Em seus dois últimos episódios, WandaVision abandona por completo a roupagem das sitcoms, optando por uma abordagem mais direta e familiar ao público que acompanha o MCU. Enquanto que o oitavo episódio se destina a estabelecer uma genealogia do luto de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), o capítulo final preocupa-se muito mais em finalizar tudo com grandes batalhas repletas de CGI e estabelecer precedentes para as próximas atrações do Universo Cinematográfico, do que efetivamente trazer um fechamento coeso ao arco narrativo de sua protagonista.
Nos episódios anteriores de WandaVision…
AVISO: o texto abaixo contém spoilers
Em “Previously On…”, pela primeira vez desde o início da série, a ação se volta exclusivamente para Wanda e sua história pregressa. Onde, em entradas anteriores, havia o subterfúgio dos simulacros televisivos ou o núcleo de outras personagens, aqui a feiticeira já não pode mais fugir de si mesma, não se depender de Agatha Harkness (Kathryn Hahn), que a acompanha nesta jornada como uma espécie de Fantasma do Natal Passado.
Na cena de abertura, temos um vislumbre do próprio passado da bruxa mais velha, como parte de um coven em Salém, no século XVII. No presente, Agatha atraiu-se pela alta concentração de magia e complexos encantamentos necessários para a manutenção de uma ilusão tão monumental como o domo de Westview, infiltrando-se no local para descobrir mais.
Agora, próxima de Wanda, a bruxa não hesita em pressionar onde dói para obter o que deseja saber. Imobilizada no porão da casa de sua vizinha, a Vingadora se vê obrigada a revisitar momentos dolorosos de seu passado, se quiser ver os gêmeos Billy (Julian Hilliard) e Tommy (Jett Klyne) novamente. Inadvertidamente, este ainda é o exato remédio que a feiticeira necessita em meio à perda do suposto controle que mantinha sobre a ilusão do Hex, rumo à inevitável e dolorosa conclusão de que, mais cedo ou mais tarde, terá de encarar a realidade que lhe aguarda do lado de fora.
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O ponto de partida deste trabalho genealógico é a infância de Wanda em Sokovia, ao lado do irmão e dos pais, assistindo a sitcoms estadunidenses pirateadas trazidas pelo pai. É a fatídica noite abordada pela primeira vez em Vingadores: Era de Ultron, quando um míssil das Indústrias Stark atingiu o pequeno apartamento da família Maximoff e vitimou os pais de Wanda e Pietro. No diálogo com Ultron (James Spader) no filme de 2015, é relatado que os gêmeos passaram horas agachados em frente ao míssil, entre os escombros da explosão, esperando a detonação a qualquer momento.
Em WandaVision, descobrimos que, sem perceber, Wanda manifestara um feitiço naquele momento, alterando as probabilidades para que o armamento jamais explodisse. Para Agatha, contudo, esta frágil manifestação de poder ainda não explica todo o potencial mágico que a jovem feiticeira atingiria em Westview. Assim, avança-se para a próxima memória.
Ao acessar a memória do quartel-general da HYDRA, Agatha pergunta o que levaria Wanda a se submeter aos experimentos de um grupo notadamente antidemocrático e autoritário (curiosamente driblando a palavra “nazista”). Trata-se de um questionamento de longa data de fãs dos quadrinhos, considerando a história da Feiticeira Escarlate e seu irmão Mercúrio nas HQs, ligada a raízes Romani e judaicas, ao vislumbrar que suas contrapartes cinematográficas se juntaram voluntariamente à organização.
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A resposta da Vingadora: “Queríamos mudar o mundo”. Evitando se debruçar demais sobre o tópico, a narrativa avança para o momento em que Wanda entra em contato com a Joia da Mente no cetro de Loki, e não apenas sobrevive à experiência como visualiza a si mesma como a epônima “Feiticeira Escarlate” pela primeira vez. Descobrimos, então, que a Joia amplificara um poder latente na personagem desde a infância.
