da autora por mulheres é refletida nas descobertas de Karen nos primeiros anos da adolescência.
Em sua trajetória para publicar “Minha Coisa Favorita é Monstro”, Emil encarou muitas dificuldades. No entanto, o quadrinho chamou a atenção da crítica justamente por ser multifacetado e possuir uma história envolvente, tornando-se um dos mais importantes da nova geração de autores(a) quadrinistas.
Por Jéssica Reinaldo
Gibi de Menininha – organização Germana Viana
Algumas pessoas, às vezes, e em sua maioria homens cis, imaginam que horror e erotismo estão muito distantes da realidade das mulheres. Pensam que não nos interessamos por essas formas de narrativa, ou que não gostamos desses gêneros. Porém, existe uma forte movimentação para que essa ideia sem fundamentos seja destruída de uma vez por todas, e muitas mulheres têm feito trabalhos belíssimos em ambas as categorias, tanto no terror, (re)tomando o gênero e construindo um horror muito mais amplo, consciente e eficaz, como no erotismo, trabalhando para demonstrar que o prazer feminino também tem vez nessas obras, e pode ser feito de forma razoável e, principalmente, com respeito.
Aqui no Brasil, um dos exemplos mais fortes é “Gibi de Menininha“, sob a organização de Germana Viana, que já está no seu segundo volume (que será lançado em dezembro, após outra campanha de enorme sucesso no Catarse) e que foi vencedor de prêmios nacionais importantes, como HQMix e Angelo Agostini.
Germana reuniu um time de quadrinistas, roteiristas e ilustradoras, e formou um dos melhores gibis lançados nos últimos anos. Antológico, com histórias que se conectam por meio da infame (e linda!) Mama Jellybean, um tipo de Guardião da Cripta, como nos quadrinhos de Contos da Cripta (porém muito mais carismática, precisamos confessar), vamos descobrindo aos poucos alguns detalhes que fazem toda a diferença para o restante das histórias.
Leia também:
>> Quadrinhos eróticos feitos por mulheres: erotismo para além dos homens
>> 8 livros para mergulhar no melhor do horror contemporâneo
>> Livros e quadrinhos LGBTQ+ “impróprios” que o Delirium Nerd aprova
“Gibi de Menininha” é um excelente quadrinho que, com mãos habilidosas, traz histórias aterrorizantes e eróticas, em um equilíbrio digno de nota. Pode te fazer arrepiar de medo ou de prazer, dependendo do que você procura.
O segundo volume intitulado “O Faroeste é mais Embaixo”, traz ainda uma ambientação de faroeste, outro gênero que muitos consideram pouco interessante para mulheres. Contudo, outro enorme engano! Já que tais gêneros só não são interessantes para nós quando as velhas histórias e estereótipos se repetem exaustivamente; o que, de forma alguma, é o caso de “Gibi de Menininha”.
Floresta dos Medos – Emily Carroll
As relações entre o horror e os contos de fadas já são há muito tempo estudadas e percebidas, e não dificilmente alguém nos presenteia com novos contos sombrios e aterrorizantes para uma boa noite de sono pouco tranquila. Angela Carter, uma das principais autoras dessa subcategoria e desse tipo de narrativa, influenciou diversas outras, entre elas, Emily Carroll.
Lançado pela DarkSide Books, com tradução de Bruna Miranda, “Floresta dos Medos” é um quadrinho antológico, com cinco histórias, escrito por Emily Carroll, ganhadora do prêmio Eisner. Carroll trabalha de forma belíssima a ideia de contos de fadas, com um toque de tensão e com narrativas que podem parecer muito antigas, mas são também extremamente novas.
Suas cores, artes e histórias, tudo compõe um quadro mágico e assustador diante de personagens que precisam lidar com diversos medos diferentes: ausência, perda, amor, sentimentos cotidianos que assumem um tom sombrio ao serem descritos pelas mãos de Carroll.
“Floresta dos Medos” é uma leitura rápida e fluida, que pode te deixar reflexiva por diversos minutos (ou horas, dependendo do quanto cada história te prender). Lembre-se de ler com a luz acesa, checando os cantos dos quartos, e cuidado com o uivo do vento lá fora.