Ainda curiosa, Agatha faz com que Wanda avance mais um pouco rumo a seu passado recente, no complexo dos Vingadores, onde a jovem vivencia o luto pela perda do irmão. Assistindo a um episódio de Malcolm in the Middle ao lado de Visão (Paul Bettany) em seu quarto, Wanda afirma que nada além da presença de Pietro resolveria seus sentimentos de luto. “Mas o que é o luto, senão o amor perseverando?”, questiona o sintozoide, em uma das cenas mais comoventes da série.
A última memória, por fim, nos leva de volta ao dia em que Wanda adentrara as instalações da S.W.O.R.D. em busca do corpo de seu falecido amado, a fim de lhe prover um funeral digno. Lá, Tyler Hayward (Josh Stamberg) lhe mostra um Visão fragmentado e examinado como um experimento de laboratório, uma forma senciente de Vibranium estimada em milhares de dólares, cara e valiosa demais para ser enterrada.
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Arrasada com a imagem fragmentada do ex-Vingador, a feiticeira abandona as instalações e se dirige a Westview, ao descobrir que este adquirira uma propriedade na cidade antes de falecer, e que pretendia construir um lar para o casal. Ao se defrontar com o terreno abandonado, Wanda dá vazão a todos os seus sentimentos de dor, trauma e luto, gerando o domo em torno de si, e recriando Visão a partir de suas memórias, em uma espécie de dissociação.
Satisfeita com o que descobriu, Agatha atrai Wanda para o lado de fora, teletransportado-se para a rua, onde mantém Billy e Tommy presos por amarras mágicas. Lá, revela que uma dimensão como o Hex, que só poderia ser criada com anos de experiência em bruxaria, fora gerada pela feiticeira a partir de seus poderes de magia do caos, que também trouxeram sua versão de Visão à vida. Pela primeira vez desde que fora introduzida ao MCU, Wanda tem seu nome heroico revelado: por sua habilidade de manipular o caos, ela é a mítica figura da Feiticeira Escarlate.
O final apressado e frenético de WandaVision
“The Series Finale” prossegue em um ritmo acelerado, em um estilo muito mais próximo dos longas regulares do MCU. Ao revelar a identidade de Wanda Maximoff como a Feiticeira Escarlate, Agatha Harkness também conta seus planos de absorver os poderes da jovem bruxa para utilizá-los da forma que considera mais apropriada.
Enquanto isso, o Visão Branco, revelado na cena pós-créditos do penúltimo capítulo, surge em Westview. Recriado sob o comando de Tyler Hayward a partir do corpo do antigo Visão, e reanimado a partir dos resíduos de magia do caos deixados por Wanda no drone com que o diretor da S.W.O.R.D. tentara assassiná-la no episódio 5, este novo sintozoide surge com a missão de eliminar a feiticeira. O Visão de Westiview, contudo, logo surge em auxílio da esposa para imobilizar sua contraparte.
Monica Rambeau (Teyonah Parris) reaparece após a cena pós-créditos do episódio 7, presa ao sótão da casa de Agatha, vigiada pelo falso Pietro (Evan Peters) e impossibilitada de abandonar o local. Após finalmente imobilizá-lo e retirar o colar com que a bruxa mantivera seu controle sobre o rapaz, Monica descobre que a figura misteriosa é apenas mais um dos moradores de Westview, Ralph Bohner – o mesmo Ralph das piadas e comentários sarcásticos de “Agnes” ao longo da série. Liberta, a capitã procura por Wanda na praça central da cidade.
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Durante um embate na biblioteca de Westview, Visão confronta Visão Branco para convencê-lo de que nenhum dos dois de fato consiste no Visão original, ao mesmo tempo em que ambos o são – Visão criado a partir das memórias e dos poderes de Wanda, Visão Branco criado a partir do corpo de sua antiga encarnação. Visão, então, desbloqueia as memórias armazenadas do outro sintozoide que, confuso e reflexivo acerca de sua identidade, abandona o domo e não mais retorna.
Voltando ao centro de Westview, Agatha obriga Wanda a se confrontar com o povo da cidade, ao libertá-lo da manipulação mental que a feiticeira impusera. Chocada com os relatos traumáticos e com as súplicas de que, ao menos, os deixem morrer, Wanda reage abrindo o Hex para que suas moradoras e moradores fujam para longe da tortura a que foram submetidos. Inevitavelmente, tanto Visão quanto os gêmeos Billy e Tommy começam a se desintegrar assim que as paredes se dissolvem, e Wanda fecha as portas de sua dimensão mais uma vez, mantendo apenas a si, sua família e a feiticeira mais velha dentro do local.
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Lá, Agatha relata à bruxa mais jovem acerca do Darkhold, um livro de influência maligna no qual a Feiticeira Escarlate possui um capítulo inteiro dedicado a si, detalhando seu destino em trazer a destruição do mundo. Literalmente virando o feitiço contra sua própria feiticeira, Wanda utiliza o conhecimento de runas demonstrado por Agatha no episódio anterior, permitindo-lhe que seja a única bruxa a conjurar encantamentos no espaço fechado do Hex. Absorvendo seus poderes de volta, Wanda se transmuta na Feiticeira Escarlate, prende a outra bruxa em sua persona de vizinha intrometida “Agnes”, e afirma que, se necessitar dos conhecimentos dela, saberá onde procurar.
Após colocar os gêmeos para dormir, e despedir-se de Visão, Wanda desfaz o Hex. De volta ao terreno abandonado do episódio anterior, a feiticeira atravessa uma verdadeira “caminhada da vergonha”, confrontando-se com os olhares raivosos e traumatizados da população de Westview que pusera sob seu controle. Em Monica Rambeau, contudo, encontra uma certa compreensão. Com Hayward prestes a ser preso, e a aproximação das sirenes da polícia, Wanda se despede da capitã e voa para longe da cidade.
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Dentre as duas cenas pós-créditos, a primeira estabelece um precedente para Monica, recrutada por uma Skrull para se juntar ao espaço, a pedido de “um amigo de sua mãe”. Já a segunda mostra uma Wanda isolada nas montanhas após os acontecimentos da série, estudando acerca de seus poderes e habilidades com o auxílio do Darkhold, até que escuta os gritos de socorro do filho Tommy, teoricamente dissolvido junto com o domo de Westview, levantando especulações acerca de sua próxima aparição em “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, previsto para 2022.
Potenciais, experimentações e metanarrativas: o que poderíamos ter visto em WandaVision
Em diversas entrevistas concedidas pela equipe criativa da série, notadamente pela showrunner Jac Schaeffer e pelo diretor Matt Shakman, muito foi dito acerca dos dois principais objetivos de WandaVision: debruçar-se sobre a mídia televisiva de sitcoms, suas possibilidades e convenções narrativas; bem como contar uma história sobre trauma e luto por trás desta estética.
Acerca do passeio televisivo, resta clara a premissa metalinguística: WandaVision é, afinal, uma série sobre séries. Schaeffer declarara, em mais de uma ocasião, sobre tratar-se de uma experiência pensada especialmente para a televisão, implicando em um potencial experimental não visto com tanta frequência no MCU, até então. Desta forma, o oitavo episódio deveria justificar substancialmente a escolha estética em contar uma narrativa sobre luto a partir destes pressupostos.
Como já se comentou em uma oportunidade anterior, a justificativa a partir da infância de Wanda em um contexto pós-soviético cujo acesso a tais mídias se dera tardiamente parecia uma escolha acertada. Todo este potencial, contudo, resta um tanto quanto subaproveitado, tanto na narrativa pessoal de sua protagonista como na proposta metalinguística da obra.