Por Mariana Rio
Beladona – Ana Recalde e Denis Mello
“Beladona” é uma HQ nacional de terror, criada e roteirizada por Ana Recalde e pelo ilustrador e quadrinista Denis Mello. Sua primeira publicação foi feita em formato de webcomic, em 2012, através de um financiamento coletivo, e posteriormente foi publicada em formato físico pela editora AVEC.
A obra conta a história de Samantha, uma garota tímida que sempre foi considerada a esquisita da escola. Filha única de mãe solteira, desde criança é perseguida por pesadelos horripilantes que atrapalha sua interação social. À medida que vai crescendo, seus pesadelos no mundo dos sonhos e na realidade ser tornam cada vez mais perigosos. Como qualquer adolescente, Samantha busca desesperadamente um lugar no mundo, e sua jornada por aceitação e liberdade reflete no seu processo de amadurecimento. Atormentada e perseguida por seres sobrenaturais que pode ou não ser fruto de sua imaginação, ela terá que fazer uma grande escolha de vida.
“Beladona” nos faz lembrar de outros quadrinhos nacionais do gênero, como “Dora“, da Bianca Pinheiro e “Sombras do Recife“, da Roberta Cirne. E apesar de não ser uma obra perturbadora que busca provocar sustos baratos, sua narrativa usa o terror para debater diferentes temas, como bullying, abandono parental, descoberta da sexualidade, e padrão de beleza.
Além de um roteiro coerente e fluido, “Beladona” nos fornece uma ambientação onírica, onde a colorização e as ilustrações são uma atração à parte. Em 2014, o quadrinho foi premiado com o troféu HQMIX de melhor Webcomic, e recentemente ganhou uma versão em RPG, além de uma adaptação em formato de peça, que levou, em 2016, o troféu HQMIX de adaptação para outra Linguagem.
Por Isabelle Simões
Lady Killer – Joëlle Jones e Jamie S. Rich
Quarenta anos antes de Jack, o Estripador, a Inglaterra enfrentou uma terrível série de assassinatos. A responsável era uma dona de casa chamada Mary Ann Cotton. E assim como Mary, Josie Schuller, a protagonista de “Lady Killer” – quadrinho da dupla Joëlle Jones e Jamie S. Rich – também é a personificação da dona de casa padrão, aquela que dedica todo o seu tempo nos cuidados do lar, além de ser uma serial killer nas horas vagas.
Na trama, Josie Schuller vive nos anos 50 e mora com o marido, suas duas filhas e a sogra, e ninguém sabe sobre sua aptidão sangrenta, embora sua sogra desconfie que há algo de errado com a nora. A partir do momento que Josie deixa de cumprir uma das funções mais importantes do cronograma da “esposa ideal”, como quando ela atrasa o jantar da família, sua sogra suspeita de suas motivações.
Josie também trabalha fora de casa, para uma empresa de matadores de aluguel, aceitando os casos mais difíceis da empresa, que consistem em assassinatos de pessoas poderosas, geralmente homens ricos e cercados de segurança. O chefe de Josie lhe designa casos que profissionais homens provavelmente não conseguiriam realizar, afinal quem poderia desconfiar que por trás de uma femme fatale há uma serial killer impiedosa? No entanto, apesar de Josie ser uma das melhores profissionais dessa empresa, isso não é o suficiente para o seu chefe, que diz que ela está dedicando tempo demais a família e que isso pode comprometer futuramente a qualidade do seu trabalho, mesmo ela provando o contrário. Além disso, Josie ainda precisa enfrentar os assédios constantes do seu supervisor.
Em “Lady Killer” temos a história de uma uma personagem que contraria tudo o que foi esperado dela enquanto mulher: passividade, docilidade, altruísmo e recato. Joëlle Jones, responsável pela arte e co-roteirista do quadrinho, estará presente na próxima edição da CCXP. Você pode conhecer mais sobre o trabalho dela aqui.