Em primeiro lugar, o contato de Wanda com estas mídias, ainda em Sokovia (DVDs pirateados e ilegais, reservados para que a família treinasse a pronúncia do inglês) não convence por completo. Para estabelecer a relação emocional entre uma menina nascida do Leste Europeu e peças de mídia estadunidenses ao longo de sua vida, parece faltar algo – especialmente considerando o sentimento anti-imperialista e anti-EUA que inspirou tanto a si quanto ao irmão a frequentar protestos de rua e, futuramente, a voltar-se contra os Vingadores em Era de Ultron.
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É inevitável pensar nas implicações sociopolíticas de uma vivência como esta, e a série as reconhece em alguma medida, como quem pisa em ovos, ou menciona-as de forma quase apologética, um mea-culpa. A piada de Agatha sobre a “vibe de Guerra Fria”, diante das lembranças domésticas de Wanda, sinaliza bem este desconforto, por parte do roteiro, em navegar pelo terreno espinhoso. Tudo isso, portanto, dificulta a exploração da dimensão emocional destas obras de forma convincente, restando espalhar as mídias televisivas pelas memórias-chave da personagem, e esperar que a audiência aduza a ligação da feiticeira com os programas a partir disso.
Em segundo lugar, após o fim das homenagens televisivas a partir do sétimo episódio, WandaVision adota um formato mais direto e tradicional, como se tudo o que vimos até então não passasse de um sofisticado embrulho de presente que ocultasse, no fim das contas, mais um filme pensado a partir da “fórmula Marvel”. Algumas destas concessões restam, sim, necessárias para o passeio pela subjetividade de Wanda na penúltima entrada, na medida em que tudo o que vimos da personalidade da protagonista, até aquele momento, jazia escondido debaixo de uma atuação estereotipada, inspirada nos programas de outrora. Em seu capítulo final, entretanto, tais concessões se revelam um tanto quanto falhas e incapazes de sustentar as temáticas levantadas pela série.
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Perde-se, afinal, a criatividade no manuseio dos tropos e convenções narrativas, e opta-se por finais e saídas mais convencionais e mais palatáveis, repletas de efeitos especiais e grandiosas cenas de luta, de certa forma desconectadas do ritmo desenvolvido ao longo dos episódios anteriores, em que se observa uma preocupação maior em estabelecer o mistério de Westview e desvendar as camadas de Wanda. A partir do momento em que a série abandona por completo a metanarrativa, a adoção inicial do formato perde total sentido.
“The Series Finale”, com suas cenas apressadas, introdução do Visão Branco, e ataque duplo de Hayward e Harkness, está mais preocupado em prover o público com ação ininterrupta, e estabelecer as próximas atrações do MCU do que efetivamente promover o fechamento adequado dos temas que levantou e buscou explorar em seus nove episódios. Devemos presumir que Wanda tenha desenvolvido seu arco emocional a partir das cenas de luta, da derrota de Agatha e da manifestação física de seus poderes como a Feiticeira Escarlate.
Desta forma, a narrativa parece se esconder por trás de grandes feitos de CGI e frases de efeito de sua protagonista. Novamente, é esperado que a audiência presuma que estas pontas se fecharam após toda a ação frenética. De fato, trata-se de um recurso bastante recorrente em muitos filmes do MCU, que pressupõem um exercício contínuo de suspensão de descrença por parte do público, posto que por um lapso limitado de tempo – o suficiente para satisfazer e entreter por pouco mais que duas horas em uma sala de cinema.
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WandaVision, contudo, não é (ou, ao menos, não deveria ser) um filme do MCU dividido em nove partes, mas sim uma experiência televisiva que, em teoria, possuía outros objetivos: explorar mais detalhadamente suas personagens e oferecer uma resolução compatível com o formato diferenciado. Ao adotar a velha “fórmula Marvel” para o fechamento de suas questões, a série nos pede que aceitemos soluções aceleradas para tópicos que levaram semanas para se estabelecerem.
Sequer se tem tempo para explorar o que é trazido de novo – como o Visão Branco, deixado apenas como mais um precedente para próximas mídias do MCU, e que pouco agrega ao arco principal. O final de WandaVision, desta forma, preocupa-se muito mais em buscar ligações com as outras mídias do universo compartilhado, do que efetivamente terminar o que começou.
Entre linhas borradas e personagens mal aproveitados: as oportunidades perdidas na season finale
O fechamento apressado ainda prejudica o desenvolvimento de suas personagens nos episódios finais. Em se tratando da principal antagonista da série, Agatha Harkness tem a chance de mostrar boa parte de seu potencial durante o oitavo episódio. Nas mãos de Kathryn Hahn, a bruxa recebe um tratamento de profundidade e complexidade incrível, conquistando a simpatia do público, ao mesmo tempo em que inspira uma amoralidade cinzenta.
A “terapia forçada” empregada durante “Previously On…” é um exemplo interessante de como os métodos inortodoxos da bruxa geram consequências interessantíssimas. Ainda que com fins puramente egoístas, é Agatha quem auxilia Wanda a enfrentar aquilo que esta não deseja ver por si mesma.
Considerando o potencial da personagem, e sua complexa relação com a Feiticeira Escarlate nos quadrinhos, muito mais poderia ter sido feito a partir disso, e a série teria ganho se explorasse a ambiguidade moral da antagonista, em vez de reduzi-la a uma simples vilã no episódio final. Com a previsível motivação de uma feiticeira ambiciosa e sedenta por mais poder do que pode controlar, o que se verifica é mais uma oportunidade perdida.
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Outras personagens, como Monica Rambeau, Jimmy Woo (Randall Park) e Darcy Lewis (Kat Dennings), também parecem estar encaixadas muito apressadamente nos acontecimentos finais. Monica, em especial, não tem grandes funcionalidades senão na cena em que protege os gêmeos Billy e Tommy (perfeitamente capazes de se defender) das balas desferidas por Tyler Hayward, este também reduzido a um mero vilão megalomaníaco capaz de atirar em crianças – dispensando por completo uma linha narrativa mais cinzenta e intrigante em que, por mais desprezível que fosse, o diretor da S.W.O.R.D. tivesse um fundo de verdade por trás de suas ações.
Jimmy tem sua participação em uma cena em que liga pedindo reforços para o FBI; enquanto Darcy surge atropelando Hayward no carrinho que dirigia desde o episódio 7. A impressão é a de que a série parece não saber o que fazer com suas coadjuvantes, ou mesmo com seu segundo antagonista.
Extensivamente comentado desde sua primeira aparição, o personagem de Evan Peters mostra-se ser um mero coadjuvante de luxo, que em nada acrescenta na narrativa principal, senão como um gigantesco “easter egg” ou “troll” por parte dos estúdios Marvel para gerar mais engajamento internet afora. Independentemente das teorias levantadas por fãs ao longo da exibição, uma coisa é certa: não há como ignorar o desperdício do ator, e a falha, por parte do roteiro, em prover um “pay off” compatível com a importância conferida ao falso Pietro dentro da narrativa.
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O mesmo pode ser dito da recorrente piada de “Agnes” a respeito do marido Ralph, excessivamente suscitada ao longo dos episódios, para redundar na revelação de que o falso Pietro se trataria de Ralph Bohner. Novamente, a série parece não ser capaz de sustentar as questões que levantou ao longo dos episódios anteriores, recorrendo a saídas mornas e preguiçosas.
“Eu tenho tudo sob controle”: a agência e a moralidade de Wanda Maximoff
Acima de tudo, WandaVision ainda falha em prover complexidade à sua protagonista. Diante das diversas promessas de Jac Schaeffer em nos retratar uma Wanda dona de sua agência, o saldo final é um tanto quanto decepcionante.
Tal qual observado nas figuras antagonistas, evita-se trazer um caráter de ambiguidade moral à personagem, tratada sob uma luz incompleta, quando não simpática. A despeito das declarações da equipe da série acerca dos erros de Wanda e sobre a impossibilidade de perdoá-la facilmente, o final de WandaVision não tem o condão de nos convencer de nada disso.
Como visto em incontáveis oportunidades nas HQs, Wanda novamente recebe o tratamento de uma mulher levada pela força de suas emoções, e que, nas palavras de Agatha Harkness, “possui muito poder e pouco conhecimento”. A diferença em relação a estas histórias, contudo, é que a audiência deve supostamente simpatizar com as motivações da feiticeira e parabenizá-la por seu “sacrifício”.
A série pouco se preocupa em discutir a moralidade de sua protagonista – como quando ela teria tomado consciência da ilusão e decidido voluntariamente continuar nela, a despeito das mentiras contadas ao marido e a tortura infligida sobre a população de Westview. O máximo que a trama permite vislumbrar são cenas em que, ainda em negação, Wanda repete às pessoas que “elas estão sonhando” ou “que estão mais felizes”, além da cena final em que abandona a cidade.
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Tais pontos, muito interessantes na construção de uma personagem tão amoral em seus traumas, desejos e motivações quanto seus antagonistas, são deixados de lado. A dissolução do Hex, de Visão e das crianças é tratada como um “sacrifício” em uma série que, supostamente, deveria tratar do amadurecimento da protagonista em superar as ilusões que projetou para si e assumir a responsabilidade por seus atos – uma constante, inclusive, nas histórias mais recentes da Feiticeira Escarlate nos quadrinhos.
Devemos simpatizar com Wanda a partir de seus traumas e perdas, ou mesmo por ser uma entidade mais poderosa que o Mago Supremo. Nada destas características, contudo, nos diz quem efetivamente é Wanda Maximoff, ou porque devemos considerá-la uma personagem intrigante a partir das decisões que toma para si. No fim das contas, a série se debruça muito mais sobre o que sua protagonista sofreu, ou o que está destinada a ser segundo uma profecia no Darkhold, do que efetivamente sobre quem ela é como pessoa.
Considere um final aos moldes de “Storyteller”, 16º episódio da sétima temporada de Buffy, a Caça-Vampiros (1997-2003), narrado a partir da perspectiva de uma personagem – Andrew (Tom Lenk) – com dificuldades para reconhecer os erros que cometeu (notadamente, o assassinato de seu melhor amigo), também utilizando-se de uma narrativa fantasiosa para se dissociar, através de uma câmera de vídeo com que registra seu cotidiano e reconta os acontecimentos.
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Ao final do capítulo, um Andrew arrependido e responsabilizado consigo mesmo olha para a audiência e, incapaz de retornar às suas ilusões, desliga a câmera em silêncio. Trazendo fechamento à premissa televisiva e ao próprio arco narrativo de sua personagem principal, o quão poderoso teria sido ver Wanda Maximoff apontar o controle remoto na direção de sua audiência e desligar a transmissão?
Utilizando-se de saídas mais confortáveis e pequenas em comparação ao grande potencial levantado nos episódios anteriores, WandaVision entrega um final relativamente previsível. Entre estabelecer-se como um arco fechado e autocontido, e chamariz de expectativas para os próximos filmes, a série se finaliza um tanto quanto aquém do cuidado com que levantou seus mistérios, construiu sua narrativa, e experimentou dentro dos limites possíveis a uma obra ligada a um universo compartilhado. Resta-nos, afinal, esperar pela próxima aparição de Wanda em outras entradas do MCU (notadamente “Doutor Estranho 2”), e perguntarmo-nos que tipo de tratamento a personagem receberá.
Edição e revisão por Isabelle Simões.